Fradim, o personagem cético e cínico criado por Henfil: a volta do Brasil ao mapa da fome pode ser explicada pela inflação dos alimentos, e o próprio agronegócio ajuda a encarecê-los CRÉDITO: HENFIL
O agronegócio é mesmo um sucesso?
Uma reportagem da piauí mostra os mitos em torno do assunto
Quando se fala do potencial econômico do Brasil, o agronegócio é apresentado como um caso inconteste de sucesso. O tema já ocupou um lugar importante na campanha eleitoral. Jair Bolsonaro faz reverência constante aos produtores rurais e participa de rodeios no interior de São Paulo. Lula, líder nas pesquisas, já fez críticas a uma parcela do agronegócio – “direitista”, “fascista”, que promove o desmatamento – e elogiou a produção orgânica do MST.
Nesta edição de setembro, a piauí entra no assunto com uma reportagem de autoria de Marcos Emílio Gomes, que mostra como o agronegócio é cercado de mitos. O setor se apresenta como se tivesse uma relevância econômica maior do que tem, paga pouquíssimos impostos, mais desemprega do que emprega, é um voraz sugador de recursos públicos e mais atrasado do que a propaganda diz.
* A participação do agronegócio no PIB brasileiro, propagada como sendo 27,4%, é um cálculo capcioso. Baseia-se em uma metodologia dos anos 1950, que incluiu toda a cadeia econômica envolvida com a produção no campo – do prego da cerca ao medicamento do cavalo. É como se a indústria automobilística colocasse na sua conta até mesmo a produção dos curtumes porque reveste de couro os bancos dos carros de luxo. Se limitarmos o agronegócio ao que efetivamente produz – ou seja, plantas e animais –, a sua participação real no PIB não chega a 7%, segundo cálculos do IBGE.
* Em outubro do ano passado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou um estudo que diz que os gastos federais com a agropecuária estão em seu menor patamar em quatro décadas. O estudo atribui o recuo histórico ao avanço do crédito privado. Seria uma excelente notícia, mas o estudo simplesmente não trata das renúncias fiscais nem do perdão de dívidas. Exclui, portanto, toda a conta dos gastos federais com o setor.
* O governo não cobra impostos de exportação sobre produtos agropecuários (para não encarecê-los e não reduzir sua competitividade no mercado internacional). Assim, nessa modalidade de tributo, a agricultura, a pecuária e os serviços relacionados, todos juntos, recolheram aos cofres públicos em 2019 a ridícula quantia de 16 mil reais. A Petrobras, sozinha, só no primeiro trimestre deste ano, recolheu quase 70 bilhões de reais.
* Além de recolher poucos tributos, o agro é um grande beneficiário de isenções do ICMS. Até 2016, a isenção representou para os estados uma perda da ordem de 269 bilhões de reais. O setor ainda conta com crédito favorecido para a compra de sementes e adubo e para a comercialização e estocagem do produto. A subvenção direta e a transferência de dívidas levam mais de 1% do PIB.
* A série de subsídios dados pelo Estado se fundamenta na ideia de que é preciso fixar a população no campo e incentivar a produção familiar. É uma estratégia que dá certo em países desenvolvidos a um custo até mais alto do que o brasileiro. Mas, aqui, os incentivos se transformam sobretudo em ganho líquido para o grande investidor, que não paga imposto de renda sobre as retiradas de lucros e dividendos que realiza em suas empresas, donas dos estabelecimentos agropecuários.
* Em setembro de 2019, os produtores ganharam mais vantagens: uma nova temporada do costumeiro festival de perdão de dívidas, com o governo oferecendo até 95% de desconto na liquidação de dívidas rurais. O que se repetiu em 2021, com abatimento semelhante nas dívidas contraídas no Banco do Brasil.
* A despeito da recente crise hídrica, manteve-se inalterado o programa que dá descontos na energia elétrica para a atividade agropecuária até 2023. Na conta oficial, a produção de alimentos consome menos de 5% da energia gasta no país. Mas um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de 2016, apresenta percentual seis vezes maior.
* As entidades controladas pelos maiores produtores, fabricantes e comerciantes de insumos e pelas exportadoras de commodities formam uma elite poderosa, distante de grande parte dos agricultores e pecuaristas, em geral empobrecidos. A riqueza do agro também não se espalha: é um aspirador de recursos que se concentra em alguns bolsões de prosperidade.
* Na agricultura, a maior parte dos produtos não tem beneficiamento e, portanto, não agrega valor: 83% do faturamento com exportações de soja correspondem à venda de grãos. É um quadro que depõe contra um setor que gosta de se apresentar como avançado e moderno. Os países importadores comemoram a escassa modernização do agronegócio no Brasil, pois, assim, eles permanecem como os criadores de oportunidades de trabalho.
* Com a mecanização das lavouras e os processos tecnológicos na pecuária, cai a quantidade de mão de obra empregada. Mais de 185 mil pessoas perderam o emprego em 2019. Desde 2012, o agronegócio desempregou perto de 1,4 milhão de pessoas, segundo o IBGE.
* Em paralelo com a riqueza subsidiada e concentracionária do agro, germinou no país um sistema de suporte parlamentar que termina por desequilibrar a discussão democrática sobre os objetivos dessa atividade, o uso social da terra, a preservação natural, a manutenção de reservas indígenas e a contribuição financeira que ela deve ao país. Os senadores e deputados da chamada “bancada ruralista” do Congresso nem sempre estão disponíveis para a tarefa para a qual foram eleitos: a administração pública. “O negócio deles é atender mesmo ao setor produtivo”, como notou um prefeito do Norte de Mato Grosso, região que a piauí visitou, a fim de observar in loco como o agronegócio proliferou mitos sobre si mesmo.
A íntegra da reportagem está disponível para assinantes aqui.
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