O pastor Paulo Marcelo Schallenberger durante um culto em São Paulo, em julho. Foto: Reprodução/Redes sociais
O pastor solitário de Lula
Líder pentecostal que tenta atrair apoio de evangélicos para campanha petista lamenta falta de espaço e quer que PT faça agora "o que não fez em dois anos"
Quando se sentou para conversar com o ex-presidente Lula, no dia 13 de dezembro do ano passado, o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, de 46 anos, tinha um plano a apresentar. Queria viajar pelo país, na companhia de outros pastores, para visitar igrejas e facilitar o diálogo do PT com o eleitorado evangélico. Pretendia, com isso, desmentir os ataques da direita que há anos pintam Lula como um comunista que vai fechar templos caso seja eleito. Schallenberger sugeriu também criar grupos de WhatsApp com líderes pentecostais para municiá-los com conteúdos da campanha petista. Ele diz ter conseguido, por meio das redes sociais, o contato de 6.937 líderes de ministérios independentes, distribuídos por todos os estados e que estavam dispostos a ajudá-lo.
O pastor e o ex-presidente conversaram por mais de duas horas na sede do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Lula gostou do que ouviu. Dali a poucas semanas, Schallenberger passou a ser citado na imprensa como porta-voz do petista para assuntos evangélicos. O cargo nunca foi oficial, embora a ajuda tenha sido vista com bons olhos no entorno do ex-presidente. Mas o pastor, que não é filiado ao PT, teve dificuldade em se integrar à estrutura do partido, que há anos conta com núcleos formados por petistas evangélicos, como a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).
O resultado é que, desde então, pouca coisa foi adiante. O projeto das viagens e os 6 mil contatos, segundo o pastor, não foram utilizados até hoje. “Esse era o antídoto. Se a campanha tivesse adotado esse projeto, teria evitado muita coisa que estamos vendo agora”, diz Schallenberger. Ele diz que não foi incluído na campanha como gostaria. Atribui isso à resistência dos petistas históricos – “sempre acham que quem tá chegando quer ocupar o espaço deles” – e a uma “guerrazinha” na equipe de comunicação da campanha, que até abril era chefiada por Franklin Martins, ex-ministro-chefe da Comunicação Social de Lula. Com a saída de Martins, o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) assumiu a função, junto com o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT-SP), e com ajuda do secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto. Desde então, segundo o pastor, o trabalho melhorou.
Quando diz que “muita coisa” poderia ter sido evitada, Schallenberger se refere ao que as pesquisas eleitorais mostraram nas últimas semanas: a pouco mais de um mês do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro abriu larga vantagem sobre Lula no eleitorado evangélico. Segundo o DataFolha, Bolsonaro tem 49% das intenções de voto entre os eleitores que se declaram evangélicos, contra 32% de Lula. São 17 pontos percentuais de diferença. Um mês antes, eram dez. Há três meses, os dois estavam tecnicamente empatados nesse recorte do eleitorado.
O crescimento de Bolsonaro entre os evangélicos não foi surpreendente, segundo Mauricio Moura, fundador do instituto IDEIA, que tem feito trackings diários para monitorar as movimentações do eleitorado. “A maior parte desses novos votos vieram de eleitores que rejeitam o PT e só não tinham ainda verbalizado o voto no Bolsonaro. Fora do antipetismo, o crescimento dele foi marginal”, diz Moura. Ou seja: Bolsonaro queimou a gordura que tinha no antipetismo. Além disso, a religião está longe de ser o único fator que determina o voto de um público tão grande e diverso. O Auxílio Brasil, que tem beneficiado principalmente mulheres pobres, maioria entre os evangélicos, pesou na mudança.
Mesmo assim, um sinal de alerta se acendeu no PT. Como o partido trabalha para vencer a eleição no primeiro turno, conter a sangria dos votos evangélicos pode ser importante. Há cerca de duas semanas, a campanha criou doze páginas nas redes sociais para se dirigir especificamente ao público evangélico. As ações têm o objetivo de diminuir a rejeição de Lula nesse grupo e, se possível, atrair os evangélicos que ainda não escolheram em que vão votar no primeiro turno. Segundo o último Datafolha, são 8% do total.
