ILUSTRAÇÃO DE RENATA BUONO SOBRE FOTO GETTY IMAGES
Na matinê de Bannon, a China como alvo
Estrategista americano lança filme sobre gigante chinesa de telecomunicações enquanto pressiona governo Bolsonaro a resistir à “invasão” asiática
O estrategista político americano Steve Bannon recorreu a um expediente antigo em sua carreira para reforçar sua investida contra a China. Depois de fazer fortunas em Hollywood com financiamentos cinematográficos lá considerados heterodoxos, Bannon lança agora como coprodutor-executivo um média-metragem que emula a relação do Partido Comunista com uma fictícia gigante chinesa de telecomunicações, sugerindo uma simbiose perniciosa disfarçada.
Claws of the Red Dragon ou As Garras do Dragão Vermelho, em tradução livre, será lançado ao público em breve, embora ainda não tenha forma de distribuição definida. A piauí teve acesso ao filme, que narra os esforços do governo chinês para libertar a filha do chefe da Huaxing, uma fictícia empresa líder em telecomunicação no país asiático, presa no Canadá com pedido de extradição para os Estados Unidos. Os diálogos revelam o argumento central do filme: os chineses não poupam esforços nem vidas para manter seus planos de dominar o mundo – ao menos no espaço cibernético. Os produtores dizem que a trama é baseada em fatos reais.
O alvo de Bannon é, claramente, a Huawei, segunda maior fabricante de celulares no mundo, atrás da Samsung e à frente da Apple. Americanos acusam a chinesa de espionagem, que rebate dizendo que a resistência é fruto de interesses protecionistas. Em seu site, a Huawei afirma que jamais teve um incidente de segurança cibernética com as mais de quinhentas provedoras com as quais trabalha, inclusive as cinquenta principais, em quase vinte anos de operação em 170 países. A empresa se considera aquela sujeita ao processo mais intenso de escrutínio do mundo e, ainda assim, toma medidas permanentes para incrementar a segurança de seus produtos e investe bilhões de dólares com esse objetivo.
A ofensiva de Bannon contra a China encontra eco no Brasil, cujo governo federal procura demonstrar publicamente resistência à expansão chinesa nos negócios, na agricultura e na tecnologia da informação. O presidente Jair Bolsonaro tem viagem marcada para o país para daqui a um mês com uma missão difícil: incrementar a balança comercial e, ao mesmo tempo, defender a soberania nacional, na forma como o governo a define.
Um ministro palaciano afirmou reservadamente que, se nem os Estados Unidos têm clareza de como enfrentar o avanço asiático, o Brasil está ainda mais atordoado. “Estamos engatinhando”, ele afirmou, “mas não há preconceito com qualquer país.”
Nesse cenário, Bannon procura influir. Na semana passada, durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, ele esteve com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente e possível embaixador do Brasil em Washington, caso o Senado aprove sua indicação. Acompanhou a reunião o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins. Poucas semanas antes, o americano se reuniu com o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fora da agenda oficial do chanceler durante uma passagem pela capital americana. A pedido de Eduardo, Bannon participará de um seminário no Senado brasileiro em novembro para debater temas como mudanças climáticas, disputas comerciais e política internacional. O dia ainda não foi informado.
Bannon estreitou laços com o governo brasileiro desde a eleição de Bolsonaro, em um momento de queda de influência nos Estados Unidos. Ele foi demitido da Casa Branca, onde trabalhou como estrategista-chefe de Donald Trump, com acusações de ter vínculos com grupos racistas e de extrema direita. Hoje, aliados dizem que ele voltou a ter acesso ao presidente americano e atua nos bastidores pela reeleição de Trump. Fora dos Estados Unidos, o estrategista está dedicado a fortalecer governos populistas de direita pelo mundo por meio do que batizou como “O Movimento”. Eduardo Bolsonaro foi escolhido como representante na América do Sul do Movimento, uma rede de partidos e lideranças políticas com visão antiglobalização. Bannon chegou a confirmar internamente sua presença na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), evento internacional de direita que ocorrerá em São Paulo, pela primeira vez, nos dias 11 e 12 de outubro. Depois porém, desistiu da viagem. Procurado, o conselheiro de imprensa na embaixada da China no Brasil, Hu Min, afirmou que não poderia responder aos questionamentos da piauí sobre as posições do governo brasileiro perante o país.
