O avanço na tributação, as dúvidas em Gaza e as vítimas do metanol
Semanalmente, os apresentadores mencionam as principais leituras que fundamentaram suas análises. Confira:
Conteúdos citados neste episódio:
“70% das emendas ao projeto do IR vão contra carga tributária mais justa, diz entidade“, matéria de Márcia Magalhães, para a Folha.
“Quem deveria governar Gaza” artigo de Guga Chacra, para O Globo.
“A onda de intoxicações por metanol“, episódio do podcast O Assunto.
Momento Cabeção
No “Momento Cabeção”, quadro em que os apresentadores indicam livros, filmes, podcasts e documentários aos ouvintes, eles sugeriram os seguintes conteúdos:
Celso: “Antes do início”, livro de Ernesto Mané.
Ana Clara: “O caso Moro”, livro de Leonardo Sciascia.
Fernando: Pssica, livro de Edir Augusto.
TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO:
Sonora: Rádio Piauí.
Fernando de Barros e Silva: Olá, sejam muito bem vindos ao Foro de Teresina, o podcast de política da Revista piauí.
Sonora: Cerca de 16 milhões de brasileiros e brasileiras deixarão de pagar o imposto de renda ou terão uma redução significativa.
Fernando de Barros e Silva: Eu, Fernando de Barros e Silva, da minha casa em São Paulo, tenho a alegria de conversar com os meus amigos Ana Clara Costa e Celso Rocha de Barros, no Estúdio Rastro, no Rio de Janeiro. Olá Ana, bem-vinda!
Ana Clara Costa: Oi, Fernando! Oi, pessoal!
Sonora: We’reunder invasion from within. No different than a foreign enemy, but more difficult in many ways because they don’t wear uniforms.
Fernando de Barros e Silva: Diga lá, Celso Casca de Bala.
Celso Rocha de Barros: Fala aí, Fernando! Estamos aí mais uma sexta-feira.
Sonora: De fato, nós estamos numa situação que é anormal, é diferente de tudo que a gente tem na nossa série histórica em relação à intoxicação por metanol no nosso país.
Fernando de Barros e Silva: Mais uma sexta-feira e antes da gente anunciar os assuntos da semana, eu quero fazer um convite para vocês. No dia 18 de outubro, que é um sábado, no Rio de Janeiro, a gente vai ter uma edição do Foro de Teresina ao vivo. Vai ser na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, às 18h, seis da tarde. Os ingressos estão à venda e vocês têm todas as informações no site da piauí: revistapiauí.com.br. Já posso avisar que assinante da Piauí tem desconto. A gente espera vocês por lá. Vai ser bem bacana. Dia 18, 18h. É isso, Ana. É isso, Celso. Vocês também estão convidados!
Ana Clara Costa: Vou pensar aqui. Vou ver se a minha agenda permite.
Fernando de Barros e Silva: Tá certo. Agora sim, vamos, sem mais delongas aos assuntos da semana. A gente abre o programa com a aprovação do projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até 5 mil reais por mês. Aprovado por unanimidade pela Câmara, todos os 493 deputados presentes votaram a favor. O texto também prevê a redução progressiva do IR para quem ganha entre 5 mil e 7.350 reais. Hoje, só é isento quem recebe o equivalente a dois salários mínimos, pouco mais de 3 mil por mês. Calcula-se que a desoneração da base da pirâmide de renda do país deve beneficiar em torno de 16 milhões de contribuintes. Para compensar o dinheiro que deixará de ser arrecadado, a Câmara aprovou, depois de muitas resistências, a criação de um imposto mínimo a ser cobrado progressivamente de quem ganha a partir de 50 mil reais por mês. É um universo de mais ou menos 140 mil pessoas. O relator do projeto na Câmara, Arthur Lira, acolheu apenas três de 99 emendas apresentadas por deputados e manteve intacto o cerne da proposta do governo de combater a desigualdade social, corrigindo a injustiça do sistema tributário. Para entrar em vigor já em 2026, a proposta agora precisa ser aprovada pelo Senado e depois sancionada por Lula antes do final do ano. A gente vai entender melhor o mérito do projeto e comentar a costura política que permitiu esse resultado, de certa forma, surpreendente. No segundo bloco, vamos tratar do plano de Donald Trump para encerrar a guerra em Gaza, que na verdade não é uma guerra, mas um genocídio, como a própria ONU caracterizou em documento oficial. O plano tem 20 pontos e foi anunciado na segunda-feira na presença de Benjamin Netanyahu. “Se o Hamas rejeitar seu plano, senhor presidente, ou se supostamente aceitá-lo e depois basicamente fizer de tudo para contrariá-lo, então Israel concluirá o trabalho por conta própria”, disse o primeiro ministro de Israel. Há razões de sobra para ser cético em relação a eficácia desse plano. E a gente vai discutir isso. Vai discutir também o encontro de Trump com a cúpula militar dos Estados Unidos na terça-feira, um encontro bastante incomum, no qual o presidente disparou contra a cultura woke, defendeu a demissão de comandantes por critérios ideológicos e chegou a dizer que cidades americanas deveriam servir de campos de treinamento para as Forças Armadas. Trump não disfarça que pretende desvirtuar uma instituição de Estado para alinhá-la a seu projeto de poder. No dia seguinte a esse encontro, ele exibiu na Casa Branca um boné com os dizeres “Trump 2028”. A Constituição americana proíbe o terceiro mandato de um mesmo presidente, não importando se os dois mandatos anteriores tenham sido ou não contínuos. Por fim, no terceiro bloco, a gente vai falar deste horripilante caso das intoxicações por metanol. Em São Paulo já são pelo menos 6 mortes relacionadas a ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas, além de dezenas de casos suspeitos. Até esta quinta, quando gravamos, foram registradas três mortes. O pânico causado na população já levou bares a fecharem temporariamente e clubes a suspenderem a venda de destilados. O governo paulista instalou um gabinete de crise para cuidar do assunto e o Ministério da Justiça, por sua vez, mandou a Polícia Federal abrir um inquérito. A PF trabalha com a hipótese de que o Metanol seja o mesmo importado ilegalmente pelo PCC para adulterar combustíveis, alvo da recente operação Carbono Oculto. O governo de São Paulo nega qualquer evidência de envolvimento da facção e atribui o envenenamento a destilarias clandestinas sem relação entre si. Independentemente de quem esteja certo, o que importa, obviamente, é descobrir onde estão os criminosos e estancar essa onda de mortes e terror. É isso. Vem com a gente.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Celso, vamos começar com você e acho que a gente pode começar discutindo ou analisando um pouco o mérito do que foi aprovado pela Câmara nessa semana.
Celso Rocha de Barros: Então, Fernando, a aprovação da reforma do Imposto de Renda na Câmara é uma ótima notícia e contrasta muito com o que foi a agenda do Congresso nas últimas semanas. Os ouvintes que nos acompanharam aí viram que foi um pesadelo. Tragédia em cima de tragédia. Basicamente, aquela agenda do casamento, da PEC da Blindagem com a anistia aos golpistas. Ao contrário da blindagem, a reforma do imposto de renda coloca dinheiro no bolso dos brasileiros, dos trabalhadores e não desses picaretas aí do centrão. E, ao contrário da anistia, a reforma do imposto de renda é um sinal de democracia funcionando. Você vê, o Congresso tem uma maioria de direita gigantesca, mas ele aprovou por unanimidade uma proposta da esquerda, porque ela era popular, atendia ao interesse de milhões de brasileiros. Então os caras não foram besta de se meter contra isso. Então é um contraste muito forte mesmo o que a câmera fez essa semana e o que ela vinha fazendo. É um contraste bastante bem-vindo, porque o que a câmera vinha fazendo era terrível. E, isso sim é unir a nação em torno de uma proposta. E ninguém precisou nem ressuscitar o Temer, nem ressuscitar o Aécio para fazer essa união nacional aí que resultou na unanimidade para passar a reforma do Imposto de renda. Foi uma grande vitória para o governo. Foi uma medida muito boa do país e uma vitória também do Haddad, que vai deixar um legado importante na reforma dos impostos brasileiros, tanto pela reforma tributária em 2023, como pela reforma do Imposto de Renda, que foi aprovado essa semana. Naturalmente, é uma dívida histórica do PT, que já teve vários mandatos presidenciais e era ridículo que um dos maiores partidos de esquerda do mundo já tenha governado o país tantas vezes e não tivesse até hoje cobrado imposto de rico. Resumindo o que passou na Câmara: quem ganha até 5 mil reais por mês está isento de pagar imposto de renda. Quem ganha até 7.350 vai pagar menos do que paga hoje. Quanto menos? Depende se você está mais perto dos 5 mil ou dos 7.350.
