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Não somos mais os reis da cocada preta. Mas somos os favoritos

Não sou afeito a endeusar treinadores, mas é preciso reconhecer que não dá para escrever sobrea atual seleção brasileira sem falar do Felipão. O problema é que ficou muito difícil falar do Felipão depois de duas matérias publicadas pela piauí: o artigo Obrigação e retrocesso, de Tostão (edição 77), e a reportagem Sem poesia, com afeto, do escritor Daniel Galera (edição 92). Vou tentar.

| 11 jun 2014_22h44
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Não sou afeito a endeusar treinadores, mas é preciso reconhecer que não dá para escrever sobrea atual seleção brasileira sem falar do Felipão. O problema é que ficou muito difícil falar do Felipão depois de duas matérias publicadas pela piauí: o artigo Obrigação e retrocesso, de Tostão (edição 77), e a reportagem Sem poesia, com afeto, do escritor Daniel Galera (edição 92). Vou tentar.

O texto de Tostão equipara a obrigação de vencer – alardeada desde o início por Scolari – ao raivoso slogan “ame-o ou deixe-o” da década de setenta. E enxerga no convite ao técnico um retrocesso tático. (Tostão elogia Mano Menezes, do que eu discordo. Mas se o Brasil tem grandes chances de ganhar a Copa, e para isso colaboram diversas razões, nenhuma delas se deve ao apuro tático de Felipão.) O jornalista PVC, da ESPN e Folha de S. Paulo, sustenta que os conceitos futebolísticos de Scolari evoluiram bastante de 2002 para cá, o que é bastante provável. Entretanto, seria patriotada comparar nosso técnico a alguns treinadores estrangeiros – Guardiola, Bielsa, Sampaoli –, que não param de buscar jeitos diferentes de seus times atuarem e parecem sempre dispostos a arriscar.

Hoje é mole babar regras, mas o fato é que, no momento em que Felipão foi convidado, o que a seleção brasileira mais precisava era de um cara feito ele. Mais até do que qualquer estudioso tático.

À matéria de Daniel Galera ouso fazer um ligeiro acréscimo. Ao contar o episódio em que Felipão, então dirigindo o Palmeiras, foi captado por microfones escondidos enquanto xingava o atacante corintiano Edílson, Galera poderia ter registrado que, dois anos depois, Edílson estava na seleção brasileira que levantou o penta. O técnico era Felipão.

Em Poema da Noite – Futebol, Carlos Drummond de Andrade acerta em cheio: futebol se joga na alma. E a seleção de Mano Menezes, que parecia fria e distante, sob o comando de Felipão ganhou alma e vibração, e mesmo não sendo uma reunião de inúmeros talentos – como era a de 70, por exemplo – chegou junto dos torcedores e os conquistou.

Devagar com o andor: como sabemos todos, Copa das Confederações é uma coisa, Copa do Mundo é outra. Mas, que fique bem claro: o que importou na Copa das Confederações não foi ter vencido; foi ter vencido jogando daquele jeito, sobretudo na partida final contra a Espanha.  

Ganha-se a Copa do Mundo com uma excelente seleção – Brasil de 70, Alemanha de 74, Espanha de 2010 –, mas também se pode ganhar com uma seleção pouco mais do que mediana – Brasil de 94, França de 98, Itália de 2006.

Levantamento publicado anteontem pelo UOL mostrou que, entre tantos outros ex-craques, Cruyff, Maradona e Zidane consideram o Brasil o grande favorito. Estamos falando, apenas e simplesmente, de Cruyff, Maradona e Zidane.

E quais seriam os motivos que fazem do Brasil – novamente com uma seleção pouco mais que mediana – o principal candidato ao título?

O primeiro é óbvio: jogar em casa. Esqueçam 1950. Maracanazo é bobagem. Perdemos porque perdemos, acontece. E deixemos de procurar explicações para um jogo que muitas vezes é inexplicável, e por isso tão apaixonante. A Copa do Mundo talvez seja a competição em que mais influência tem o fato de jogar em casa. Inglaterra e França só foram campeãs em casa. Uruguai, Itália, Alemanha e Argentina ganharam em casa. Suécia chegou à final, Chile e Coreia do Sul às semifinais. Impensável que isso acontecesse em outro país que não a Suécia, o Chile e a Coreia do Sul. Há todo o climão, a empolgação, a torcida, a imprensa, a publicidade, o hino à capela, a cobrança. Muitas vezes, também há arbitragens francamente favoráveis e até intrincadas manobras políticas – vide Argentina em 78. Jogar em casa aumenta automaticamente as chances do anfitrião, e se ele for um dos grandes vira favorito.

A segunda razão é que não existe time de futebol perfeito ou infalível. O melhor que eu vi jogar foi a seleção brasileira de 70 e, no entanto, Félix era um goleiro que não transmitia segurança e Everaldo um lateral de limitada capacidade ofensiva. Defeitos todos têm. O ataque argentino é fortíssimo, o meio-campo é fraco e lá atrás uma peneira. Os homens de frente da Espanha estão muito abaixo do restante do time. E por aí vai. Faço minhas restrições a Luiz Gustavo, que é limitado, embora tenha jogado uma barbaridade na Copa das Confederações. Fred é bom centroavante, mas não acho que todo time precisa de um – desculpem – homem de referência. Felipão acha que sim e ele é quem manda, só que isso nos fez desperdiçar a chance de treinar um modo de jogar sem esse cara. (Ano passado, chegamos ao ponto de nos preocupar com a contusão do Jô, de pensar no Alan Kardec e, pasmem, de cogitar o Hernane.) E ainda não consegui me convencer completamente com Oscar. Jogador muito inteligente e de rara consciência tática, não consigo enxergar nele o caráter decisivo que uma Copa do Mundo requer. Tomara que eu esteja enganado.

A Copa das Conderações promoveu as pazes entre seleção e torcida, mas pode ter trazido a enganosa sensação de que continuamos sendo os reis da cocada preta. Não somos mais. Ainda formamos jogadores talentosos, e é provável que isso nunca deixe de acontecer, mas estamos taticamente atrasados, demoramos a mudar nossos conceitos, jogamos de forma estática e quase sempre previsível. Assistir a uma partida da Champions League na quarta-feira à tarde e ver um jogo do Brasileirão na quinta à noite é quase como conhecer dois esportes diferentes. Mas não podemos esquecer que, com exceção do Fred, a seleção brasileira joga toda lá.

Bom. Aí está. Esse post encerra nossa longa série que tratou de todas as seleções participantes da Copa. Inadvertidamente, fiz previsões, arrisquei palpites e é óbvio que vou me estrepar. É do jogo, e essa é a graça. Na edição 92 da piauí, a seção Chegada tem um texto da jornalista Fernanda Godoy sobre a revista satírica espanhola El Jueves. A matéria termina com a editora da revista, Mayte Kílez, dizendo que é um milagre eles terem chegado até aqui e que ela não tem a menor ideia do futuro. Mayte encerra com essa frase: “Há tantos especialistas vaticinando e não acertam nada.” 

Se ela estivesse falando de futebol, não poderia ser mais precisa.

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