A pequena Miruna, ao lado de Genoinio, e Ronan, no colo do pai: "A saúde dele virou enquete na mídia, tem até o minuto a minuto. Virou um Big Brother. Mas isso não é assim, é a minha vida" FOTO: ÁLBUM DE FAMÍLIA
Temporada no inferno
Miruna Genoino se divide entre a obsessão pela saúde do pai preso e a preocupação com os filhos
Malu Delgado | Edição 87, Dezembro 2013
A árvore de Natal tinha sido montada naquele dia e, ainda que diminuta e sem nenhuma pompa, destacava-se na sala do apartamento de 50 metros quadrados, dividindo espaço com um sofá batido pelo uso e a mesa de quatro lugares. Miruna Kayano Genoino, visivelmente exausta, cedeu aos apelos do filho Luis Miguel, de 5 anos, e resgatou a árvore na casa de seu pai, José Genoino Guimarães Neto, naquela segunda-feira, 25 de novembro. O pequeno foi com a mãe até o sobrado do avô, no bairro do Butantã, em São Paulo, mas, assustado com a movimentação dos últimos dias e semanas, recusou-se a descer do carro. Queria saber se não tinha gente à espreita – jornalistas, cinegrafistas, fotógrafos – na porta da casa do vô Genoino, como já havia ocorrido. Miruna teve que insistir: “O vovô e a vovó não estão aqui agora, mas eles vão voltar.” Luis Miguel aquiesceu. Desceu do carro, entrou na casa vazia e ajudou a mãe a transferir o Natal do sobrado dos avós para o apartamento onde mora, no mesmo bairro.
No dia do ritual pré-natalino exigido pelo filho mais novo, Miruna me recebeu em sua casa. Nossa conversa havia sido agendada para a quarta-feira anterior, mas, naquela data, Genoino foi levado às pressas do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, para o Instituto de Cardiologia do Distrito Federal. Tivera uma crise hipertensiva e estava com suspeita de infarto do miocárdio, diagnóstico descartado horas depois.
Filha mais velha de Genoino, com 32 anos, Miruna permaneceu na capital federal por mais alguns dias para acompanhar o calvário do pai, o deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores preso no dia 15 de novembro, acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha no escândalo do mensalão. Foi condenado a seis anos e onze meses de prisão, em regime semiaberto. A pena ainda pode mudar – e ser reduzida – assim que o Supremo Tribunal Federal julgar o recurso contra a condenação por formação de quadrilha, mas parte da sentença já transitada em julgado o obriga por ora a ficar na cela por pelo menos quatro anos e oito meses.
Com os cabelos desalinhados, pés descalços, calça legging preta e blusa de malha cinza, Miruna abriu a porta do apartamento um tanto ressabiada. Mostrava ao mesmo tempo uma delicadeza e uma educação que remetiam imediatamente à sua ascendência nipônica. Depois de me acomodar no sofá e me oferecer algo para beber, ela foi até um móvel e de lá trouxe um colar. Com fala mansa, tentou reconstruir “o inferno da última semana” enquanto mexia freneticamente no colar de contas pretas como se fosse uma japamala budista. “É um martírio, do ponto de vista pessoal, você ter que passar por tantos laudos diferentes para provar uma coisa que a gente viveu na carne. A gente sabe o que é, a gente não está mentindo. E aí vira enquete na mídia: você acha que o Genoino deve ter prisão domiciliar? Como se fosse dizer quem você acha que deve sair do Big Brother. A saúde do meu pai virou Big Brother, entendeu? Tem o minuto a minuto… Mas isso não é assim. Essa é a minha vida.”
A obsessão de Miruna é obter a prisão domiciliar para Genoino. Pergunto sobre o julgamento do mensalão, sobre a suposta culpa ou inocência do pai, mas ela se esquiva do assunto. Tampouco tem disposição para falar sobre o PT. A despeito da trajetória de Genoino, a filha não demonstra nenhuma paixão pela política. Quis se filiar ao partido antes de completar 16 anos. O pai não permitiu. Disse que ela tinha que começar primeiro a vida de eleitora, entender melhor as coisas, para só então decidir que rumo tomar. Mais tarde, militante no movimento estudantil da Universidade de São Paulo, Miruna virou petista de carteirinha. Fez muita boca de urna, atuou em muita eleição. Mas a agonia presente do pai deixou tudo isso catalogado no passado. “Não vou ficar falando agora: ‘Olha, ele é inocente.’ Não vou ficar falando do julgamento de X, Y e Z. Não quero falar disso agora. Ou sobre quem do PT apoiou, quem não ajudou. Não me importa. O que me importa é que a saúde dele seja realmente cuidada.”