Fernando de Barros e Silva: Quanto mais você ganhar, mais você paga.
Celso Rocha de Barros: E aqui é um negócio interessante, de um caso raro, em que a proposta do governo ficou melhor no Congresso, porque a proposta do governo botava o limite da isenção nos 7 mil. E na conta do Arthur Lira, certamente feito para aqueles consultores lá da Câmara que são profissionais altamente qualificados, verificou que se você cobrasse o que o governo quer cobrar de imposto sobre rico, dava para isentar um pouco mais. Então eles aumentaram a isenção para 7.350. Então, mais um exemplo de como a democracia funcionou. As instituições funcionaram. Nesse caso.
Fernando de Barros e Silva: É um caso raro em que o Arthur Lira estava a favor do interesse da coletividade.
Fernando de Barros e Silva: É um contraste completo com as últimas semanas.
Fernando de Barros e Silva: E a Ana Clara vai explicar porque se deu também para a gente não achar que a gente está vivendo aqui numa espécie…
Celso Rocha de Barros: De repente as coisas ficaram legais.
Ana Clara Costa: Talvez eu esteja na posição aqui de acabar com o sonho de vocês.
Celso Rocha de Barros: Ninguém tá sonhando muito isso não…. Mas enfim. Bom, a Receita Federal fez umas simulações que foram publicadas pelo G1. Uma professora cujo salário mensal seja de 4.867,77 reais, atualmente paga 305 reais mais ou menos de imposto de renda e passará a pagar 0. Da para ela uma economia de 3.970 reais por ano. Ou seja, é um pouquinho menos do que seria um salário a mais por ano, é uma contribuição bastante significativa. Um profissional autônomo que recebe 5.450 reais por mês paga hoje 447 por mês de imposto de renda e passará a pagar só 180 reais por mês, gerando uma economia de mais de 3.200 reais por ano. Então, para todo esse pessoal que vai ser atendido pela proposta, vai ser uma melhora razoável do nível de vida. Por outro lado, a turma que ganha mais de 50 mil reais por mês, 600 mil reais por ano pode ter que pagar mais imposto. Porque que eu digo “pode”? Porque o projeto estabeleceu uma alíquota mínima de 10%. Então, se o cara estiver pagando menos que 10% de alíquota efetiva de imposto de renda, ele vai ter que pagar 10%. Se já tiver pagando mais que 10%, ele segue a vida. E vamos lembrar a vergonha que é a atual situação, né cara? Porque 10% é mais ou menos a mesma alíquota efetiva paga por uma professora ou por um policial militar. A grande proposta do governo, que o bolsonarismo estava chamando de comunismo, é basicamente fazer com que os milionários paguem a mesma alíquota de imposto de renda das professoras de escola e dos policiais militares. É uma proposta bastante moderada e já foi muito difícil de fazer. E cá entre nós, a alíquota claramente devia ser maior do que a de uma professor…
Fernando de Barros e Silva: Claro.
Celso Rocha de Barros: E de um policial militar. Até para que a gente talvez pudesse reduzir a alíquota da professora e do policial militar. Mas essa é uma briga para daqui em diante. Até agora não tinha nada. O trâmite dessa medida mostrou como é difícil mexer nos interesses do andar de cima, né? Afinal, durante toda a semana o que mais teve foi picareta tentando melar a proposta do Haddad, sempre na direção de favorecer os ricos. Uma matéria da Márcia Magalhães, na Folha, de 30 de setembro, mostrou os resultados de um estudo feito pelo Instituto Mais Progresso, que mostrou que 70% das propostas de emendas ao projeto do Arthur Lira tornavam a proposta mais regressiva, ou seja, aliviavam para os ricos. Só cinco emendas foram classificadas como neutras, três como neutras com ressalvas, sete como estranhas à matéria — o que eu achei sensacional. E apenas uma das emendas apresentadas em todo esse debate, foi avaliada como positiva do ponto de vista da redistribuição de renda, que foi a emenda da deputada Tábata Amaral, do Partido Socialista Brasileiro de São Paulo, que propôs elevar para 20% o imposto mínimo sobre rendas superiores a 1,8 milhão ao ano. Essa proposta era excelente, mas enfim, já foi difícil conseguir passar para….
Fernando de Barros e Silva: 1,8 milhão é quem ganha 150 mil por mês.
Celso Rocha de Barros: Pois é.
Fernando de Barros e Silva: Não é isso?
Celso Rocha de Barros: Exato. Mas já foi um sacrifício conseguir fazer esses caras pagarem 10. Felizmente, o Arthur Lira não acolheu quase nenhuma dessas propostas de emenda picareta no relatório, o que surpreendeu muita gente, inclusive a mim. Algumas mudanças que ele acolheu foram compensações a estados e municípios que podem perder dinheiro com a mudança, que são também mais ou menos razoáveis e são, segundo as avaliações, neutras do ponto de vista redistributivo. O ponto a ser notado aqui também, porque eu sempre falo disso, continuaram fora do Imposto de Renda, uma série de aplicações financeiras, como a Letra de Crédito do Agronegócio, que eu boto meu dinheiro e a Letra de Crédito para a Imobiliária e mais um monte de coisa de agronegócio e tal. Eu acho isso uma vergonha, mas o governo não conseguiu emplacar isso, pelo menos nesse momento. E teve uma articulação interessante, que foi o pessoal do Senado vinha sinalizando para o pessoal da Câmara que se enfiassem muita distorção no projeto do Arthur Lira, o Senado derrubaria. O Renan Calheiros deu depoimento nessa direção. Senadores do MDB e do PSDB do Kassab também já vinham dizendo mais ou menos isso, que se a Câmara esculhambasse com o projeto e ele chegasse com muita distorções para o rico, o Senado ia mexer. Então, isso provavelmente deve ter contribuído para que a Câmara falasse: “não adianta também a gente enfiar isso aqui se depois não for, não for passar”. E na votação, a extrema-direita ficou bastante isolada. O PL do Bolsonaro tentou implodir o projeto, aumentando a isenção para 10 mil e melando a compensação com o imposto sobre rico. Então, aí o que eles vão tentar dizer para o eleitorado é: “não, a gente queria dar uma isenção maior ainda”, mas é mentira que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, quando você apresenta um negócio desse, você tem que apresentar de onde você vai tirar o dinheiro para fazer. Então, por exemplo, o Haddad apresentou esse projeto e falou: “eu vou pagar isso aqui com esse aumento de imposto sobre os ricos”. O PL tá não só aumentando a isenção como melando a compensação. Então esse projeto seria ilegal. Não daria para passar isso, mesmo se você quisesse, entendeu? Esses 10 mil, eles botaram aí só para evitar que o imposto sobre os ricos fosse cobrado.
Fernando de Barros e Silva: Exato.
Celso Rocha de Barros: Então, assim, é uma picaretagem miserável. A proposta, se eles conseguissem passar os 10 mil sem compensação, se o pessoal ignorasse a Lei de Responsabilidade Fiscal completamente e o Tarcísio ganhasse a eleição ano que vem, ele já ia pegar o governo quebrado, entendeu? O PL teria quebrado o governo federal e entregue para ele, quebrado. Então não caia nessa conversa fiada aí. E agora eu queria só terminar fazendo aqui uma homenagem para uma série de pesquisadores como o Marcelo Medeiros e o Pedro Ferreira, do Sérgio Gobetti e mais um monte de gente, muita gente do Ipea, que, enfim, é um patrimônio brasileiro, que nos últimos dez ou quinze anos deram um grande salto na qualidade de pesquisa sobre desigualdade no Brasil. Assim, o trabalho deles ajudou a convencer muita gente no meio dos economistas, entre liberais etc. Da necessidade de reforma, da tributação de renda. Essa reforma é também crédito para esses caras que nos ajudaram a inclusive, ter os números do quão bizarra é a desigualdade brasileira, em especial a desigualdade tributária.
