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Menino 23 – Infâncias perdidas no Brasil

Documentário dirigido por Belisario Franca, a partir de roteiro dele e Bianca Lenti, não oferece perspectiva nova, nem aprofunda assunto que já se tornara de conhecimento geral

Eduardo Escorel | 11 ago 2016_15h22
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Não há dúvida de que o documentário Menino 23 parte de assunto curioso – a existência de tijolos marcados com um losango, no centro do qual há o emblema do nazismo em alto relevo, encontrados, nos anos 1990, na Fazenda Cruzeiro do Sul, antiga propriedade da família Rocha Miranda, no município de Parapanema, sudoeste de São Paulo. A essa descoberta se soma outra: a transferência para uma fazenda vizinha da mesma família, feita na década de 1930, de um grupo de meninos órfãos, na maioria negros, internados no Rio de Janeiro, que passaram a ser identificados através de números.

Esses fatos começaram a se tornar conhecidos a partir de 1998 e vieram a público em 2011, através da tese de doutorado “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”, de Sidney Aguilar Filho, defendida na Unicamp. No ano seguinte, graças à divulgação ampla através da imprensa, a existência dos tijolos marcados com a suástica e a remoção dos meninos se tornou assunto de domínio público.

Nada impediria, naturalmente, que esses eventos fossem retomados em um filme. O que chama atenção em Menino 23, porém, é o documentário, dirigido por Belisario Franca, a partir de roteiro dele e Bianca Lenti, não oferecer perspectiva nova, nem aprofundar assunto que já se tornara de conhecimento geral. A essência do que o filme relata está contida, inclusive, no vídeo de 22 minutos Entre a suástica e a palmatória, dirigido por Philippe Noguchi, a partir de reportagem de Alice Melo, publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional, em janeiro de 2012.[piaui_video]https://www.youtube.com/watch?v=v-K730tXMuY[/piaui_video]Apesar de tratar dos mesmos eventos e recorrer, além disso, em grande parte, aos mesmos personagens de Entre a suástica e a palmatória, Menino 23 é anunciado como novidade, o que não chega a ser o caso. Nem mesmo o escândalo que o filme se propõe denunciar chega a ser propriamente aberrante, considerando a época em que os fatos ocorreram.

Se os proprietários da Fazenda Cruzeiro do Sul pertenciam à Ação Integralista Brasileira, e se simpatizavam com o ideário nazista, não eram os únicos a fazerem essa opção, compartilhada de diversas formas, na década de 1930, por um setor da sociedade brasileira, da elite, classe média e setores populares, incluindo militares, políticos, servidores públicos e conservadores de forma geral.

A Alemanha havia se tornado o principal parceiro comercial do Brasil e até 1937, a Ação Integralista, atuando na legalidade, abrigava desde militantes nacionalistas de formação católica, sem vinculação com o nazismo, a racistas simpatizantes dos regimes fascista e nazista. Até o rompimento com os países do Eixo e a entrada do Brasil na Segunda Guerra ao lado dos países Aliados, em 1942, a suástica podia ser vista em navios alemães atracadas no porto do Rio, desfilando na bandeira pelas ruas da capital ou hasteada, ao lado da brasileira, no Circuito da Gávea.

Nesse contexto, fabricar tijolos com a suástica em alto relevo não passa de uma excentricidade. Quanto à exploração de mão de obra infantil em uma fazenda paulista, equiparada a uma forma de escravidão, tampouco pode ser considerada excepcional. As condições de trabalho agrícola adulto e infantil, de imigrantes e brasileiros natos, por acaso eram muito diferentes? A existência de trabalho escravo não persiste, de diferentes formas, no País até hoje? Não será esse o verdadeiro escândalo?

A par de não acrescentar informações relevantes aos fatos narrados, Menino 23 é vítima do seu próprio ecletismo, resultante de recorrer desde gravações em estilo de reportagem jornalística até a reencenações. Há de tudo um pouco no filme, inclusive entrevista com o historiador Sidney Aguilar Filho, autor da tese “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”. É um depoimento contraproducente para Menino 23. Suas intervenções revelam que o filme não pretende mesmo investigar, nem descobrir nada por sua própria conta. Limita-se a reproduzir conhecimento já estabelecido.

Falta a Menino 23 um princípio formal unitário, distintivo, que assinale sua própria identidade.

Sintomático desse ecletismo auto corrosivo é Menino 23 valorizar um didatismo histórico, sociológico e informativo em prejuízo da história de cada um dos sobreviventes e mesmo dos demais meninos que permanecem anônimos.

Assistindo a Menino 23, não se tem a sensação de ver nada pela primeira vez, de fazer uma descoberta, o que é considerado desde sempre uma das maiores virtudes do cinema e dos mais importantes benefícios que um filme pode proporcionar. Esse prazer de ver algo novo em maior profundidade foi descrito, na década de 1920, entre outros pela crítica de cinema inglesa Iris Barry (1895-1969), criadora na década seguinte do Departamento de Cinema do Museu de Arte Moderna, em Nova York, e uma dos fundadores da Federação Internacional de Arquivos de Filmes – FIAF, em 1938.

A ausência de sensação de descoberta, tanto por parte do próprio filme quanto do espectador, talvez seja o aspecto mais decepcionante de Menino 23.

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