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    ILUSTRAÇÃO_PAULA CARDOSO

anais da política

Na Câmara, com o novo e o seminovo

Dois deputados em primeiro mandato – um novato autêntico e o herdeiro de seis gerações de parlamentares – contam sua preparação para sobreviver em Brasília

Tiago Coelho | 12 dez 2018_16h47
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Em meados de novembro, perguntei como o Cabo Junio Amaral vinha se preparando para assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados em Brasília, em seu primeiro mandato. “Estou com uma cópia do regimento interno na mão nesse momento, estudando”, respondeu num tom de voz animado. Duas semanas depois, no início de dezembro, falei com Lafayette Andrada sobre suas expectativas como estreante na Casa: “Não é uma total novidade pra mim. Meu pai é deputado federal desde 1979. Frequento a Câmara há muito tempo.”

Geraldo Junio do Amaral tem 31 anos e foi eleito pelo PSL com 158 mil votos, por Minas Gerais. Lafayette Luiz Doorgal de Andrada tem 52 anos e teve 103 mil votos, pelo PRB, também por Minas. Ambos fazem parte do grupo de 243 deputados eleitos para a Câmara a cumprir seu primeiro mandato a partir de fevereiro. É a maior renovação da Casa desde a redemocratização – das 513 vagas, 47,3% serão ocupadas por novatos. “Novatos” é uma denominação genérica para coisas muito diferentes. Abriga tanto novos quanto seminovos. Os dois deputados nasceram em Belo Horizonte e terão gabinete em Brasília pela primeira vez, mas as semelhanças param por aí.

Cabo Junio vive desde a infância no bairro do Colorado, periferia de Contagem, na Grande Belo Horizonte. A mãe era dona de casa, e o pai, um pequeno comerciante local. Era rotina para o futuro cabo ver pequenos comerciantes sofrerem assaltos. Alguns terminavam em latrocínio – roubo seguido de morte. “Um dos motivos que fez meu pai fechar a lojinha foram os roubos constantes.” Era também comum ver seus amigos se envolverem com o tráfico de drogas. Ele conta que alguns acabaram mortos. “Muitos desses bandidos saíam impunes desses crimes. Daí veio meu desejo de enfrentar isso. Então eu estudei e prestei o concurso da PM.”

Aos 21 anos, Amaral ingressou na corporação. “Quando entrei, me decepcionei com o sistema processual, penal e político, que é pouco rígido com a criminalidade”, disse o jovem deputado eleito. “Além da falta de estrutura humana e logística para combater a violência. Fiquei frustrado.” Ele entrou para o curso de direito para entender o funcionamento das leis. Outra desilusão, disse. “O que é ensinado nas universidades tinha um cunho ideológico. As leis tinham brechas que beneficiavam criminosos.”

O descontentamento com o que se refere como “ideologia de esquerda” o levou a abandonar o curso e a criar em 2016 o Direita Minas – movimento que difunde o ideário conservador, para enfrentar a agenda política da esquerda. O movimento surgiu encarnando o espírito conservador que ganhava as ruas do país pelo impeachment de Dilma Rousseff. E que tinha o cabo da Polícia Militar como expoente. “Adquiri ali uma pequena noção de liderança. E agora vou aplicar na política institucional.” O cabo é o primeiro de sua família a entrar para a carreira política. O PSL, do qual faz parte, é a legenda com o maior número de novatos no Congresso – 47 de uma bancada de 52 deputados. Para o Cabo Junio, tudo é novidade.

 

Lafayette Andrada cresceu entre Belo Horizonte e Brasília, numa família mineira de forte tradição política. Ele representa a sexta geração dos Andrada a ocupar uma vaga no posto mais alto do legislativo brasileiro. “Desde a Independência do Brasil, sempre teve um parlamentar da minha família no Congresso.”

Seu pai, o deputado Bonifácio Andrada, entrou para a Câmara em 1979, durante a Ditadura Militar, e desde então cumpriu dez mandatos consecutivos – o último deles se encerra neste ano. No início da década de 80, o jovem Lafayette era visto nos corredores acarpetados de Brasília acompanhando as históricas e efervescentes sessões que marcaram a redemocratização do país. “Era o governo Figueiredo. Reabertura. Os deputados discutiam na Câmara as eleições diretas para presidente. Eu vi de perto a eleição de Tancredo Neves. Lembro com muita clareza da votação da Emenda Dante de Oliveira. Eu estava lá nas galerias. Era para mim um espetáculo muito interessante. E eu não ia só porque era filho de deputado, eu me interessava mesmo.”

