Umas figuras (e uma sinusite)
| Edição 46, Julho 2010
BENEDITO, RICHARLES E HUDSON
No colégio Nossa Senhora das Graças, Benedito, Richarles e Hudson são os caras que todos os meninos querem imitar e todas as meninas querem namorar. Hudson é bonito e tem uma característica preciosa, que conquista o coração de qualquer menininha: ceratocone. É só chegar e lançar: Oi gatinha, sabia que eu tenho ceratocone? Quando Hudson discorre sobre sua condição – É uma doença não-inflamatória do olho que se manifesta por uma mudança estrutural da córnea, tornando-a mais fina e dando-lhe um formato cônico… – elas até suspiram. Já Richarles é muito inteligente, mas desperta adoração e inveja por causa de outro atributo: o diastema. Mais charmoso do que o espaço entre os seus dentes incisivos superiores – raro em época de tirania dos aparelhos ortodônticos – é o fato de que ele possui uma não-coisa que tem um nome. E que nome! Todos os outros meninos são cheios de não-coisas, mas nenhuma delas são nomeadas. O líder do grupo, no entanto, é Benedito. Ele não é bonito nem inteligente, mas foi agraciado com um traço distintivo ainda mais admirável: um xantelasma. E não se trata de uma pequena protuberância gordurosa na superfície cutânea de um lugar qualquer, não – é no cotovelo! Quando Benedito passa, todos se viram para admirar o detalhe que torna mais rica sua presença e o acompanhará pela vida afora. O pior insulto para Benedito é chamar o seu xantelasma de verruga. Pior que afirmar que o seu Mizuno foi comprado no camelô.
BENEDITO, RICHARLES E HUDSON – E DELFIM
Um dia, a trinca mais admirada do colégio Nossa Senhora das Graças descobriu pelo Jornal Hoje que existe uma coisa chamada bullying. E como não gostam de ficar por fora das tendências (eles foram os primeiros alunos do colégio a usar uma grife “ecologicamente sustentável”), resolveram ver que parada era essa. No final da aula, foram para a saída escolher a vítima. Calhou de um moleque chamado Delfim dar as caras. Perfeito. Olha aqui, fica esperto com a gente, rapá! Acha que tu é grande coisa com essa sinusite de merda?! Não dá mole não que a gente enche tua cueca de Tylenol! Os três soltaram uma gargalhada maligna e marcharam rumo à glória. Olhando para o sol poente, Benedito exibiu com garbo o xantelasma do cotovelo. Richarles deu uma cuspidinha pelo diastema. Hudson colocou seus óculos escuros, pois o ceratocone dá fotofobia.
CARLÃO E SHIRLEY
A melhor coisa do mundo pra eles naquele momento era aquele momento. Carlão e Shirley namorando debaixo da sombra de um ipê rosa numa linda tarde de primavera. Fazia calor e a brisa fresca era o complemento ideal para aquele idílio, como suflê de goiabada saído do forno com requeijão cremoso geladinho por cima. Deitados na grama, Carlão e Shirley escaneavam o azulão do céu à procura de figuras de algodão. Aquela ali parece uma tartaruga. É. Aquela outra parece um coração. Nhaaaw… Beijinho. E aquela, é igual ao Ronaldinho. Fenômeno ou Gaúcho? Fenômeno. Antes ou depois da Cicarelli? Antes, definitivamente antes. E aquela lá? Aquela lá é uma ameba. Não, é uma taturana. Que taturana?!, é uma ameba! Ta-tu-ra-na! AMEBA! Carlão e Shirley se levantaram, terminaram o namoro ali mesmo e nunca mais se viram. Bobagem, parecia mesmo era com um caroço chupado de manga.