Fernando de Barros e Silva: Ana Clara, agora eu quero que você acabe com os meus sonhos.
Celso Rocha de Barros: O mundo é um moinho.
Ana Clara Costa: Pois é. Antes de acabar com o sonho de vocês, só para complementar uma informação que o Celso deu: o PL do Bolsonaro, defensor dos direitos humanos dos golpistas hoje, eles apresentaram a maior parte das emendas. Foram 99 emendas e grande parte delas era para reduzir a tributação de setores extremamente ricos, como agronegócio e tal. Ou seja, como é que você concilia um discurso…
Celso Rocha de Barros: De responsabilidade fiscal.
Ana Clara Costa: De liberalismo, de queremos tirar o PT porque queremos assumir os gastos, que é justamente o partido que está dando mais benefícios para esses setores, né? Querendo, querendo na verdade, tirar o benefício da tributação menor ou da isenção para quem ganha pouco. E na verdade, o que eles quiseram também era tirar a taxação adicional para quem ganha a partir de 50 mil, né?
Celso Rocha de Barros: Isso.
Ana Clara Costa: Foi essa emenda do PL que você falou. Então, fica o questionamento como é que você concilia os discursos, né?
Celso Rocha de Barros: Palhaçada.
Ana Clara Costa: E uma outra coisa que eu queria dizer ainda sobre isso: tem uma medida provisória que está tramitando no congresso que é sobre as bets, a tributação das bets, né? E nessa medida provisória, além dessa questão deles não terem conseguido tributar as LCA, etc. na reforma do imposto de renda, eles vão isentar as debêntures, o CRA, que é o Certificado de Recebíveis do Agronegócio e o CRI, que é o Certificado de Recebíveis Imobiliários, num acordo feito do governo com o Congresso para conseguir passar essa MP que aumenta a tributação sobre as bets. Então assim, o mercado financeiro, além de ter se dado bem no que foi aprovado na quarta-feira no Congresso, também se deu bem nessa MP. E lembrando uma reflexão que é: a maior parte do patrimônio de quem é rico, é ganho de capital. Então, assim, no fim, a gente está feliz pelo que aconteceu, porque traz um pouco mais de justiça tributária, né? Mas assim não dá para….
Celso Rocha de Barros: É um começo, né?
Ana Clara Costa: É uma discussão longa.
Fernando de Barros e Silva: É, mas olha, diante da correlação de forças do país hoje, é algo a ser comemorado de fato. Pode ser pequeno, etc. mas alguma melhora, no ambiente de hoje, já é. Deixa eu ficar com um pouquinho dos meus sonhos, Ana Clara.
Celso Rocha de Barros: Ela ainda nem começou.
Ana Clara Costa: Eu ainda nem comecei. Eu queria ficar nesse ponto da unanimidade, da votação unânime. Por que qual que é a questão, né? Primeiro, o acordo com o Hugo Motta era que ele pautasse a PEC da blindagem e anistia para poder pautar o Imposto de renda. Essa chantagem que o centrão e o PL fizeram com ele e ele capitulou. E enfim, deu errado porque eles não conseguiram apoio do Senado para aprovar a PEC da Blindagem, a anistia foi, enfim, as manifestações, tudo aconteceu, tudo deu errado. E aí, qual foi o cálculo que o centrão e o PL fizeram em relação ao Imposto de Renda? E aí eu não estou falando de pensar na população, tá? Eu tô falando de cálculo político mesmo. Eles pensaram o seguinte: “bom, o Lula, ele já tem a vitória política disso, porque se a gente votar contra essa isenção, a vitória dele vai ser — ‘vocês estão vendo, população, que eu quero isentar vocês e o Congresso é que não tá deixando? Então a culpa não é minha. Eu fiz de tudo. Olha o que eu fiz e não deu certo’ —. E aí você tem uma vitória política do Lula, porque ele vai ganhar no discurso, né? Ele vai poder dizer que ele quis e o Congresso não deixou. E você tem o Congresso com um desgaste imenso de levar isso para conta, de ter sido ele o que impediu que isso acontecesse. Então o cálculo deles foi: “o Lula, ele já tem a vitória política. Então, o que a gente pode fazer é uma estratégia de redução de danos” — foram essas palavras que eu ouvi hoje. “Entre ele ter uma grande vitória e uma vitória grandiosa, que é ganhar no discurso político e ainda nos desgastar, vamos deixar que ele tenha apenas uma grande vitória”. Nisso entra: vamos votar a favor porque também tem a eleição ano que vem e essas emendas todas que foram apresentadas e que o Arthur Lira achou melhor não contemplá-las também entra nessa conta, entendeu? Porque se você aprova um pacote totalmente desidratado, também entra na conta do centrão, entra na conta do Congresso que o Congresso está defendendo rico.
Fernando de Barros e Silva: Eles viraram sócios da iniciativa do governo do jeito que eles fizeram. Estão tentando vender, cada um na hora da campanha, vai mostrar ali que votou tal que.
Celso Rocha de Barros: Faz parte também, né?
Fernando de Barros e Silva: Exato. Pegaram carona e ainda mais depois dos desgastes das últimas semanas, eles não tinham muito para onde correr, né? Agora me surpreendeu, de qualquer forma, o desempenho do Arthur Lira e como ele conseguiu realmente resolver o negócio. A distância entre ele e Hugo Motta mais uma vez ficou patente nesse caso.
Ana Clara Costa: É que tem uma questão que é tudo isso acontecendo pós-manifestações. Assim, o Congresso veio de um desgaste muito grande. Então assim, é claro que ele tem o mérito de ser um líder, digamos, um pouco mais incisivo nas vontades dele. Mas o contexto para o Congresso está muito desfavorável também. E no fim, cada um está pensando só em si, né?
Fernando de Barros e Silva: Sim, e você explicou na semana passada, né, Ana? O interesse específico do Arthur Lira pela vaga no Senado na eleição do ano que vem para que ele tenha a pista da direita desimpedida em Alagoas, né? E o governo está ajudando ele a ser o candidato da direita sem que ele corra risco de não ser eleito, porque a outra vaga vai estar na família Calheiros.
Ana Clara Costa: Exato. Tem algumas análises que estão sendo feitas agora dizendo que esse pulso firme do Arthur Lira nessa semana foi ele pagando a dívida com o governo justamente por essa ajuda. Eu sou muito cética em relação a isso. Ele é conhecido por cumprir acordos, o Arthur Lira, né? O problema é que ele ficou sem cumprir acordos, esse acordo específico, por sete meses e ele só resolveu cumprir esse acordo agora. Então assim, ele tava colocando isso em banho maria, aceitando todas essas emendas, discutindo com vários setores, etc. Até agora dando a impressão de que esse texto iria ser pautado, super desidratado e aí de repente ele desiste de tudo e está pagando a dívida com o governo. Acho que ele também fez esse cálculo de que o desgaste deles ia ser muito grande se eles contemplassem todo mundo. O Congresso em si está num viés desfavorável, não está num viés de alta nesse momento. É claro que ele queria fazer uma sinalização positiva para o governo, pelo menos uma nesse ano inteiro. Mas também ele não tinha muito por onde ir. Porque indo pelo sentido contrário de pautar um projeto de mentira ia prejudicar a própria situação dele, né?
Fernando de Barros e Silva: Ela destruiu os meus sonhos, ma non troppo.
Celso Rocha de Barros: Até que sobrou um sonhozinho
Fernando de Barros e Silva: Sobrou.
Celso Rocha de Barros: Pelo menos o sonhozinho que os caras vão ser racionalmente oportunistas e não fanáticos malucos que, enfim.
Ana Clara Costa: Eu acho que sobra dessa situação é que essas pautas do centrão e do PL que pareciam tão fortes, a gente fala disso quase todos os programas, a gente vê o negócio ganhando corpo. Então, uma vez que isso se desmonta, dá uma certa esperança de que o Congresso vai se se disciplinar em algum momento, mesmo que obrigado, mesmo que em troca de voto, né?
