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    Marcha para Jesus em Balneário Camboriú Foto: Alan Santos/PR

questões de mídia e política

Religião e desinformação no centro da campanha eleitoral

Redes bolsonaristas começaram pautando o debate digital ao espalhar mentiras sobre fechamento de igrejas

Leonardo Barchini e Pedro Bruzzi | 19 ago 2022_14h00
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Especialistas em marketing político costumam dizer que a primeira batalha a ser vencida numa campanha eleitoral é a da “agenda”. Tentar influenciar o que vai tomar conta das discussões, beneficiando um ou outro candidato, é um desafio enorme para os estrategistas. A contar pelo que tem acontecido neste início da disputa pra valer, iniciada no dia 16 de agosto, os bolsonaristas podem ter algo a comemorar. 

O início do pagamento do Auxílio Brasil, no valor elevado por Bolsonaro a 600 reais, foi muito bem “defendido” por Lula (junto com seu novo fiel escudeiro na pauta, André Janones). As primeiras pesquisas mostraram efeito limitado desse benefício, em linha com o que a literatura da ciência política já apontou ao longo dos anos.

Mas Bolsonaro estaria mesmo tão confiante a ponto de apostar tudo no aumento do Auxílio para reverter as pesquisas? Todo o movimento bolsonarista indica que essa não é a única carta na manga da campanha do presidente. Nos últimos dias o maior esforço do bunker governista para tentar definir a “agenda” da campanha se deu no (manjado) campo dos costumes, em especial da religião. Mais especificamente junto ao público evangélico.

A primeira fake news da campanha abordou um tema já explorado à exaustão em outras eleições por outros candidatos e partidos, e que toca diretamente um dos principais públicos-alvo da campanha bolsonarista. Na busca por reverter os votos necessários para que a contenda não se defina no primeiro turno, o recado direto aos evangélicos é: “o PT vai fechar igrejas.”

https://bit.ly/3QAGKan 

E a construção – ou reconstrução – dessa fake seguiu todos os passos do “manual” de produção desse tipo de boato. Foi um processo de várias etapas (multi-step process), que se utilizou de outros conteúdos, outros boatos anteriores para formar uma história que soasse “plausível” ao público-alvo. 

A máquina bolsonarista, tão decisiva em 2018, se mostrou azeitada e pronta para o novo embate. Influenciadores ativos postando conteúdos correlatos, portais de notícias simpáticos ao governo com matérias distorcidas e, principalmente, uma avalanche de mensagens nos grupos de Whatsapp e Telegram disseminaram um conteúdo que assustou o lado petista – que passou também os últimos dias tendo que se explicar.

Dias atrás surgiu brevemente no Twitter uma discussão feita por perfis bolsonaristas sobre suposto fechamento de igrejas na Nicarágua, pelo governo de Ortega. O tema, contudo, não ganhou tração e arrefeceu. Após a investida na pauta e a preparação do ambiente, voltou-se ao assunto com força total, buscando associar o PT ao governo nicaraguense. 

 

Volume de menções sobre Igreja e Nicarágua no Twitter 

em agosto de 2022

O processo foi tão bem-sucedido que, nos últimos dias, as discussões sobre o Auxílio Brasil ficaram aquém do esperado. Também pouco se falou das investidas de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas ou do preço do litro de leite, que já superou o da gasolina em alguns estados. Além das campanhas bolsonarista e lulista, a grande imprensa e analistas políticos, empurrados por algumas informações que parecem ter sido plantadas estrategicamente nos últimos dias, deram às redes uma profusão de conteúdo sobre a suposta intenção de fechamento das igrejas pelo PT.

 

Como resultado, no 16 de agosto, primeiro dia oficial da campanha eleitoral, foi registrado um pico de menções à palavra Igreja no Twitter, o segundo maior desde o início do ano, somando aproximadamente 69 mil posts. O primeiro, em fevereiro, foi sobre a polêmica em torno do vereador Renato Freitas (PT), que fez um protesto dentro de uma igreja em Curitiba.

 

Volume de menções sobre Igreja no Twitter em 2022

Considerando os dois primeiros dias da campanha (16 e 17), foram 108 mil publicações, e o grafo abaixo evidencia a prevalência de bolsonaristas na pauta. O agrupamento concentrou 65,5% dos perfis que publicaram sobre o tema, com o perfil de Bolsonaro em destaque, mas também contando com a participação de outros influenciadores como Kim Paim e o pastor e candidato à reeleição para o cargo de deputado federal por São Paulo Marco Feliciano (PL). Já no campo lulista (34,4% dos perfis), o ex-presidente foi destaque, contudo contou com pouco auxílio de perfis influentes ao seu lado.

 

Grafo de menções sobre Igreja no Twitter 

Entre 16 e 17 de agosto

Os primeiros dias de campanha sugerem que haverá um movimento semelhante ao de 2018. Agora incumbente, Bolsonaro bem que tentou, mas até agora não conseguiu convencer a população de que a economia vai bem, que o governo conduziu corretamente o enfrentamento à pandemia, ou mesmo que os inquilinos do Planalto vão manter em 2023 o Auxilio Brasil – que ele costumava chamar de Bolsa Farelo. A pauta anticorrupção também ficou mais distante para os governistas, por motivos que vão desde a interferência na PF para proteger os filhos até o escambo de barras de ouro por pastores indicados pelo presidente, segundo o então ministro da Educação Milton Ribeiro.

Restou apelar para o conservadorismo e para um público que, diga-se, obteve muita atenção de Bolsonaro desde o início do mandato: os evangélicos neopentecostais (e os pastores). 

Uma fake news de sucesso precisa parecer crível ao seu público-alvo, precisa ter um fundo de verdade, algum lastro na realidade. Mesmo que depois a história decorra para uma ficção inimaginável. Em 2018, a proliferação de mensagens sobre a famosa “mamadeira de piroca” só foi possível por conta de tudo o que foi “construído” anteriormente, em torno do suposto kit de combate à homofobia que, diga-se, nunca foi distribuído nas escolas pelo governo petista. Mas Bolsonaro apareceu numa entrevista no Jornal Nacional com um “livrinho” na mão e disse que aquilo que os petistas diziam não existir na verdade existia e que estava nas bibliotecas escolares, mostrando o livro. 

A campanha está só começando… 

O que usa de engano não ficará dentro da minha casa; o que fala mentiras não estará firme perante os meus olhos.”

Salmos 101:7