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O nariz de Dunga

Foi muito estranho ver o destempero de Dunga no final do jogo contra a Argentina, disputado no último sábado em Pequim. Aos 48 minutos do segundo tempo de uma partida em início de preparação, com dois a zero no placar para a seleção brasileira e, como se diz lá no Sul, a coruja devidamente pelada, Dunga apontava o indicador para alguém no banco argentino, gritava no mais perfeito gauchês que “tu é igualzinho a ele” e levava repetidas vezes dois dedos ao nariz.

| 13 out 2014_14h53
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Em um dos trechos de , Fernando Gabeira conta sobre um algoz que, nas sessões de tortura, o chamava de “turco filho da puta”. Pouco tempo depois, num período menos aterrorizante da cadeia, Gabeira ouviu do próprio torturador que “Turco Filho da Puta” era o apelido que os amigos de infância usavam quando queriam provocá-lo. O homem aproveitava as sessões de tortura para exorcizar um fantasma pessoal.  

No inspirado texto O eterno naufrágio, publicado na edição de outubro da revista piauí, a jornalista argentina Graciela Mochkofsky reclama do nível de agressividade na Buenos Aires de hoje, em que as pessoas parecem estar sempre bravas. Uma das explicações que Graciela encontra para o comportamento grosseiro surge numa conversa com o escritor e músico Abel Gilbert. Para ele, “a Argentina é um país inconformado com sua própria condição. O problema é a aspiração. Devíamos ser Paris, devíamos ser Nova York. É a velha ilusão argentina”. O problema aspiracional gera frustração, que gera a agressividade gratuita de um povo que não consegue caçar esse fantasma coletivo.

Foi muito estranho ver o destempero de Dunga no final do jogo contra a Argentina, disputado no último sábado em Pequim. Aos 48 minutos do segundo tempo de uma partida em início de preparação, com dois a zero no placar para a seleção brasileira e, como se diz lá no Sul, a coruja devidamente pelada, Dunga apontava o indicador para alguém no banco argentino, gritava no mais perfeito gauchês que “tu é igualzinho a ele” e levava repetidas vezes dois dedos ao nariz.

Ninguém precisa ser um profundo conhecedor da alma humana para entender que o “ele” a que Dunga se referia era, simplesmente, um dos mais espetaculares jogadores de futebol de todos os tempos e maior ídolo do esporte na Argentina. E que os dedos no nariz remetiam ao problema com cocaína que quase devastou a vida do formidável craque.

É provável que, devido a uma explosiva mistura de ignorância com preconceito, Dunga não saiba que dependência química é doença, e não uma questão de caráter. Mas tudo leva a crer que há mais do que isso. Tenho a impressão de que continua a perseguir nosso raivoso treinador a cena de Maradona passando com facilidade entre ele e Alemão, deixando Caniggia cara a cara com Taffarel, eliminando a seleção brasileira da Copa de 1990 e criando o conceito “Era Dunga”.

Prato cheio, seguido por um bom charuto, para um certo senhor austríaco chamado Sigmund.

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