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    A jornalista turca Pelin Ünker (ao centro), conversou com José Roberto de Toledo, editor da piauí, e Aline Midlej, da GloboNews. FOTO: TUCA VIEIRA

festival piauí de jornalismo

Na Turquia de Erdogan, o desafio de ser mulher e jornalista

Processada por autoridades de seu país, repórter Pelin Ünker relata cenário de perseguições e retrocesso

| 06 out 2019_09h16
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Havia uma Turquia antes de Recep Tayyip Erdogan, e hoje há outra. Quinze anos depois de o ex-jogador de futebol ter subido ao poder – inicialmente como primeiro-ministro e depois como presidente, a partir de 2014 –, o país vive um processo crescente de aparelhamento das instituições. O poder é cada vez mais concentrado nas mãos do Executivo, e a perseguição à imprensa se tornou prática recorrente, principalmente por vias judiciais. Esse foi o cenário relatado pela repórter turca Pelin Ünker, que participou da mesa de encerramento do primeiro dia do Festival Piauí de Jornalismo, neste sábado (05), em São Paulo.

Freelancer do jornal Deutsche Welle na Turquia, Ünker é membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Na conversa, mediada por José Roberto de Toledo, editor-executivo do site da piauí, e Aline Midlej, âncora da Globonews, a repórter falou sobre o lento processo de esvaziamento da democracia na Turquia, e como isso tem se refletido no trabalho da imprensa. Segundo Ünker, hoje há 130 jornalistas presos na Turquia, e cerca de 13 mil processos correm contra integrantes da imprensa. 

“Nós fomos vítimas de um processo progressivo, uma evolução lenta, passo a passo”, afirmou. Ela destacou como um ponto central nessa mudança o plebiscito de 2017, quando a população turca aprovou uma alteração constitucional que ampliou os poderes de Erdogan. Os poderes institucionais da democracia, entre eles o sistema Judiciário, tornaram-se mais facilmente controláveis pelo Executivo. “Tudo virou um crime na Turquia. Não só falar de corrupção do governo. Por exemplo, dois jornalistas sofreram processo por terem dito que o dólar valorizou.” 


Ünker também já teve de enfrentar os tribunais em ações movidas por autoridades públicas. Em janeiro deste ano, ela teve a prisão decretada pela Justiça após ser acusada de caluniar e difamar o ex-primeiro-ministro turco, Binali Yıldırım – atual presidente da Assembleia Nacional da Turquia –, e seus dois filhos. Ela foi uma das repórteres que participou da investigação dos Paradise Papers, feita pelo ICIJ, que encontrou nomes da família de Yıldırım em documentos vazados de empresas offshore sediadas nas ilhas Bermudas, um paraíso fiscal do Caribe. Depois de ter pagado uma multa de mais mil euros, Ünker recorre em liberdade.

“Os processos que são abertos contra nossos colegas influem sobre a nossa moral. Às vezes as organizações para as quais trabalhamos pedem que sejamos mais prudentes”, contou Ünker, ressaltando que, por ser repórter de um veículo estrangeiro, ela tem mais liberdade e sofre menos restrições que seus colegas. “Somos solidários uns com os outros, e vamos às audiências dos amigos que estão sendo processados. Nós precisamos de apoio, advogados que possam nos defender. Temos que conservar a esperança.”


A jornalista turca falou também sobre a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. “Há uma grande disparidade de salários entre homens e mulheres na Turquia. As mulheres ganham muito menos, e não só nas redações de jornalismo”, afirmou Ünker. “Quando olhamos as notícias feitas por mulheres, elas são limitadas às amenidades do dia. O noticiário político é feito por homens”.

A jornalista se emocionou ao falar da família e do medo cotidiano, destacando que para ser jornalista é preciso ter coragem de enfrentar o poder. “Penso muito no meu filho e em que tipo de mãe ele gostaria de ter. Uma mãe corajosa? Ou uma mãe próxima do poder? É nisso que temos de pensar.”

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