Fernando de Barros e Silva: Lembrei aqui agora de uma piada muito infame da minha juventude: o que o português da padaria disse para o John Lennon, Ana Clara?
Ana Clara Costa: Não sei.
Fernando de Barros e Silva: Jhon, o sonho acabou, só temos pão doce. Só temos pão doce. A gente encerra assim o primeiro bloco. Fazemos um rápido intervalo e na volta vamos tratar do plano de Trump para Gaza. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Celso, vamos com você. Acho que podemos começar falando do plano do Trump para Gaza.
Celso Rocha de Barros: Então, Fernando, se for para a gente pensar assim, em termos ideais ou em termos de reparação das injustiças históricas sofridas pelos palestinos, bom, aí todos os planos atualmente de negociação são muito insuficientes. Agora, se você pensar na situação de inferno que Netanyahu está impondo aos habitantes de Gaza, o plano de Trump pode ser um passo na direção certa ou pelo menos uma freada do desastre absoluto. Até porque, para quem já vinha acompanhando a discussão, o Trump parece ter tirado muita coisa de propostas que os países árabes aliados dos Estados Unidos vinham fazendo. E o plano é muito diferente daquele plano inicial do Trump, que era uma insanidade completa, que era de limpeza étnica absoluta. Ele ia fazer resort de praia lá, aquelas coisas todas. Aquilo ali, os países árabes viraram para ele e falaram assim: “Cara, nem sonha”. Nenhum governante árabe pode ser visto sendo aliado dos Estados Unidos, se os Estados Unidos anexaram em Gaza, como o Trump pretendia fazer. A proposta nova é um negócio, enfim, dentro do possível. Para começar, Israel não teria o direito de anexar a Gaza. Então, aquele plano da extremíssima direita — que tem a extrema-direita, que é o Netanyahu — e tem os caras completamente que queriam de fato a anexar Gaza, expulsar todos os palestinos e pegar aquilo para Israel e pronto.
Fernando de Barros e Silva: E a Cisjordânia também.
Celso Rocha de Barros: Exato. Isso está barrado na proposta do Trump. O Hamas teria que se render totalmente. O que… Enfim. Cara, isso é inevitável. Isso vai acontecer de qualquer jeito. Teria que se desmilitarizar, teria que entregar suas armas como as FARC colombianas fizeram, por exemplo. Agora, quem entregasse suas armas receberia anistia e direito de livre passagem para outro país. Então, se você é um cara lá do Hamas dizendo eu não posso fazer tratado de paz, porque assim que acabar isso aqui, você, o Mossad, vai me matar. O acordo Trump diz: “não, se você entregar suas armas, for fazer outra coisa de sua vida, você está anistiado”.
Fernando de Barros e Silva: O que não quer dizer que o Mossad não vá te matar.
Celso Rocha de Barros: Pois é. Vamos ver se os caras vão acreditar nisso. Se Israel vai respeitar, etc. Essa proposta de desmobilização do Hamas é, inclusive, um desejo dos países árabes, que consideram o Hamas, basicamente, um agente do Irã. A grande rivalidade geopolítica da região atualmente entre a Arábia Saudita e o Irã e o Hamas era visto como um grupo praticamente comandado de Teerã. Então, para a Arábia Saudita e para seus aliados ali, tirar o Hamas da história é uma vitória também. Aí começa um dos aspectos do plano, que pode ser razoável, mas a gente vai ter que esperar para ver. Primeiro, tem uma coisa que me chamou a atenção tem várias dimensões no plano a Nova Gaza, com maiúsculas. Mas agora vai ser uma outra coisa. Bom, isso.
Ana Clara Costa: Resort, né.
Celso Rocha de Barros: Isso em parte é inevitável, porque basicamente Gaza foi destruída, Gaza acabou. Os caras destruíram Gaza completamente. Mas aí começa: a construção dessa nova Gaza, seria conduzida por um comitê que contaria com especialistas que ajudaram a criar algumas das grandes e vibrantes cidades do Oriente Médio. Envolveria análises de propostas de desenvolvimento de grupos internacionais e tentaria sintetizar mais ou menos as preocupações com segurança, com as preocupações com o desenvolvimento econômico, para tornar Gaza economicamente viável. A primeira coisa a dizer qualquer plano de paz tem que ter uma alternativa para reconstrução econômica de Gaza mesmo, porque Gaza não tem mais economia. As empresas viraram ruínas, o comércio virou ruínas.
Ana Clara Costa: Eles devem imaginar o que que vai aparecer, sei lá, um MoMA lá, um museu de arte moderna com obra do Jean Nouvel.
Celso Rocha de Barros: Minha impressão é que a ideia é pegar aquelas empreiteiras, todos aqueles grupos todos ligados à Arábia Saudita.
Ana Clara Costa: Fazer um Four Seasons.
Celso Rocha de Barros: Não, sair fazendo obra, fazendo grande obra. Eu imagino que essa reconstrução vai ser uma quantia de dinheiro desviado, que vai ser uma insanidade, né cara? Vai fazer a Odebrecht parecer o Papa Francisco. Mas assim, se você me chegasse no meio do genocídio de Ruanda e me dissesse assim: “você topa parar isso aí e uns cara ladrão, ganha dinheiro?”. Eu topo. Então acho que é um pouco essa ideia. Também é uma menção, uma zona econômica especial, com regime tarifário específico para ser negociado entre os países participantes. Não ficou muito claro para mim quem são os países participantes. Não sei se é os Estados Unidos que vai ter um regime tarifário benéfico, se são os outros países árabes, enfim, já está claro que tem um certo consórcio aí dos Estados Unidos com esses outros países árabes para tentar tocar essa reconstrução de Gaza. Novamente, para emitir uma opinião sobre isso, tem que ver muitos detalhes disso. Aí começa um ponto de contato com a proposta dos países árabes. O Hamas seria obviamente expulso do poder e não teria direito a nenhuma participação no novo governo de Gaza. Gaza primeiro seria administrada por um comitê de tecnocratas palestinos. Isso já vinha sendo cogitado, mas na versão dos países árabes, isso seria uma transição até que o controle de Gaza fosse assumido pela Autoridade Palestina e fizesse parte de um Estado palestino independente. O horizonte final dessa proposta do Trump é esse. Só que aqui parece que tem mais etapas. Então, por exemplo, esse comitê de especialistas, não são só esses tecnocratas palestinos. Na chefia do comitê estaria o próprio Trump e inclusive o Tony Blair, de quem eu já vou falar rapidinho. Então teria uma etapa de administração por esses caras. Enquanto isso, tem uma menção de uma reconstrução da Autoridade Palestina que não está muito bem especificada como vai ser. E aí, no final, quando tudo isso já tivesse sido feito, aí você tem a fusão para formar um Estado palestino independente. Então, comparando com as propostas dos árabes que vinham sendo feitos, não descarta a fundação do Estado palestino, mas dá uma atrasada aqui no negócio. Impõe mais condições. O Guga Chacra escreveu um artigo muito bom no Globo chamado ‘Quem deveria governar Gaza’, que ele diz o óbvio que o representante reconhecido internacionalmente do povo palestino é a Autoridade Nacional Palestina. Então quem tem que governar a Gaza é a Autoridade Nacional Palestina, com o apoio dos outros países árabes, etc, que vão precisar, enfim, arrumar uma polícia para eles. Enfim, não tem mais nada dessa infraestrutura em Gaza, certo? O Chacra sugere que o ideal seria deixar a Autoridade Palestina sob o comando do premier palestino Mohammed Mustafa, e não do Mahmoud Abbas, que é o atual presidente e contra quem há várias acusações de incompetência, etc. Eu sinceramente não sei. Mas eu concordo inteiramente com o Guga Chacra que o governante legítimo de Gaza é a Autoridade Nacional Palestina.
Ana Clara Costa: O problema é que o Hamas só floresceu diante da inabilidade da Autoridade Palestina de governar aquela região. Então, assim, a gente dizer que a Autoridade Palestina vai governar Gaza. Assim… Parece…
Celso Rocha de Barros: Parece que vai ser aí uma construção.
Ana Clara Costa: O grande problema surgiu dali.