Andrada cursou direito na Universidade Federal de Juiz de Fora, fez doutorado em direito na Argentina e estudou agronomia na Universidade Federal de Lavras (sem concluir o curso). Considera natural sua entrada na política. Foi secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico de Barbacena, vereador em Juiz de Fora e em Lavras e é deputado estadual na Assembleia Legislativa mineira até o fim deste ano. “A experiência no Legislativo e ter meu pai como integrante da Câmara faz com que não seja um ambiente desconhecido para mim. E, mesmo na Assembleia, sempre mantive contato com colegas de Brasília.”


Mozart Vianna também é mineiro. Chegou a Brasília em 1971, quase cinco décadas antes de Amaral e Andrada. Começou como datilógrafo na Câmara dos Deputados. Depois que se formou em letras, foi convidado a integrar uma comissão que redigia e revisava ortograficamente as leis. O espírito obstinado de servidor público comprometido com o trabalho logo o levou a assumir o cargo de secretário-geral da Mesa da Câmara, que exerceu por 24 anos, até se aposentar, no ano 2000. Em 2015, quando a relação entre Dilma Rousseff e o Congresso passou a ficar gradativamente abalada, Vianna foi cooptado para servir de auxiliar do então vice-presidente Michel Temer nas intermediações com a Casa. A fama é que ninguém sabe mais da rotina da Câmara do que Vianna. Veio o impeachment, Dilma caiu e o mineiro continuou a fazer assessoria para Temer. Ele versa sobre o regimento e os trâmites da Casa com habilidade. E, quando peço para listar o que é essencial no manual de sobrevivência de um novato, Mozart dispara. “O calouro, quando chega, tem que se alinhar e se entender bem com o líder de seu partido e com o líder da Câmara.”

Em Brasília, o regimento favorece a hegemonia das lideranças. São os líderes de bancada na Câmara que indicam os parlamentares para as comissões permanentes, temáticas ou mistas (onde há votação ao mesmo tempo da Câmara e do Senado). E ser indicado para as comissões, afirmou Vianna, é regra básica para uma legislatura proeminente – aumentam as chances de o parlamentar se aproximar das decisões mais importantes da Casa e interferir nos projetos e emendas de seu interesse. O veterano parlamentar Chico Alencar, do PSOL, que encerra seu mandato este ano, considera que a próxima formação da Câmara, afetada pela fragilização dos partidos, favorece o “cada um por si” e diminui a tendência de se votar em blocos.

Cabo Junio Amaral, por exemplo, diz que vai decidir as votações das pautas baseado na lealdade a seus eleitores, e não necessariamente em sua legenda. “Muitos deputados votam contra suas convicções para atender interesses do próprio partido ou de um líder. Não concordo. Por mais que tenha um partido que oriente uma tendência político-ideológica, o parlamentar tem que representar seus eleitores. Sou mais fiel a eles do que ao meu partido. Porque reconheço que no meu partido há pessoas ruins também. Só sigo o partido se as ideias convergirem com as minhas. E muitos colegas vão se posicionar desta forma também.”


A partir do dia 15 de outubro, os novatos precisaram sair de seus estados e ir a Brasília entregar documentos, realizar cadastros e, para os interessados, participar de palestras que abordaram os processos legislativos e orçamentários da Casa.

Quem chega à Câmara sem um padrinho procura um veterano que o auxilie com instruções, conselhos, dicas de sobrevivência. Cabo Junio Amaral procurou os deputados Laudivio Carvalho, do Podemos, e o Subtenente Gonzaga, do PDT, ambos representantes dos policiais militares e integrantes da bancada da bala. Aconselharam o novato, ele disse, a atentar para possíveis adversários à espreita. “Eles disseram para ter cuidado até com a própria sombra. Tem muita trairagem, tapinha nas costas, para depois dar punhaladas, que pode vir de onde menos se espera. E de repente pode se ver envolvido em alguma negociata sem ter ciência do que aconteceu.” Pedi mais detalhes da conversa. Como poderia ser dada a punhalada? “Chega um colega e fala: essa pauta é muito importante para minha categoria. Vota aqui comigo? Você vota, depois passa um tempo e você vê que tem uma grande sujeira por trás.” E como se prevenir desta arapuca?, perguntei. “Não tem uma receita. É só atenção.”

Do próprio pai e veteraníssimo na Câmara, Lafayette Andrada ouviu que ficasse atento. “A dica de ouro do meu pai foi escutar muito e prestar atenção nas coisas que acontecem. Observar. E nós, que somos de Minas, é do nosso temperamento ouvir mais do que falar. E, quando falar, que seja de maneira assertiva.”

