“Os leitores de hoje buscam identificação com quem escreve as notícias. Eles são sofisticados, observam os adjetivos usados nas matérias, mas não sabem o que é escolha do repórter ou influência da edição", diz Smith Foto: Marcelo Saraiva
O duro ofício de separar notícia e opinião
Após passar por cargos prestigiosos da imprensa americana, Ben Smith funda site que busca nova forma de abordar o noticiário
No início do ano passado, o nova-iorquino Ben Smith tinha 45 anos e era um dos mais bem sucedidos jornalistas da geração dele. Entre outras coisas, tinha passado pelo Politico, sido editor-chefe da Buzzfeed News, e colunista de mídia do New York Times, um dos cargos mais cobiçados do jornalismo americano. Decidiu então se demitir e fundar um site de notícias, o Semafor. Em conversa nesse sábado (2) com o repórter da piauí João Batista Jr. e a jornalista Flávia Lima, da Folha de S. Paulo, Smith revelou que um dos investidores no projeto foi o empresário do ramo de criptomoedas Sam Bankman-Fried, recentemente preso por fraude. “Fizemos uma ligação de menos de uma hora em que ele não parecia entender o que eu estava falando”, contou o jornalista, aos risos. A empresa recentemente devolveu os 10 milhões de dólares injetados pelo empresário.
Smith fundou o Semafor junto com o então executivo-chefe da Bloomberg Media, Justin B. Smith (eles não são parentes, apesar do sobrenome). Os dois são amigos de longa data e passaram anos discutindo as fraturas da mídia americana. Daí, um dia, surgiu a ideia de criar um site para competir com organizações de notícias internacionais como a Reuters e a Associated Press. O nome escolhido, Semafor, é símbolo da maior pretensão dos criadores: se comunicar com pessoas do mundo inteiro. A palavra é uma das poucas do inglês que possuem similaridades ou igualdades em outros idiomas (como “táxi”, ou “pijama”).
Criar um site do zero é custoso, principalmente porque a confiança dos leitores só chega com o tempo. Estruturar a equipe do Semafor também foi um desafio porque Smith procurava jornalistas dispostos a expressarem opiniões sobre os assuntos de suas reportagens. “Os leitores de hoje buscam identificação com quem escreve as notícias. Eles são sofisticados, observam a escolha das fontes, os adjetivos usados em uma matéria, mas não sabem o que é escolha do repórter ou influência da edição”, disse Smith.
Ter experiência anterior em construir uma redação do zero ajudou o jornalista a estruturar o Semafor. Nos oito anos em que ficou à frente do Buzzfeed News (cujas atividades se encerraram em abril passado), o site foi finalista do Prêmio Pulitzer duas vezes: em 2017, na categoria reportagem internacional, por detalhar como as empresas multinacionais minaram as leis ambientais, e em 2018, na mesma categoria, por uma investigação de agentes com aparentes ligações com o presidente Vladimir Putin, da Rússia, envolvidos em assassinatos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.
Em janeiro de 2017, o site publicou um documento de 35 páginas que indicava um suposto elo entre o governo russo e a campanha de Donald Trump para derrotar Hillary Clinton nas eleições de 2016. Antes de a equipe de Smith assumir os riscos, o dossiê foi oferecido ao New York Times, que recusou a publicação. A escolha de publicar as informações foi calorosamente debatida nos mundos político e midiático. A maioria das alegações importantes do dossiê não foram provadas e algumas foram refutadas. Mas políticos e outras pessoas influentes do meio estavam usando o documento para tomar decisões importantes. Quando a jornalista Flávia Lima perguntou a Smith se valia a pena tornar público um material com esse, cercado de dúvidas, ele disse: “Quando olho para trás e vejo as consequências do dossiê para a opinião pública, continuo achando que tomamos a decisão certa.” O repórter João Batista Jr. perguntou se houve pressão para publicar o documento e provocar aumento na audiência do BuzzFeed. “Sempre há medo de a concorrência publicar antes, isso acontece. Mas ali eu sofria uma pressão pela notícia, não pelo clique.” Smith também disse em sua apresentação que, apesar de achar que em alguns casos a imprensa de fato amplifica discursos extremistas de forma descabida, não concorda com a tese de que a imprensa seja responsável pela eleição de figuras como Donald Trump ou Jair Bolsonaro ao noticiá-los. “Não há nenhuma evidência de que eles só existem por nossa causa, pela Folha com Bolsonaro ou Times com Trump”, disse.
Apesar da polêmica causada pela publicação do dossiê, foi outro texto, de natureza muito distinta, que teve o impacto mais duradouro. Em 26 de fevereiro de 2015 e nos dias subsequentes, a Buzzfeed News desafiou os leitores a decifrarem as cores de um vestido. Alguns usuários pareciam acreditar que o vestido era branco e dourado, e outros preto e azul. Com a viralização do debate nas redes sociais, executivos do Facebook perceberam o quanto de engajamento – e tempo gasto na plataforma – poderia ser gerado por uma história banal que dividisse opiniões. O caso é contado em Traffic, livro lançado por Smith em maio passado. Uma editora brasileira está em negociação para publicar a obra no Brasil, revelou João Batista Jr durante a entrevista.
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