Fernando de Barros e Silva: Claramente, percebe-se a diferença entre fazer um resort, como era aquela ideia pornográfica do Trump e isso. Mas a gente talvez não esteja tão longe.
Celso Rocha de Barros: Então depende de um monte de detalhe.
Fernando de Barros e Silva: Depende um monte de detalhe. Eu sou muito cético. Depois de você acabar com Gaza e você oferecer esse tipo de acordo que exclui a população palestina, exclui todo mundo.
Celso Rocha de Barros: Tem milhões de motivos para ser cético, mas é um negócio: é melhor do que o que está acontecendo, certo? Enfim, qualquer plano que fale ‘para de bombardear o hospital’ já melhorou, né?
Fernando de Barros e Silva: E sendo realista, é quase impossível pensar que não vai ressurgir um grupo armado mais radical, etc. A gente não sabe nem como, nem quando, mas depois do que foi feito, é impossível, na minha opinião, que uma reação radical armada não vá surgir no horizonte.
Celso Rocha de Barros: É inteiramente possível. Eu só queria terminar falando do Tony Blair. O Tony Blair, naturalmente, é um cara que destruiu a carreira dele, apoiando a guerra do Iraque e mandando tropas inglesas para ganhar do Iraque. Foi uma catástrofe humanitária bizarra. Não produziu nenhum dos efeitos que os invasores prometiam. O Iraque não virou uma democracia vibrante, muito pelo contrário, deu origem ao Estado Islâmico. Mas ele antes disso, ele tinha um currículo bom para esse tipo de coisa, que era o acordo de paz da Irlanda, da Irlanda do Norte, que também dava a impressão de ser completamente insolúvel e foi resolvido. Não estou aqui para dizer que o Tony Blair vai ser um bom gestor. Ele não tinha nada que está fazendo aí, como bem disse Guga Chacra. Mas eu devo dizer que se o outro cara é o Trump, eu acho que podia ser pior. Enfim, esperamos todos que esse comitê aí dele dure pouco, que a transição para a Autoridade Palestina aconteça logo. Agora, como você disse, tem milhões de motivos para ceticismo com relação a isso. Para começar, o próprio Trump, né? Sim, e se não bastasse o Trump, o Netanyahu, o Netanyahu ainda não topou isso aqui, pelo menos até o momento que a gente tá gravando. E é fácil imaginar o Netanyahu a qualquer momento dizendo que qualquer coisa foi violação do tratado por parte dos palestinos e jogados fora.
Fernando de Barros e Silva: Isso se dá — Ana Clara falou um pouco disso na semana passada, quando a gente falou da Assembléia Geral —, diante da covardia da omissão dos países europeus que simplesmente viraram as costas e deixaram os palestinos serem dizimados. É o que está acontecendo.
Celso Rocha de Barros: É, quem pode trazer racionalidade para isso são os países árabes da vizinhança. Conduzindo uma negociação com Israel de estado com exército para Estado com o exército.
Fernando de Barros e Silva: Ana, você vai acabar com os nossos sonhos, again?
Celso Rocha de Barros: Aqui ninguém já tá sonhando muito também não.
Fernando de Barros e Silva: Ninguém tá sonhando, a gente é só graus de pesadelo, né Celso? Pesadelo light? Pesadelo,
Celso Rocha de Barros: Perfeito. É isso mesmo.
Ana Clara Costa: Em relação ao plano, o Trump anunciou que ele vai dar proteção ao Qatar, né? Quem atacar o Qatar a partir de agora vai ser considerado ameaça aos Estados Unidos. E o Qatar tem essa posição meio ambígua ali dentro. Ao mesmo tempo que ele dialoga com os Estados Unidos, ele também recebe os líderes do Hamas. Ele faz essa interlocução. E o Catar aceitar esse movimento e se mostrar disposto…. Também, você vai falar que você não quer a proteção aérea dos Estados Unidos? Acho que não dá, né? Então, essa movimentação do Trump em relação a Qatar significa até um movimento extremamente diplomático dentro desse pacote todo, eu acho. Mais diplomático do que a média do que o Trump costuma fazer. E assim, a saber o que o Qatar vai, que papel que ele vai desempenhar, se ele vai, a partir disso, se tornar de certa forma, um inimigo do Hamas ali, né? Parar com essa função de interlocução ou não. Mas o que eu acho que a gente tem que olhar é que, enquanto o plano é apresentado e ainda não foi aceito, o que eles fizeram foi intensificar os ataques a Gaza. Por que o que está acontecendo desde o dia 15 de setembro? Israel começou uma ofensiva terrestre na cidade de Gaza e eles estão esvaziando a cidade de Gaza, enquanto o plano foi anunciado. Hoje a gente está gravando na quinta-feira, na quarta e na quinta-feira, foram os dias mais terríveis dessa ofensiva lá dentro. Então você está sendo obrigado a sair da cidade de Gaza. Se você não sair e for para as cidades do sul de Gaza, como Rafah, por exemplo, que estão superlotadas, Rafah, no caso, fica na fronteira com o Egito. Se você não conseguir sair da cidade de Gaza, você vai ser considerado um militante terrorista anti-Israel. Foi isso que o governo de Israel anunciou. Então, se você não tem dinheiro, por exemplo, ou abrigo ou qualquer condição, porque a tua vida inteira o que restou dela está dentro da cidade de Gaza, como é que você sai de lá e migra para outra cidade, para Rafah, para onde quer que seja? E outra, como que você acredita numa intenção de Israel de aceitar esse plano, se enquanto esse plano é discutido, não há um recuo? Não digo nem um recuo, mas assim, vamos paralisar um pouco o que está acontecendo aqui para a gente reavaliar e ver o que… Não, eles continuam como se nada tivesse acontecido. Até eles aprenderam a flotilha com a Greta Thunberg esses dias também.
Fernando de Barros e Silva: Flotilha que tem a parlamentar brasileira.
Celso Rocha de Barros: A Luizianne Lins, do PT do Ceará.
Ana Clara Costa: Bem lembrado.
Fernando de Barros e Silva: Só fazer um aposto, explicar o que é essa flotilha que é um grupo que é de ajuda humanitária, né?
Ana Clara Costa: É que essa flotilha estava levando comida para as pessoas da cidade de Gaza.
Fernando de Barros e Silva: E foi interceptada pelas Forças armadas de Israel.
Ana Clara Costa: Na melhor das hipóteses — ela é horrível. Por que qual é a melhor das hipóteses? Vamos supor que seja Israel aceitar esse plano do Trump. O que fica parecendo agora é que antes de aceitar qualquer coisa, ela precisa anexar o norte. Então é preciso esvaziar o norte, porque vai ser meu. E aí o plano se refere ao sul, se refere só a esse lugar para onde as pessoas fugiram. E aí, esse plano vai valer para o Sul. Então, se a gente for aceitar isso, pelo menos o norte está garantido. Enfim. É horrível pensar dessa forma.
Fernando de Barros e Silva: Pelo que vocês disseram até aqui, a opção entre o péssimo e o muito ruim, né? Nunca é bom escolher entre o péssimo e o muito ruim, mas eu entendo o ponto do Celso também, o péssimo sendo pior do que o muito ruim.