A indisposição de Bolsonaro com a China ficou evidente quando ele desistiu de esperar por Xi Jinping, o líder chinês, para uma reunião bilateral no fim de junho, durante o encontro do G-20, no Japão. O brasileiro deixou o ponto de encontro depois de um atraso de vinte minutos do chinês.
No Brasil, o alvo principal de Bannon é a Huawei, que, segundo o jornal O Globo se uniu à China Mobile para tentar comprar a Oi, segunda maior operadora de telefonia fixa do país e que está em recuperação judicial. A Huawei negou interesse na compra da Oi após a publicação da reportagem de O Globo. A expectativa é que os negócios se expandam com a telefonia móvel de quinta geração, o 5G. Também demonstraram interesse no negócio a TIM, a Telefônica e a americana AT&T, onde, aliás, o pai de Bannon trabalhou. Uma vitória da companhia americana seria um passo importante na disputa geopolítica para os Estados Unidos ao barrarem o avanço de gigantes asiáticas. A aquisição por chineses, por sua vez, daria ao regime uma base sólida no Brasil, cujo governo tem alinhamento com Trump.
O senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente, foi à China há duas semanas, a convite da embaixada chinesa. Na programação estava prevista uma visita à Huawei e conversas com dirigentes do Partido Comunista. A piauí procurou o senador para saber se as agendas foram cumpridas e sua avaliação das mesmas, mas sua assessoria afirmou que não seria possível atender à demanda.
O avanço econômico da China também inspirou a primeira iniciativa do casal Obama no cinema. O documentário American Factory, da produtora Higher Ground, fundada por Michelle e Barack Obama, em parceria com a Netflix, lançado em agosto, mostra o choque cultural entre trabalhadores dos dois países quando uma empresa chinesa compra uma fábrica abandonada em Ohio e emprega alguns dos assalariados que tinham perdido o emprego.
Duas cenas do filme de Bannon, As Garras do Dragão Vermelho, são particularmente didáticas sobre a visão que se quer passar sobre a China. A primeira delas ocorre em Pequim, quando o empresário Feng Zhifei, chefe da Huaxing, vai ao Ministério de Segurança de Estado pressionar pela libertação de sua filha. Ao cometer práticas ilícitas, ela apenas teria seguido instruções do pai, que por sua vez respondia ao governo. O ministro relata que o regime está fazendo o que pode e, ao final da dura conversa, determina: “Diga à mídia que o governo chinês não tem nada a ver com a Huaxing e que você não obedece a ordens do Partido.”
A segunda cena também se passa em Pequim, mas na sede do Partido Comunista da China. Os burocratas conversam à meia-luz sobre as implicações da prisão. Um deles pergunta: “Há alguma chance de Estados Unidos ou Canadá recuarem?” Outro responde: “Nós achávamos que só Trump nos traria problemas. Agora nos demos conta de que o Departamento de Justiça, o Pentágono, o FBI, toda a infraestrutura dos Estados Unidos está contra nós. Só espero que o governo do Canadá não faça o mesmo.”
Eles observam que a extradição da filha do empresário para os Estados Unidos seria um desastre, porque “daria motivo para os demais países rejeitarem a Huaxing, enquanto os americanos expandem seu domínio no ciberespaço”. Em meio à guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, esse cenário implodiria os planos chineses de obter hegemonia até 2025.
“Deixamos os americanos em paz e pressionamos os canadenses”, decide o líder. “Escolhemos a fruta mais macia para espremer. Isso será um recado aos países médios: se nos enfrentarem, estarão acabados.”
Em tempos de enfrentamento de Trump, Bannon e Bolsonaro e companhia mundo afora à imprensa tradicional, a heroína do média-metragem é uma repórter de jornal do Canadá.
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