Aos 67 anos, Genoino foi submetido a uma cirurgia cardíaca de emergência no dia 24 de julho no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Estava em Ubatuba, na casa da cunhada, com a mulher, Rioco, e os dois netos, filhos de Miruna, quando começou a sentir uma dor lancinante no peito. A filha estava na Argentina enquanto o coração do pai quase explodia, literalmente.
Pedagoga, ela foi aprovada num mestrado de alfabetização pela Universidade Nacional de La Plata. O “vôvis” Genoino (como é chamado por Luis Miguel e Paulinha, a filha mais velha de Miruna, de 7 anos) concordou prontamente em tomar conta das crianças na praia por uma semana para que a filha fizesse seu curso de aperfeiçoamento, semipresencial. Pouco antes de receber o telefonema do irmão Ronan sobre o estado de saúde e a cirurgia do pai, Miruna tinha publicado no Facebook: “A saudade está rasgando meu coração.” Na véspera de ser colocado numa mesa de operação no Sírio, Genoino havia escalado uma pequena serra com os netos nos arredores de Ubatuba.
No dia da cirurgia, Rioco e Ronan foram chamados pelos médicos e avisados de que Genoino tinha poucas chances de sobreviver. A intervenção cirúrgica seria longa, de seis a oito horas. “Quando a cirurgia já durava três horas, Fábio Jatene [o cirurgião] os chamou numa salinha. Estava com uma cara tensa. Ele tinha acabado de sair da sala de operação e disse que na hora seguinte meu pai poderia morrer a qualquer momento.” Miruna falava e olhava para baixo, deixando silêncios entre as frases. Comentou que “não conseguia mais chorar”. Dois dias depois da prisão, quando foi a Brasília para dar suporte ao pai, teve uma crise nervosa e chorou compulsivamente por horas.
Genoino recebeu alta no dia 20 de agosto. Ainda internado, teve um AVC. Foi outro susto, mas que não deixou sequelas neurológicas. “Em 2012, na época do julgamento [mensalão é uma palavra que Miruna nunca usa], ele fez um check-up. Deu uma alteração e ele se submeteu a um cateterismo. Mas ficou super bem”, recordou-se a filha. O pai de Genoino, que vive no sertão cearense, é cardiopata. Já fez várias pontes de safena. O filho Ronan, de 30 anos, foi aconselhado por médicos a fazer exames em razão do histórico familiar.
A recaída de Genoino após a prisão fez a família reviver o drama recente da cirurgia. No curto período de duas semanas, ele já foi avaliado pelo Instituto Médico Legal do Distrito Federal, por um cardiologista particular enviado ao presídio pela família, pela junta de cinco médicos da UnB formada por ordem do Supremo para dar subsídios aos ministros sobre a necessidade ou não de prisão domiciliar e, finalmente, por um grupo de quatro médicos designados pela Câmara dos Deputados para avaliar se ele pode se aposentar por invalidez.
Genoino se entregou à Polícia Federal no dia da Proclamação da República. A mala que levaria para a prisão já estava pronta na véspera. Quando, na quarta-feira, dia 13, o plenário do Supremo determinou a execução das penas dos condenados do mensalão, antes que fossem julgados os embargos infringentes, o petista se preparou para voltar ao cárcere, mas desta vez num regime democrático. Recebeu por telefone, no próprio dia 15, a notícia de que o mandado de prisão fora expedido por Joaquim Barbosa, presidente do STF. Estava em casa com a família. Os netos estavam no parque com uma amiga de Miruna. “Por sorte”, ela diz.
“Depois da notícia do mandado ele fez coisas práticas. Me pediu para pegar o desenho das crianças e colocar na mala”, relembrou a filha. Algumas horas depois, amigos e o advogado criminalista Luiz Fernando Pacheco chegaram ao sobrado do Butantã. Genoino pouco falava. Queria se entregar logo e encurtar o sofrimento da família.