Ana Clara Costa: E nesse contexto, até o Brasil — o chanceler Mauro Vieira foi na Comissão de Relações Exteriores da Câmara nessa semana e foi questionado sobre o que ele acha desse plano do Trump. E ele elogiou o plano. Disse que esse plano, se ele de fato der certo: “vamos aplaudi-lo publicamente”. Como isso foi lido? Fui até conversar com alguns diplomatas. Estamos num momento de tentativa de retomada de laços com os Estados Unidos. Está havendo todo um trabalho de bastidor para esse encontro com o Trump acontecer, seja virtual, seja por telefone, seja pessoalmente em algum lugar exato. E aí a gente vai e, enfim, dá uma declaração dessas, você acaba dinamitando tudo. Então, a leitura foi um pouco nessa linha. Assim, não que o Itamaraty de fato ache esse plano uma grande coisa, mas que na atual conjuntura não é daí que vai vir a faísca para acabar com tudo, com essa construção que está sendo feita em relação à Casa Branca. E voltando nesse assunto do encontro do Lula com o Trump, tá tudo meio parado porque o Departamento de Estado está embarreirando fortemente essa articulação altamente dominada pela turma MAGA. Mas ao mesmo tempo, eu acho que a boa notícia é que a gente pode perceber que as declarações do governo americano e você vê como que funciona a dinâmica de poder, né? A partir do momento em que eles viram essa declaração do Trump sobre o Lula e etc, acabou tudo. Você não tem nenhuma declaração mais de ninguém, nenhum oficial americano falando nada contra o Brasil. A própria família Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro recuou muito das loucuras que ele vinha falando. Você vê um momento de realinhamento ali que está acontecendo e que eu imagino, e aí totalmente hipótese aqui é que eles devem estar fazendo um trabalho ali, um Washington, para tentar resgatar esse apoio de alguma forma junto ao Departamento de Estado, né? Os Bolsonaro e tudo mais. Mas parece que até agora não surtiu nenhum efeito. Então, eu acho que isso já é um avanço imenso, né? Se a gente pensar o que o Marco Rubio falou.
Celso Rocha de Barros: Se for pensar um mês atrás…
Ana Clara Costa: Exato. O que o Marco Rubio falou depois da condenação do Bolsonaro, a gente estava achando que viria uma guerra, né? E ele não falou mais nada. Então eu acho que está num momento ali, delicado, da relação, que o Brasil, enfim, não vai querer romper isso por causa de Gaza, no caso.
Celso Rocha de Barros: Quando os países árabes apoiaram o plano, isso deve provavelmente ter influenciado a reação do Itamaraty.
Fernando de Barros e Silva: Nem palavras sobre o boné do Trump 28 e a reunião dele com a cúpula das Forças Armadas pedindo…
Celso Rocha de Barros: Não, o boné pra mim é claro que ele vai querer ser candidato. Isso para mim é óbvio, a não ser que ele tenha problemas de saúde, sei lá, não sei. Ele quer mudar a Constituição para poder ser candidato de novo. Para mim, é óbvio.
Fernando de Barros e Silva: Eu quero saber quando é que o Tarcísio vai pôr esse boné aí.
Celso Rocha de Barros: Exato. Tá atrasado.
Fernando de Barros e Silva: Tarcísio está atrasado.
Sonora: Eduardo já deve ter posto.
Fernando de Barros e Silva: E bom, essa reunião que ele teve com os militares não me parece uma coisa trivial, né?
Celso Rocha de Barros: Porque não é brincadeira, né? O Secretário da guerra lá do Trump é um palhaço, né? O sujeito fez um discurso absolutamente ridículo. Cara, parece que você pega o Uber e tem um motorista maluco lá que tem umas teorias da conspiração doidona lá, mas tem coisas muito sérias ali. A coisa de você usar a luta contra o inimigo interno como treino para o exército, né? O que é isso, amigão?
Ana Clara Costa: É o estímulo à guerra civil, né?
Celso Rocha de Barros: Exato. Entendeu?
Fernando de Barros e Silva: É falar em alinhamento ideológico com o governo, uma instituição de Estado, sendo essa instituição de Estado o exército mais poderoso do mundo.
Celso Rocha de Barros: Mas igualmente grotesco.
Ana Clara Costa: É uma instituição que se mostrou legalista no primeiro governo Trump. Ele tentou muito fazer com que eles captulassem e não conseguiu. É que, assim, quando a gente pensa que ele voltou para o poder e parece inacreditável, não dá para confiar que o exército americano…
Celso Rocha de Barros: Mas para mim, é claro que o que ele está tentando é construir uma infiltração golpista dentro do Exército, como o Bolsonaro tinha a dele. Ele está querendo recrutar gente lá que topam. Que ele quer fazer isso, eu garanto para vocês. Mas se isso vai dar certo, é outra história.
Fernando de Barros e Silva: É bem aterrorizante tudo isso e ao mesmo tempo previsível. Bom, sonhos demolidos na chon, como dizia a personagem lá da Aracy Balabanian que eu esqueci o nome. Sonhos na Chon. Vamos encerrando o segundo bloco do programa. Fazemos um rápido intervalo. Na volta nós vamos falar das intoxicações por metanol. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Ana Clara, vamos começar com você. Podemos reconstituir um pouco a situação dramática dos últimos dias.
Ana Clara Costa: Acho que está todo mundo bem informado sobre isso, porque só se fala nisso no Brasil hoje, dessa questão das bebidas alcoólicas adulteradas com metanol, que é um tipo de álcool industrial de solvente que é usado na indústria química e que está causando essas intoxicações todas e essas mortes, né Fernando? Que até você mencionou na escalada, são seis até agora, sobretudo em São Paulo.
Fernando de Barros e Silva: E efeitos terríveis e mesmo quem não morreu, causa cegueira. É um negócio realmente devastador e horroroso.
Ana Clara Costa: E os estabelecimentos denunciados estão sendo fechados, né? E a polícia tá aí tentando descobrir o que aconteceu. Como é que esse metanol foi parar ali? E aí que entra a parte que me interessa, porque a gente falou recentemente do Metanol, quando a gente relatou aqui no Foro a Operação Carbono Oculto, que revelou um esquema imenso de adulteração de combustível patrocinado pelo PCC e que tinha braços poderosos na Faria Lima e tudo mais. E nessa operação descobriu se que o PCC desviava metanol do Porto de Santos para abastecer distribuidoras que faziam o serviço sujo da adulteração. E eu achei muito curioso que logo quando a operação aconteceu e o esquema foi desmantelado, os postos foram fechados, é que os casos envolvendo essas bebidas batizadas começaram a chegar nos hospitais. A gente tem casos de pessoas que estão internadas há três semanas. Esses casos começaram a chegar nos hospitais justamente quando a operação foi deflagrada e esses postos foram fechados. E eu acho válido a gente confrontar esse timing, porque ele pode revelar algum tipo de relação. No campo das hipóteses, esse metanol desviado, se ele não pôde ser desovado nas distribuidoras de combustível por causa da operação, ele pode ter sido enviado para outros fins, como as distribuidoras de bebida, porque o PCC está envolvido em vários, em vários aspectos da economia. E como ainda não se sabe muito sobre isso, me pareceu bastante estranho da parte do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, dizer com tanta certeza que a história não estava relacionada ao PCC. Antes mesmo das investigações terem começado e mostrado isso. E essa atitude do Tarcísio, ela dá um quê de guerra de narrativa. Porque assim todas as pesquisas mostram que a questão da segurança vai ser seminal ali para a eleição do ano que vem, né? O governo quer aprovar essa PEC da segurança pública que a oposição está querendo desidratar no Congresso e não pauta e não avança e tal. E o governo quer fazer essa PEC prosperar. Enfim, a direita domina a pauta da segurança. A gente falou disso várias vezes aqui e eles não querem que essa esse assunto ou qualquer tipo de narrativa positiva em relação a isso renda dividendos para o governo, né? Eles querem continuar sendo donos dessa pauta. Então, quando teve a Operação Carbono Oculto, teve uma disputa por protagonismo entre o governo do Estado e o governo federal. E agora, no caso do Metanol está acontecendo a mesma coisa. O Ministério da Justiça quer se envolver na história e o governador de São Paulo não quer. E tem um aspecto meio pernicioso dessa história é que quando o Tarcísio diz que não tem nada a ver com o PCC, ele tá dando duas informações pra gente. Ele está dizendo que São Paulo não está tomada pelo PCC, que o PCC não está envolvido nisso na indústria de bebidas e de que a investigação não tem que se federalizar. Ou seja, pelo menos ainda não tem que se federalizar. Quando você federalizar a investigação, a Polícia Federal entra, né? Aí entra o governo federal na história. Então, acho que nesse caso a gente tem que torcer para o governador ter tido boa fé e não ter sido irresponsável de não estar recusando uma ajuda importante por rinha política. Porque a gente já falou aqui no Foro, em outras ocasiões, sobre os recursos muito limitados de orçamento e de capilaridade da Polícia Civil de São Paulo para conduzir as investigações, além das questões de corrupção e relação da própria corporação com o crime organizado. E não é à toa que quando acontecem esses assassinatos, como o daquele empresário em Guarulhos e do ex-delegado em Praia Grande, uma linha de investigação sempre é se há envolvimento de policiais civis ou militares no crime, então assim, é um fato que a Polícia Civil não dá conta. E eu acho que esse contexto fica ainda mais grave se a gente imaginar que o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, que está comandando isso, ou seja, as decisões estão sendo deles. Ele até ontem era um PM e youtuber sem a menor familiaridade com o que é a investigação do PCC. A Polícia Militar não é uma polícia de investigação, é uma polícia de manutenção da ordem pública. Então, o secretário de Segurança não tem essa expertise. O governador do Estado também não é um gestor com experiência no Executivo nessa área. Ele tem uma história dentro do setor de infraestrutura. Então, assim, eu não quero ficar aqui também repisando histórico do Derrite etc. Mas eu acho que diante do que a gente está vendo acontecer em relação ao PCC em São Paulo, essas operações que estão acontecendo, o fato de eles negarem a presença da Polícia Federal nisso me parece incompreensível. Como o Ministério da Justiça não precisa da autorização do governador de São Paulo para investigar, eles abriram…
Fernando de Barros e Silva: O inquérito, abriram um inquérito e o Lewandowsky falou, inclusive, que tinha indícios de que o caso extrapolava o Estado de São Paulo e isso justificaria a participação da Polícia Federal. E, de fato, em Pernambuco já tem os casos de suspeitos.