Conhecer bem os colegas e se aproximar pode ser a melhor maneira de evitar os golpes sobre os quais o jovem Cabo Junio Amaral foi alertado. “É imprescindível que o novo parlamentar conheça a bancada de seu partido e dos outros também. Quem são seus pares, o que fazem, de onde vêm e quais suas ideias e projetos. Manter uma boa relação com a bancada e colegas de partido”, disse Mozart.

Andrada já conhece essa regra. Sabe quem são todos os congressistas mineiros. “Sempre estive conversando e atualizando o contato com os deputados federais, desde que estava no Legislativo em Minas. O PRB tem feito reuniões semanais dos deputados com a nova bancada. Conheço quase todos os parlamentares mineiros. Agora, o que a gente percebe, e é uma grande interrogação, é essa Câmara cheia de deputados novatos sem nenhum conhecimento sobre o Legislativo”, disse Andrada.

Assim que tomar posse, em fevereiro, Cabo Junio Amaral vai levar para a Câmara seus projetos de caráter punitivista contra a criminalidade. Ele faz coro ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, e quer aprovar o excludente de ilicitude, segundo o qual o agente de segurança não responde criminalmente por uma morte em serviço. Amaral disse também querer aprovar um projeto que flexibiliza o conceito de tortura para policiais. “Os policiais estão desmotivados, mas os criminosos são estimulados a permanecerem no crime. Tudo o que for nesse sentido eu vou trabalhar. Tenho um projeto para tirar a pena acessória de exclusão para o agente público que comete crimes de tortura, por exemplo. Hoje, na nossa legislação, o agente dá um tapa na mesa e pergunta ao marginal onde está a arma, o produto do crime. E isto é entendido pela lei como tortura psicológica. O policial é demitido e cumpre pena de prisão. Eu pretendo lutar para acabar com isso”, disse Amaral.

Disse a ele que tortura era um tema sensível à Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Pois fere um direito humano básico. “Estou preparado pra chegar lá e brigar. Tenho a esperança de que esse novo Congresso tenha um perfil mais semelhante com o meu. Que entenda a necessidade de quebrar paradigmas que foram criados pela esquerda nos últimos trinta anos. Compreendo que haja todas essas barreiras, mas minha parte vou fazer”, defendeu o cabo.

Para conseguir aprovar um projeto, Andrada vai apelar mais uma vez para suas boas relações no Congresso. “A Câmara é um corpo legislativo composto de muitas pessoas. O mais importante para sobressair e fazer um trabalho efetivo é adquirir o respeito dos colegas pela ética, pela retidão. É assim que você é visto de forma diferente lá dentro.”

Mozart disse que o importante é o novo congressista não ser engolido pela inércia e acabar ficando de lado nas atividades da Câmara. “O parlamentar tem sempre a chance de participar dos projetos em tramitação. Nas comissões mistas, das quais participam deputados e senadores, são votadas as medidas provisórias, importantíssimas. O parlamentar, se for indicado para participar da comissão pelo presidente do partido ou da Câmara, pode presidir a comissão e até ser relator da matéria. A função de relator é muito importante. Pois ele examina a proposta original, as emendas propostas pelos parlamentares, acolher, rejeitar e também pode construir um texto incluindo suas próprias ideias. É uma boa oportunidade de se aproximar das questões que lhe dizem respeito.”

Quando conversei com o Cabo Junio Amaral, ele ainda formava a sua equipe. Faria uma análise do que seria essencial no grupo. Não pretendia dispor de todos os 25 integrantes a que um deputado tem direito para formar seu staff – entre os quais uma parte fica na base local do deputado e outros em Brasília. Mas Amaral pretendia tomar uma decisão austera. Tinha a intenção de ter no máximo 15 dos 25 assessores que está disponível. “Não quero gastar como os políticos tradicionais gastam” disse o PM licenciado.

Uma lição ele já aprendeu com os veteranos da Câmara: a necessidade de ter na equipe alguém que conheça Brasília. “Fechei com uma pessoa experiente que já tem conhecimento do Legislativo. É um assessor do deputado Laudivio Carvalho, que não foi reeleito. As demais eu quero contar com gente da minha confiança que tem posicionamentos aliados ao meu. O chefe do meu gabinete vai ser alguém da minha estreita confiança. Estou pensando em um amigo PM, bacharel em direito, muito entendedor das leis. O chefe de gabinete, eu aprendi, tem que ser próximo de mim.” Amaral vai dispensar cargos como motorista. Acha que um de seus funcionários pode acumular funções, como assessor e motorista.