Neste momento, ela pega o iPhone para mostrar os sinais do que chama de “perseguição da mídia”. “Quer ver?”, perguntou, mostrando em seguida fotos que tirou de cinegrafistas parados em frente à casa de Genoino e um curto vídeo em que ela, chegando com as compras do sacolão na casa do pai, desafia um profissional da imprensa e pergunta a ele por que está enfiando a câmera pela janela. “Seu filho da puta”, grita Miruna no filminho registrado pelo celular. Depois de mostrar as provas do acampamento na porta da casa do pai, se solta num longo desabafo. “O que eu passei com os meus filhos… Porque, assim, eu entendo que meu pai seja notícia neste momento. Eu entendo aquela foto dele saindo [de casa, no dia em que se entregou à Polícia Federal, que foi estampada nas capas dos principais jornais do país]. Eu até entendo agora que queiram tirar uma foto dele, onde ele está, porque ele é a notícia. Agora, eu não entendo essa agressividade comigo, com meu irmão, com a minha mãe e com os meus filhos.”
Por volta das 7 horas, sem saber que o pai seria preso naquele dia, Miruna levou os filhos à casa de Genoino, quase que para uma despedida. “O meu pai não é um avô de mês, de visita mensal ou de almoço de domingo. O meu pai é um avô da vida toda dos meus filhos. Ele é do cotidiano. Entende? Ele faz parte. A gente almoça duas vezes por semana lá, janta uma vez por semana.” Naquele dia, com as crianças no carro, Miruna desceu para conversar com os fotógrafos e cinegrafistas. Pediu que seus filhos não fossem filmados nem fotografados. Pouco adiantou. “Meus filhos choraram, ficaram muito nervosos”, lembrou. Antes disso, numa manhã, Luis Miguel se apressou em olhar pela janela. Respirou aliviado. Não tinha ninguém na porta. “Ele me disse: mamãe, eu rezei tanto essa noite para não ter ninguém na porta da casa do vovô”, contou Miruna. A esta altura da conversa, o colar de contas pretas já estava preso em volta do pescoço, e ela passou, então, a movimentar em semicírculos o anel de prata que fica no cordão, como um pingente
Foi preciso buscar ajuda profissional para contar a Luis Miguel e Paulinha que o “vôvis” seria preso. A família inteira se reuniu para uma conversa. A psicóloga amiga orientou a todos que fossem sinceros e diretos. E avisou a Miruna que eles se espelhariam na reação da mãe. O julgamento no STF já havia demandado excesso de zelo com as crianças, que não assistem à tevê aberta. “Vovô, por que umas pessoas querem matar você? E por que você não mata elas também?”, indagou, num dos encontros familiares, o neto. O avô tentou mostrar que as coisas não eram assim, tão extremas, e que ficaria conversando com aquela gente para explicar que não tinha feito nada de errado.
Depois que Genoino se entregou, Miruna disse aos filhos que aquelas pessoas convenceram o juiz de que o vovô tinha que ser preso. Mas que ele era um herói, apressou-se em destacar. Ronan tentou ajudar: “Paulinha, sabe quando o bonzinho do filme enfrenta um monte de dificuldades? Então, a gente está agora naquela parte chata do filme.” É neste momento da história que Genoino, que comandava o PT em 2003, avaliza empréstimos feitos pelo partido nos bancos Rural e BMG, apontados como fraudulentos pela Justiça. Nove dos dez ministros da Suprema Corte acataram a tese de que o então presidente do PT tinha ciência do esquema de distribuição de dinheiro a partidos e parlamentares para assegurar apoio político ao governo Lula – o que caracteriza o mensalão, segundo a denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República e julgada no STF. O petista alega que assinou empréstimos legais, para saldar dívidas do PT, que foram aprovados pelo Tribunal Superior Eleitoral e pagos aos bancos (ainda que sete anos mais tarde, bem depois que o escândalo veio à tona).