Ana Clara Costa: E no Rio de Janeiro também tem casos suspeitos. Mas a questão é: aparentemente existe uma uma infiltração incontrolável não só do metanol no álcool consumido nas bebidas alcoólicas, como do PCC na economia. Impressionante. Assim.
Fernando de Barros e Silva: É gravíssimo tudo isso. Celso, quero te ouvir sobre esse assunto.
Celso Rocha de Barros: Então, Fernando, o problema de adulteração de bebida alcoólica não é novo. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação faz um anuário da falsificação e no de 2025 tem a informação de que em 2024, o setor de bebidas foi um dos mais afetados pelo contrabando e falsificação, com perdas estimadas em 86 bilhões, sendo 24 bilhões apenas em sonegação fiscal. Além disso, facções criminosas que operam nesse mercado ilegal faturaram 62 bilhões com a fabricação e venda de bebidas falsificadas. Ou seja, já existia esse problema e já estava no radar a possibilidade de ter facções criminosas atuando na falsificação de bebidas. Isso aqui, obviamente, não prova que tenha sido o PCC nesse episódio específico. O que realmente levanta essa suspeita de maneira plausível para além do debate político — porque isso explicaria por que, de repente, teve um pico no número de casos.
Ana Clara Costa: É, o timing é muito parecido.
Celso Rocha de Barros: Pode ser que seja, pode ser que não seja. O ouvinte do Foro sabe que assim eu acho inteiramente improdutivo reclamar de disputa política em um monte de coisas. Reclamar que os políticos agiram para seu interesse político. Pois é. Por que outro interesse eles agiriam? Mas, nesse caso específico, eu acho que se a coisa degringolar para uma briga entre o Lula e Tarcísio é bem ruim, porque isso não é como briga entre o partido que está no governo e os partidos no Congresso. Você meio que espera que eles briguem. Tem uma esfera de competência compartilhada aqui entre o governo federal e o governo estadual no combate à violência, sobretudo se tiver a questão de crime organizado, é muito importante que tenha articulação. Essa articulação entre o Lula e o Tarcísio, digamos assim, já foi muito bem sucedida no caso da operação contra as fintechs. O ideal é que, nesse caso, também a cooperação se desse de maneira mais ou menos harmônica. E já que estamos no assunto politização do caso, quando começaram a aparecer as notícias, muita gente tentou colocar a culpa do Temer porque em 2016 o Temer encerrou o Sicoob sistema de controle de produção de bebidas, que era um programa da Receita Federal. E muita gente diz: “olha só, antes tinha controle. Não devia acontecer isso”. Mas a Receita Federal, sob o governo atual, sob o governo Lula, lançou uma nota dizendo que essa correlação é falsa e que o Sicoob, que foi descontinuado em 2016, controlava principalmente cervejas e refrigerantes, mas não verificava a qualidade das bebidas.
Fernando de Barros e Silva: Dessa vez a culpa não é do Temer.
Celso Rocha de Barros: Pois é. Você pode acreditar em mim, porque eu já botei a culpa no termo de muita coisa. Mas essa não foi ele. Foi uma tragédia, né gente? Não sei se vocês viram o episódio do podcast, o assunto contando as histórias dos jovens que ficaram cegos e foi uma coisa horrorosa. Pessoas que não estavam fazendo nada demais, estavam se divertindo na flor da idade, etc.
Ana Clara Costa: E assim, lugares que cobram caro pela bebida A gente não tá falando de lugares…
Celso Rocha de Barros: Isso foi outra coisa que as autoridades notaram, porque era muito comum os episódios de envenenamento por metanol, por exemplo. Pessoas em situação de rua que naturalmente bebem qualquer bebida que apareça na frente deles, então são mais propensos a beber bebida falsificada.
Ana Clara Costa: São Paulo foi nos Jardins, fecharam o Ministrão lá, o bar.
Celso Rocha de Barros: Quer dizer, uma infiltração no comércio oficial, etc. mais intensa do que se esperava.
Fernando de Barros e Silva: Bom, a gente encerra o terceiro bloco do programa, vamos para um rápido intervalo e na volta, Kinder Uevo, já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Mari Faria, você aguarda ansiosamente por esse momento. E já que você gostou muito das minhas piadas nesse programa, você vai me favorecer. Pode soltar. Eu quero ver quando ela vai fazer uma aula do Adorno e o Celso vai acertar também.
Sonora: “Alexandre de Moraes e sua esposa foram sancionados pela lei. Nesse momento, Alexandre de Moraes…”
Fernando de Barros e Silva: É a Damares.
Sonora: “Está indo ao Google para ver como sobreviver…”
Ana Clara Costa: Julia Zanatta.
Sonora: “Sem depender desse sistema financeiro que é todo integrado com o sistema de cash shift que é controlado pelos Estados Unidos”.
Fernando de Barros e Silva: Só da extrema direita aqui no Foro.
Celso Rocha de Barros: Era bem na minha… Porra.
Ana Clara Costa: Sua jurisdição.
Celso Rocha de Barros: Pensei nela, mas você falou mais rápido.
Fernando de Barros e Silva: Então aqui Ana Clara vai empilhando vitórias. Para os Anais: Júlia Zanatta PL de Santa Catarina, em entrevista à TV Auriverde. É isto. Vamos para o momento, Cabeção.
Sonora: Cabeção.
Fernando de Barros e Silva: Dicas de livros, séries e quetais.
Celso Rocha de Barros: Fernando, minha dica é o livro ‘Antes do início’ do físico nuclear e diplomata brasileiro Ernesto Mané. O livro é uma espécie de diário de viagem do autor na Guiné-Bissau, a terra do pai dele. E é uma mistura meio assim de um diário de viagem, com uma reflexão do Mané sobre a sua própria identidade, sobre o que é pertencer ou não a uma nação. Ele vai descobrindo um monte de coisas sobre o pai dele, sobre inclusive a vida política do pai dele, sobre a história da Guiné-Bissau. Eu achei muito bom. Achei muito bem escrito e muito interessante. Assim, recomendo vivamente.
Fernando de Barros e Silva: Muito bom. Ana Clara.
Ana Clara Costa: A minha sugestão é o livro ‘O Caso Moro’, da editora Mundaréu.
Fernando de Barros e Silva: Que não é o Moro, não é o nosso Moro.
Ana Clara Costa: Não é o Moro que conhecemos, é outro Moro.
Fernando de Barros e Silva: Não é o Sérgio.
Ana Clara Costa: E o Fernando fala “Sérjo”, né que é bem…
Fernando de Barros e Silva: Sérgio.
