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    Eugênio, irmão e sócio de Salim Mattar FOTO: EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS

questões de governo

O campeão da verba pública

Eugênio Mattar, irmão de ex-secretário do governo Bolsonaro, foi quem mais recebeu recursos da União em 2020

Marta Salomon | 06 jan 2021_15h50
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No começo de julho de 2020, o então secretário especial de Desestatização do governo Bolsonaro, Salim Mattar, preparava sua saída do cargo e atribuía à pandemia do coronavírus o atraso na venda de empresas estatais e no avanço da agenda liberal que o levara a participar da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Um mês antes, o irmão e sócio de Salim na Localiza, empresa de aluguel de carros, recebia do governo 14,9 milhões de reais. A quantia desembolsada pelos cofres públicos rendeu a Eugênio Pacelli Mattar o título de maior favorecido por pagamentos feitos pela União a pessoas físicas no ano passado.

O pagamento foi registrado no Tesouro Nacional em 4 de junho, 68 dias antes da saída de Salim do cargo. A ordem bancária anota que o valor corresponde à devolução de imposto pago indevidamente sobre ganho de capital, com base na decisão administrativa da delegacia da Receita Federal em Juiz de Fora (MG), de agosto de 2019. Uma semana depois da saída do secretário especial, seu irmão recebeu ainda um complemento de 282 mil reais, resíduo da mesma decisão da Receita Federal.

O ranking dos dez maiores favorecidos com recursos públicos a cada ano é divulgado pelo Portal da Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União. Eugênio ocupou o topo desse ranking em 2020, por ter recebido um total de 15,2 milhões de reais dos cofres públicos.

Sigilo fiscal foi o argumento usado pela Receita para não comentar a decisão. Também questionado pela piauí, Eugênio informou, em nota, que pediu a restituição de impostos cujo pagamento considerou indevido em 2007 e aguardou treze anos pela decisão. Os valores pagos foram corrigidos de acordo com a inflação do período. Salim não quis comentar o episódio.

O valor destinado ao irmão do ex-secretário de Desestatização é mais de dez vezes maior do que o montante investido por Eugênio nas eleições de 2020. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta o empresário como o oitavo maior doador do pleito municipal em todo o país, atrás do irmão Salim, que aparece como o quinto maior doador. Eugênio aplicou 1,48 milhão de reais em candidaturas do partido Novo em Minas Gerais. O também empresário Rodrigo Antônio de Paiva, candidato do Novo à prefeitura de Belo Horizonte, recebeu a maior fatia do dinheiro, 1 milhão de reais, e terminou a disputa com o equivalente a menos de 5% dos votos angariados pelo prefeito eleito, Alexandre Kalil, do PSD. Já a direção do Novo na capital mineira recebeu 280 mil reais. Apenas uma candidata à Câmara, entre os quatro que receberam de Eugênio doações de 50 mil reais, foi eleita. Na época, ele disse ao jornal Valor Econômico que o apoio era “uma forma de participação legítima no desenvolvimento de uma sociedade democrática e plural” e que seu envolvimento na política visava à “mudança de realidade”.

À frente do irmão no ranking das doações eleitorais em 2020, Salim espalhou suas apostas por 79 municípios, embora a maior fatia dos 2 milhões de reais investidos tenha ido para a direção do Novo em Belo Horizonte: 200 mil reais. O mesmo valor se destinou ao candidato derrotado do DEM à prefeitura de Recife, Mendonça Filho. Entre os candidatos a vereador, Rodrigo Marinho, do Novo, derrotado em Fortaleza, e  Fernando Holiday, do Patriota, reeleito em São Paulo, receberam as maiores doações de Salim: 50 mil e 35 mil reais, respectivamente.

Juntos, os irmãos Mattar doaram quase 3,5 milhões de reais na eleição municipal deste ano, 1 milhão de reais à frente do primeiro colocado no ranking individual do TSE, o empresário Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do conselho de administração do Grupo Cosan. O Novo sigla priorizada pelos irmãos elegeu apenas um prefeito e 29 vereadores neste ano, além de perder 15% dos filiados entre janeiro e novembro, ainda de acordo com o tribunal.

 

Ativistas do liberalismo, os Mattar detêm, juntos, 10,75% das ações da Localiza. Eugênio é quem permanece à frente da empresa, como diretor-presidente. Salim não ocupa nenhum cargo na companhia. As declarações dele sobre o atraso da agenda liberal que a pandemia teria imposto ao governo Bolsonaro aparecem no site do Instituto Millenium, um think tank de direita do qual o ex-secretário especial é um dos fundadores. Num texto que escreveu para o portal, ele previa que o Brasil poderia levar dois anos até se recuperar totalmente do estrago causado pelo coronavírus. Numa entrevista de 2014, que também aparece no site, Salim já defendia que outros empresários se empenhassem em disseminar ideias liberais e de oposição ao governo do PT. “A gente compra seguro contra incêndio, seguro de vida e acidentes. Por que não comprar um seguro para garantir que teremos um livre mercado amanhã?”, dizia. 

Em destaque na página do Millenium na virada do ano, um artigo sem assinatura advogava que a saída para o Brasil está na implementação de uma agenda liberal econômica. “Quanto maior o tamanho do Estado, menor o tamanho dos indivíduos”, apregoava o texto. O instituto costuma oferecer aulas online de economia. O sétimo módulo do curso pergunta se aumentar a carga tributária dos ricos seria uma alternativa justa e se resolveria o problema do déficit nas contas públicas. A resposta: não. O módulo defende cortes nos gastos públicos.

Liderado por Eugênio Pacelli Mattar, o ranking das pessoas físicas que mais receberam recursos do Estado em 2020 inclui várias crianças que obtiveram na Justiça acesso ao medicamento Zolgensma, prescrito para atrofia muscular espinhal. O remédio, do laboratório Novartis, é tido como o mais caro do mundo e custa cerca de 2 milhões de dólares nos Estados Unidos. Questionado pela piauí, o Ministério da Saúde informou que gastou 2 bilhões de reais em 2020 com a compra desse tipo de medicamento.

Atualização: a assessoria do Instituto Millenium entrou em contato com a reportagem para afirmar que a entidade 1) não oferece cursos online e 2) não é de direita. O curso citado está no site do instituto e pode ser acessado aqui. As aulas são baseadas em textos de economistas liberais, como Milton Friedman, e criticam propostas como o aumento da taxação sobre os ricos.

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