Já Lafayette vai herdar parte da equipe que já trabalhava com seu pai e que conhece os trâmites da Casa: “Vou mesclar a equipe que era do meu pai com parte do meu pessoal de Minas. Não vou ter muita dificuldade para isso. O ideal sempre é ter uma equipe política montada nos estados, trabalhando pela base de eleitores. E uma equipe técnica de qualidade para ajudar, em Brasília, a tramitar os projetos no Congresso”, disse Andrada.

O experiente Mozart afirmou que a equipe que auxiliará o deputado em Brasília deve saber acompanhar a rotina insana de reuniões das comissões, agendar discursos no plenário, verificar a ordem das pautas do dia. Se o deputado tem interesse em debater e discutir determinadas matérias. Se informar dos trabalhos na Câmara. Acompanhar o trâmite corretamente. “Enquanto a equipe de Brasília cuida disso, o pessoal nos estados deve trabalhar para uma agenda do deputado junto às bases de nos fins de semana. Senão os eleitores se esquecem de quem elegeram.”



Quando pediu licença da PM, Cabo Junio Amaral deixou um salário de cerca de 5 mil reais para apostar na campanha para deputado federal. Fez campanha para si e para o deputado Jair Bolsonaro nas ruas. Sua campanha custou 36,1 mil reais. E vai receber na Câmara um salário de 33,7 mil reais – quase seis vezes maior do que ganhava como PM.

“A ficha não caiu ainda. Mas sinceramente é algo que não me deixa exortado. Não me sinto lisonjeado por ganhar um salário enorme nessa nova função. Minhas expectativas estão além de questões salariais. E pretendo me organizar caso não seja reeleito daqui a quatro anos. Porque depois que você ingressa na política como policial, você é desligado do serviço ativo. Não ganha o salário integral.”

Amaral ainda não tem filhos, e vai mudar com a esposa para Brasília. Ele vive num puxadinho de 45 metros quadrados, no lote do pai. Não sabe ainda se vai morar num apartamento funcional ou usar parte do salário para alugar uma casa. “Você abre mão de morar num imóvel que já está lá. Que o Estado já comprou. Não me parece conveniente. Eu não vou pegar auxílio-moradia.” Também diz que não pretende aceitar muitos benefícios da carreira, citando o auxílio-paletó – vestuário que, a propósito, ele só tem um no armário, e usou três vezes na vida. Ao chegar a Brasília, sua impressão foi de que é tudo muito diferente de seu mundo. “O glamour das pessoas sempre bem-vestidas. Luxos desnecessários que a gente tem que combater. Coisas como esse auxílio-paletó [valor que alguns órgãos públicos, como tribunais de Justiça, costumavam pagar para a compra de roupas], que para mim são muito absurdas.” Segundo a assessoria da Câmara, esse benefício não existe. Amaral gostou de Brasília, considerou a cidade limpa e segura, “pelo menos no Plano Piloto.” Mas vai sentir saudades do seu bairro em Contagem. “De poder andar de chinelo com frequência, principalmente.”

O salário que Lafayette Andrada ganha na Assembleia Legislativa de Minas não é muito distante do que receberá em Brasília. Atualmente seu salário bruto é de 25,3 mil reais. Com seu tempo de Legislativo, ele já guarda uma coleção considerável de ternos. Sua campanha custou 1,8 milhão de reais – cinquenta vezes mais do que seu colega Cabo Junio Amaral. Andrada vai morar no mesmo apartamento do pai e vai herdar, também, o mesmo gabinete. Declarou particular entusiasmo a voltar a morar na capital Federal. “Brasília não é um mundo distante. Não é um choque. Sempre estive por aqui.” Ele vai sentir falta, disse, de muitos políticos experientes que deixarão o Congresso. “Esses nomes são referências para os mais novos que vão chegando. Ao contrário do que se imagina, essa grande renovação não é a salvação da pátria. É o contrário. O Congresso precisa muito da experiência dos mais antigos.”

Para os mais experientes ou para os mais perdidos, Mozart disse que a Câmara tem “os melhores profissionais” para auxiliar os parlamentares que ali chegarem. “Tudo é feito para auxiliar bem o parlamentar para que ele possa fazer seu trabalho. Tem reuniões dos recém-chegados com a diretoria da casa, com a secretaria-geral da casa. Duas consultorias de alta competência – a de orçamento e a consultoria legislativa com 24 áreas de conhecimento – penal, constitucional, previdenciário, entre outras – e cada uma delas conta com três consultores. Aqui na Câmara, nenhum deputado interessado fica desamparado.”

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