Ana Clara Costa: Bom, esse livro ele foi lançado na Itália nos anos 70, mas essa é a primeira edição no Brasil. Ele é do Leonardo Sciascia, que é um escritor italiano que — era porque já morreu — que nasceu na Sicília e escreveu vários livros sobre o crime organizado na Itália, que é a máfia, né? Então ele entende muito dessa narrativa de crime mesmo, né? De como você criar uma boa história policial. A diferença é que essa história aconteceu. Ela conta como o político, Aldo Moro, que era um político de centro na Itália do Partido da Democracia Cristã, ele foi sequestrado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas, que era uma organização terrorista ali do fim, bem à esquerda do Partido Comunista, na Itália. E ele era um cara da articulação ali do centrão deles. Ele estava tentando compor um campo em comum entre a democracia cristã e o Partido Comunista. E as Brigadas Vermelhas estavam insatisfeitas com isso. Não queriam essa composição. Sequestraram ele. Ele ficou refém por 55 dias e foi executado. E o Leonardo, autor, ele participou da CPI que investigou isso e ele escreveu o livro logo depois. Então é uma narrativa super a quente dos fatos e ele teve acesso às cartas que o Aldo Moro enviou do cativeiro. Então, assim, é uma história muito legal de como funciona essa violência política. Mas também quando você vê a atuação das Brigadas Vermelhas, não é muito diferente do que o PCC faz, por exemplo. Então, assim, quando ele é executado, eles constroem de uma forma que fica parecendo que ele recebeu uma sentença. A sentença dele é a execução. Então a gente precisa cumprir a sentença.
Celso Rocha de Barros: Como se tivesse no tribunal.
Ana Clara Costa: Exato. Há um tribunal que julga, condena e mata, como acontece com a máfia italiana e como acontece com as organizações hoje. Então, eu achei muito legal. Acaba de ser lançado no Brasil. Recomendo a leitura para vocês que gostam de livros policiais de verdade não ficção.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. E eu vou falar de um de um livro de ficção policial. Podemos caracterizar como policial, que é do Edir Augusto, que é esse romancista paraense, o Pssica. Eu não vi a série ainda. Tá na Netflix. Eu ia ver a série daí antes de ver a série, acabei comprando o livro que saiu pela Boitempo. A Boitempo editou vários livros dele. Ele é um romancista já… Enfim, não é novato. Ele é mais velho que eu, mas é um romance na tradição de tratar da violência brasileira nas suas mais diversas expressões. Ele vai fundo nisso. O livro tem relação um pouco com o ‘Feliz Ano Novo’ do Rubem Fonseca. Tem relação, se a gente quiser, com a ‘Cidade de Deu’s, do Paulo Lins. Mas o que caracteriza a prosa do Edir Augusto é a extrema brevidade. São frases muito curtas. Assim, é quase telegráfico e telegráfico e às vezes dá a impressão de uma secura que é quase mal escrito, truncado. Às vezes parece que o Bolsonaro que está lendo sabe assim uma coisa tudo muito curtinho assim. E as atrocidades vão se sucedendo numa velocidade. O romance é muito curtinho, tem menos de 100 páginas. As atrocidades vão se sucedendo numa velocidade espantosa, vai se acumulando e cria um efeito muito desconfortável. Assim, sabe? É muito interessante. Então fica aí a minha dica. A série eu não vi. Tem gente que está falando bem. Eu terminei o livro agora esses dias, vou assistir a série. Então, fica essa a minha dica a gente encerra o cabeção. Vamos para o melhor momento do programa, o momento de vocês das cartinhas, o Correio Elegante. E Mari, parece que você está em sintonia com o programa, né? Que eu vou começar com um recado aqui da Janaína Pinto que começa dizendo: “Meu sonho se realizou, ou quase, graças ao episódio do Festival da piauí, coloquei rostos, as vozes que escuto toda semana. Então, ontem, durante a apresentação do Grupo Corpo no Municipal do Rio, avistei o Celso e o Fernando lindinhos na primeira fileira do balcão Nobre”.
Celso Rocha de Barros: Olha só!
Fernando de Barros e Silva: Ana Clara, faltou você.
Celso Rocha de Barros: Foi!
Ana Clara Costa: Faltou!
Fernando de Barros e Silva: “Abri um sorriso de criança. Pensei em esperar o espetáculo acabar e mandar um: ‘Foro de Teresina, amo vocês e depois um acaba com eles, Celso’. Mas sou uma fã tímida. Deixo aqui meu grande carinho”. Janaína Pinto, era mesmo eu e o Celso.
Celso Rocha de Barros: Valeu, Janaína!
Fernando de Barros e Silva: Coisa linda! E a gente está pensando seriamente agora em dançar também, começar a dançar.
Celso Rocha de Barros: Vamos formar nosso próprio grupo e aguardem notícias.
Ana Clara Costa: Eu tô fora, viu galera?
Celso Rocha de Barros: A única que teria alguma chance de saber.
Ana Clara Costa: A Mariana Gomes postou: “Ri alto com o correio elegante sobre o casamento às cegas e cinco minutos depois dei de cara com Fernando na academia. Só não fui falar com ele na hora porque fiquei sem jeito de atrapalhar o treino desse grande marombeiro de Santa Cecília”. Mariana, cê tinha que ter fotografado e mandado pra gente esse momento!
Celso Rocha de Barros: Marombeiro de Santa Cecília
Fernando de Barros e Silva: Eu tô pior que uma IA, to escaneado em todos os lugares na academia.
Ana Clara Costa: É o preço da fama.
Celso Rocha de Barros: Fernando Barros Silva estaciona o carro no Leblon.
Ana Clara Costa: Total.
Fernando de Barros e Silva: Eu nem percebo que as pessoas estão olhando. Pô, Mariana, pode falar, eu tô, pareço que tô morrendo, mas é só.
Ana Clara Costa: Cena. É só cena.
Fernando de Barros e Silva: Só cena. Eu subo escada porque o Millôr falava que corria na praia para o pessoal não falar: “olha, ele ainda anda”.
Celso Rocha de Barros: O Abel também ouve o Foro fazendo exercício e mandou o seguinte: “Sempre ouço Foro durante treinos de corrida. E posso afirmar: as mazelas da República provocam sentimentos tão aterradores que impulsionam a vontade de vencer com a força do ódio funcionando como verdadeiro pré-treino, tão eficiente quanto o chifre, pé na bunda e creatina”. Eu achei isso sensacional. Só para deixar claro. “Assim deixo a minha recomendação de ouvir o fórum antes e durante os treinos, sejam de corrida, de escada ou de pugilismo, esse último deve funcionar de um jeito realmente especial. Um abração a todos”. Recomendação aceita, Abel. Acho que você tem toda razão.
Ana Clara Costa: Valeu, Abel.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, Abel.
Ana Clara Costa: Pô, gente, tá. A gente tá indo bem nas academias, hein? Caramba, cara!
Fernando de Barros e Silva: Bom, o que é bom dura pouco. O que não é tão bom também acaba. A gente vai encerrando então, o programa de hoje por aqui. Se você gostou, não deixe de seguir e dar five stars para a gente no Spotify. Segue no Apple Podcast, na Amazon Music. Favorita na Deezer e se inscreva no YouTube. Você também encontra a transcrição do episódio no site da piauí. O Foro de Teresina é uma produção do estúdio Novelo para a revista piauí. A coordenação geral é da Bárbara Rubira. A direção é da Mari Faria com produção e distribuição da Maria Júlia Vieira. A checagem é do Gilberto Porcidônio. A edição é da Barbara Rubira, da Carolina Moraes e da Mari Leão. A identidade visual é da Amanda Lopes. A finalização e mixagem são do João Jabace e do Luís Rodrigues, da Pipoca Sound. Jabace e Rodrigues, que também são os intérpretes da nossa melodia tema. A coordenação digital é da Bia Ribeiro, da Emily Almeida e do Fábio Brisola. O programa de hoje foi gravado aqui na minha Choupana, em São Paulo, e no Estúdio Rastro do Danny Dee, no Rio de Janeiro. Eu me despeço dos meus amigos. Tchau, Ana.
Ana Clara Costa: Tchau, Fernando. Tchau pessoal.
Fernando de Barros e Silva: Tchau, Celso.
Celso Rocha de Barros: Tchau, Fernando. Até semana que vem.
Fernando de Barros e Silva: É isso gente! Ótima semana a todos e até a semana que vem.
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