Na foto do dia em que deixou o sobrado do Butantã para se entregar à PF, Genoino parecia ter encarnado o personagem criado pela família, enrolado num pano branco, como se fosse a capa de um super-herói. Aquele pano, explicou Miruna, era a cortina da casa, bordada por Rioco por quase um ano – desde o dia em que saiu a condenação do marido, em novembro de 2012. Por doze meses, Rioco bordou passarinhos no tecido. Centenas de amigos e familiares que passaram pela casa neste período, convidados a ouvir a versão de Genoino sobre os fatos, recebiam linhas, agulhas, lições básicas de bordado e deixavam ali, registrados, seus desenhos de aves. A inspiração vinha do verso de Mario Quintana – “Eles passarão, eu passarinho” –, citado por Genoino na carta de 10 de outubro de 2012, quando entregou o cargo de assessor especial do Ministério da Defesa, emparedado pela condenação do STF.
No dia da prisão do avô, Paulinha fez poucas perguntas. Teve febre 24 horas depois. Luis Miguel abraçou a mãe e chorou copiosamente.
Autorizado pelo STF a permanecer temporarimente em prisão domiciliar, Genoino, já com a pressão arterial sob controle, deixou no último dia 24 o Instituto de Cardiologia e foi levado a uma casa secreta em Brasília. Os netos viajaram à capital para uma visita. Perguntaram incansavelmente se ele estava bem e se voltaria com eles no avião. Ouviram, mais uma vez, que teriam de esperar pacientemente pelo retorno do avô. Paulinha mostrou os presentes que tinha ganhado no aniversário, dois dias antes. A festinha, que seria em São Paulo, foi feita de improviso em Brasília. “Mas meu pai não estava numa situação de muita interação”, disse Miruna. Apesar disso, naquele domingo eles viveram a última cena que mais se aproximava da antiga rotina familiar.
É Miruna quem lida com advogados, médicos e, ocasionalmente, enfrenta a imprensa. Entrevistas, só as autorizadas pelo pai e, via de regra, para os chamados “blogs de esquerda”. No domingo, 24, quando se preparava para voltar a São Paulo e retomar minimamente a rotina tanto profissional como materna, ela passou as funções para Ronan. Ele é o “assessor de imprensa” da família: acompanha os jornais, as redes sociais, e repassa para os mais próximos o que de importante vê sobre o mensalão e sobre seu pai. Miruna não tem estômago para tanto. Não esconde certo asco pela imprensa, apesar de em alguns momentos falar com respeito e compreensão sobre a atividade dos jornalistas. Rioco é quem faz os contatos políticos. Mariana, a irmã de Miruna e Ronan só por parte de pai, tem fobia de repórteres. Com a vida exposta nos últimos dias, Mariana, fruto de uma relação extraconjugal de Genoino, revelou aos irmãos, num e-mail enviado no dia 25, o desconforto de ver seu nome nas páginas dos jornais.
Genoino revelou o caso amoroso aos filhos e a Rioco só em 1999: “Essa não é uma história para a gente se envergonhar. Foi uma história como todos os dramas familiares, com seus momentos de tensão, de crise. Foi difícil para todos. Mas a gente tem uma relação de profundo amor e respeito”, disse Miruna. Toda a imprensa informou que Genoino ficou na casa de Mariana com o aval do Supremo. “Ele não está na casa da filha”, disse, categórico, o advogado Luiz Fernando Pacheco. Miruna também me contou que seu pai não foi levado para a casa da irmã, e logo emendou: “E eu vou falar o mínimo possível sobre isso.” Quando conversamos, ela via como “um milagre” que os jornalistas ainda não tivessem descoberto o endereço do esconderijo do pai.
Em seu escritório na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, o advogado também se policiava para não revelar o paradeiro do petista, a quem acompanha desde 2005. Pacheco se assustou quando foi levar Genoino para a sede da PF em São Paulo, no fatídico dia 15. No carro, dirigido por ele, também estavam Rioco e Veridiana, a mulher do advogado. “Era coisa de paparazzi maluco.”
Aos 40 anos, e com uma carteira de sessenta clientes (entre pessoas físicas e jurídicas), Pacheco nutre um dos hábitos que agravou o quadro de saúde do hoje amigo Genoino: também é um tabagista voraz. Em duas horas de conversa, fumou quatro cigarros e bebeu dois cafés expressos. Ao mencionar o esforço de Genoino para deixar de fumar após a cirurgia (vício que abandonou com disciplina, diz a família), o advogado confessou um deslize: “Quando estávamos nos dirigindo para a PF, eu disse a ele: Genoino, me desculpe, mas preciso de um cigarro. E ele, daquele jeito: o que é isso, companheiro? Fique à vontade.”