Embora ache que a reação ainda foi tímida até aqui, Schallenberger comemora o contra-ataque do PT. “O que não foi feito em dois anos nós fizemos nos últimos dez dias”, diz o pastor.
O antropólogo Juliano Spyer, estudioso do fenômeno evangélico no Brasil, lembra que dois conhecidos seus, pentecostais, moradores de periferia, tiveram a mesma reação quando o nome de Paulo Marcelo Schallenberger começou a pipocar na imprensa: “Nossa, o PT chamou um evangélico real!” A surpresa se deve ao fato de que, diferentemente de outros pastores progressistas, Schallenberger nunca circulou em ambientes da esquerda ou da intelectualidade. Pelo contrário. Fala, age e se veste como um típico líder pentecostal.
A novidade foi vista com bons olhos, pelo fato de as igrejas serem um terreno em que a direita circula com mais desenvoltura. A questão evangélica ainda é um assunto espinhoso para o PT, por geralmente vir associada a pautas conservadoras. Mas a discussão tende a se impor cada vez mais no partido. Segundo projeção feita em 2020, daqui a dez anos os evangélicos serão 40% dos brasileiros. A maioria deles são pentecostais, como Schallenberger. É um grupo enorme, formado majoritariamente por pobres e negros, e que nas pesquisas costuma mostrar maior rejeição ao PT.
Paranaense, Schallenberger congregou por mais de vinte anos na Assembleia de Deus de Foz do Iguaçu. Já pregou ao lado de figuras que hoje compõem as fileiras mais radicais do bolsonarismo, como o deputado federal Marco Feliciano (Pode-SP) e o pastor Silas Malafaia. De Feliciano, é amigo ainda hoje, apesar das diferenças políticas. No começo de 2019, se mudou para São Paulo com sua mulher, Bianca, que também é pastora e tem feito as vezes de assessora de imprensa do marido. Schallenberger tentou uma vaga na Câmara de Vereadores de São Paulo em 2020, mas não se elegeu. Hoje, é candidato a deputado federal pelo Solidariedade. Aproveitando a visibilidade que vem tendo, ele tem se apresentado na campanha como “o pastor do Lula”.
Tudo começou em meados do ano passado, quando Schallenberger decidiu que queria colaborar com a campanha do ex-presidente e ajudá-lo a diminuir a rejeição entre os pentecostais. Estava incomodado com a postura pró-Bolsonaro de líderes evangélicos na pandemia. “Passei a me considerar um antibolsonarista”, ele diz. Entrou em contato com o PT para tentar chegar até Lula, mas não teve sucesso. Recorreu então ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Conversou com Moisés Selerges, que pouco depois assumiria a presidência do sindicato, e Selerges se ofereceu para fazer o meio de campo. Antes do encontro em dezembro, o pastor conseguiu falar com Lula por telefone e se apresentar.
Numa entrevista ao Valor Econômico, em junho, Schallenberger afirmou que a eleição deste ano seria decidida pela economia, não pelas chamadas pautas de costume. “O ‘chão de fábrica’ dos evangélicos vai decidir o voto pela ‘vida normal’”, previu. A cúpula do PT faz a mesma leitura: entrar na disputa pelas pautas morais é jogar o jogo de Bolsonaro, que quer tirar o foco da inflação e da fome. Embora ainda pense assim, hoje o pastor avalia que o partido deveria ter feito acenos mais claros para engajar os evangélicos.
“Eu dizia: tem que dar um aceno. E o aceno tem que vir do presidente. Mas isso demorou muito”, lamenta o pastor. Falar só de economia não basta, em sua visão, porque “uma coisa é a lógica, outra é a fé”. Ele explica: “Infelizmente, com a maldade de alguns líderes, e com esse discurso de ‘bem contra o mal’ que o Bolsonaro faz, muitas vezes o irmão chega em casa, não tem pão, não tem leite, e ele pensa: ‘isso é uma provação que Deus tá me fazendo passar. Bolsonaro é o nosso Messias, Lula é o demônio.’ O cara consegue driblar a fome pela ideologia.”
Jilmar Tatto, secretário de Comunicação do PT, discorda da crítica de Schallenberger. Acha que Lula não precisa fazer acenos mais contundentes ao eleitor evangélico. As ações recentes do PT nas redes sociais, segundo ele, são apenas “uma vacina” para tentar conter as fake news espalhadas por bolsonaristas. “O evangélico faz parte do povo brasileiro como qualquer outro segmento. É pobre, é negro. A campanha tem que centrar na economia, não entrar nesse debate paralelo de Bolsonaro.” Na opinião de Tatto, as pesquisas têm sido lidas pelo prisma errado. A notícia, segundo ele, não está no crescimento recente de Bolsonaro, e sim no fato de ele ter menos apoiadores evangélicos hoje do que em 2018.
O petista disse que Schallenberger tem ajudado a campanha, mas em seguida completou: “O pastor pegou uma visibilidade muito grande, tirou foto com o Lula, é candidato a deputado e obviamente quer ter voto nesse segmento. Ele não fala em nome do PT.”
As doze páginas que a campanha de Lula criou nas redes sociais ainda têm alcance pequeno. Somadas, não chegavam a 2 mil seguidores nesta segunda-feira (29). Há dois tipos de páginas: “Evangélicos com Lula” e “Restitui Brasil”. Os perfis estão presentes no Facebook, Twitter, Instagram, Telegram, TikTok e Kwai. Nas páginas chamadas “Restitui Brasil”, as cores predominantes são azul e amarelo. Lula é pouco citado. Em vez disso, há uma profusão de provérbios bíblicos e frases como: “Não votamos em quem destrói nossas famílias e usa do Evangelho para querer armar o Brasil”; “Cristo veio para que tenhamos vida, e vida em abundância! É tempo de restituição!”; “Junte-se ao Exército da Mudança!”.
“Nós estamos falando numa linguagem mais ‘evangelista’ as coisas que estão acontecendo na economia, na questão social”, explica Benedita da Silva. “Se o Bolsonaro quer ganhar fazendo fake news de novo, dessa vez pelo menos ele vai encontrar obstáculo.”
A coligação de partidos que apoia Lula criou também um grupo de trabalho para discutir estratégias de comunicação para esse nicho. Schallenberger participa representando o Solidariedade. O pastor Henrique Vieira fala pelo Psol; Benedita da Silva, pelo PT. O grupo sugeriu a Lula que passe a usar termos próprios do universo evangélico, como “fariseu” e “falso profeta”, ao criticar Bolsonaro. A sugestão foi acatada algumas poucas vezes.
Schallenberger acha que não é o suficiente. “Agora tá faltando o quê? Botar pastores pra aparecer na campanha. Homens que sabem falar com o povo. O PT tem dezenas de núcleos evangélicos, mas só prega pra convertido”, argumenta o pastor. A questão não é só o conteúdo, mas a forma. “As fake news de que o Lula vai fechar igrejas tiveram milhões de tuítes. As respostas da campanha não foram adequadas naquele momento. Nós temos que falar com o evangélico numa linguagem que ele vai entender.”
Numa conversa com Geraldo Alckmin, duas semanas atrás, Schallenberger pediu ao ex-tucano que sugerisse a Lula um aceno aos evangélicos na entrevista que deu ao Jornal Nacional. Queria que o petista falasse em Deus ou que rebatesse as fake news espalhadas por bolsonaristas. Não se sabe se o recado chegou ao destinatário. Lula não fez o aceno.
Desde que conversou com Lula, em dezembro, o pastor tenta organizar um ato simbólico reunindo milhares de pastores não bolsonaristas em favor do petista. A ideia é aproximar a campanha principalmente dos pentecostais, que têm maior rejeição ao PT. Segundo ele, o presidente aceitou a ideia – o problema foi a agenda. Ele diz que agora o caminho começou a se destravar, e que o evento está sendo planejado para acontecer em setembro, na Casa de Portugal, no bairro da Liberdade, em São Paulo. “A ideia é trazer um cantor pentecostal e 2 mil pastores. Vamos colocar crente em tudo quanto é canto”, promete Schallenberger. Integrantes do PT não confirmam o plano do pastor. “Ele não me procurou para falar de absolutamente nada”, diz Benedita da Silva.
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