“Minha relação com meu pai é muito, muito, muito forte”, repetiu Miruna. E completou: “Vem desde o meu nascimento.” Presa política no regime militar e militante do Partido Comunista do Brasil, Rioco foi torturada, assim como Genoino. Quando Miruna nasceu, quase uma década depois, ela de alguma forma associou o parto às sevícias do passado. Caiu numa grave depressão pós-parto e rejeitou a filha. Não conseguiu amamentar a primogênita no primeiro mês. A mãe de Rioco se ofereceu para cuidar do bebê. Mas Genoino objetou: a garota ficaria com os pais, até que Rioco restabelecesse sua conexão com a filha. Assim foi feito. “Na minha cabeça, acho que meu pai foi fundamental para isso, por ela ter reconstruído a relação comigo”, disse Miruna.
A figura do paizão desde o nascimento não apagou da memória de Miruna as intermináveis ausências dele no cotidiano familiar por causa da política. “Meu pai foi diferente dos pais das minhas amigas. Só o fato de estar fora a semana inteira o impedia de viver coisas corriqueiras, como a natação, o jantar ou a lição de casa. Agora, quando estava com a gente, o meu pai era de uma qualidade que compensava tudo.”
Miruna morou na Espanha de 2006 a 2009 depois de se casar, bem no auge da descoberta do mensalão. Foi pedida em casamento por Juan no mesmo dia em que Genoino deixou o PT. “Eu estava em Granada quando meu marido me pediu em casamento. Fomos visitar a casa do García Lorca. Na hora em que eu entrei, estava tocando a música do filme 1492 – A Conquista do Paraíso e eu pensei: aconteceu alguma coisa com meu pai. Fui para a praça, achei um orelhão, liguei para o Brasil e ele me contou [que deixava a presidência do PT].” A trilha sonora de Vangelis é uma das preferidas de Genoino.
Entre várias divagações, com dificuldades para reconstruir as últimas semanas da família Kayano Genoino, Miruna diz não sentir raiva. Mas está, como define, “desapegada da vida, vivendo um momento cru”. Não nutre nenhum otimismo sobre o destino do pai. “Nossas perspectivas são sempre pessimistas.” Essa conversa aconteceu às vésperas da divulgação do laudo feito por cardiologistas da UnB e do parecer solicitado pela Câmara. Nos dois casos, diagnosticou-se que Genoino não é portador de cardiopatia grave. Sendo assim, segundo os laudos sugerem, ele poderia receber cuidados médicos na prisão e se recuperar, o que, por conseguinte, não justificaria uma aposentadoria por invalidez.
No dia seguinte ao que estive em sua casa, perguntei a Miruna, por e-mail, se ela já tinha visto o resultado dos últimos laudos médicos. No dia 27, às 7 horas, chega à caixa postal a resposta: “Deve ser muito chato me conhecer nesse momento. Porque é muito chato ser eu mesma nesse momento. E porque sempre é melhor olhar para o lado do que parar e pensar no que fazer quando algo muito grave está acontecendo. Com a minha família, claro.” No texto, que pouco depois ela colocou nas redes sociais e foi reproduzido pelos “blogs de esquerda”, Miruna pondera que os laudos foram feitos quando seu pai estava medicado, bem alimentado, em contato com a família e, portanto, com o nível de estresse relativamente sob controle. “Ele quase morreu em julho, venceu os 10% de chance de sobreviver, teve uma dor que só o fazia pensar em morrer e não, ele não tem nada grave.” Ela ironiza que “é possível” que o pai seja “bem cuidado” na Papuda. Ao admitir que está “com o coração sangrando, no fundo do poço”, indaga se os médicos que avaliaram seu pai conhecem as instalações do presídio, se já provaram a comida lá oferecida e usaram o banheiro do local. Sem muito a fazer, Miruna pretende abrir no dia 25 de dezembro as cartinhas que Luis Miguel e Paulinha colocaram em meio aos arranjos na árvores de Natal. Os pedidos dos dois não são difíceis de adivinhar.
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