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    Lira em Alagoas - Foto: redes sociais

questões da política

O strike de Lira

Câmara viveu dias de circo com Daniel Silveira, mas o presidente da Casa não saiu de Maceió para costurar uma aliança que deixa cinco legendas sujeitas às suas vontades

Thais Bilenky | 06 abr 2022_09h39
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O deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) levou seu colchão e travesseiro – e, claro, alguém para fotografá-lo devidamente trajado para o espetáculo. Dormiu no gabinete de terça para quarta-feira passada para impedir que uma ordem judicial fosse cumprida e que recolocassem nele a tornozeleira eletrônica. A quarta-feira foi agitada em Brasília. Silveira se refugiou no plenário alegando que era inviolável, e a Polícia Federal, já nas dependências da Casa, ficou no constrangimento de estar diante do réu, sem poder agir.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), soltou notas, condenou o “uso midiático” da Câmara e driblou a base bolsonarista, unida para tentar derrubar processo a que o deputado responde no Supremo Tribunal Federal por incitar atos antidemocráticos e ameaçar instituições. Os bolsonaristas tinham maioria, mas Lira não queria se indispor com Alexandre de Moraes, relator do caso, e com os demais ministros do STF. Percebendo a delicadeza da situação, mandou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), voar de Manaus para Brasília às pressas. 

Ele próprio, contudo, não arredou o pé de Alagoas. Tinha coisa mais importante para cuidar em sua terra.

Na última semana de janela partidária, que acabou no sábado, dia 2, Lira conseguiu formar em seu estado um desenho partidário que lhe garante influir em pelo menos cinco legendas e une improváveis atores políticos num arco de alianças para isolar o PT do ex-presidente Lula e o MDB do senador Renan Calheiros. 

Numa costura negociada com afinco, o senador Rodrigo Cunha deixou o PSDB, legenda que ele controlava em Alagoas, para se filiar ao União Brasil e se lançar candidato a governador. A chegada de Cunha afastou dirigentes tradicionais do DEM (agora UB) no estado, o que só foi possível com uma carteirada de Lira. O presidente da Câmara acionou um de seus principais aliados em Brasília, o deputado Cacá Leão, do PP da Bahia, e condicionou o apoio do PP ao UB baiano à aliança em Alagoas. Secretário-geral do UB, ACM Neto é candidato a governador da Bahia, e tirar o PP da chapa do PT coroou seu favoritismo. 

 

O movimento de Lira em Alagoas transformou o PSDB local em mero apêndice do presidente da Câmara – dos dois deputados federais tucanos de Alagoas, uma saiu da legenda (a deputada federal Tereza Nelma foi para o PSD), e o outro, Pedro Vilela, é bolsonarista. “O senador representou uma expectativa de renovação política. No entanto, cada vez mais, segue um caminho conservador. Vou continuar fiel à minha luta pelo emprego, contra a violência, o racismo, a discriminação, o machismo, pela valorização das mulheres e a inclusão social”, criticou Nelma.

Para não gerar revolta no que sobrou de PSDB em Alagoas, Lira retribuiu com a filiação de sua prima Jó Pereira, deputada estadual que era do MDB, e agora deve ser candidata a vice na chapa de Rodrigo Cunha. Procurado, o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, não retornou. 

Caso se licencie do Senado, Cunha dará lugar à sua primeira suplente, que é a mãe de João Henrique Caldas, o JHC, prefeito de Maceió pelo PSB e liderança política em ascensão no estado. Lira amarra, assim, o PSB ao palanque simpático a Jair Bolsonaro em Alagoas, a despeito da oposição da legenda a nível nacional ao presidente da República. De quebra, leva junto o PDT do vice-prefeito Ronaldo Lessa, aliado de primeira hora de JHC, que tem dito a seus interlocutores que não criará constrangimentos à aliança recém-formada. À piauí, Lessa diz que faz campanha por Ciro Gomes, mas não nega a prevalência de sua relação com JHC na realpolitik alagoana.

 

Outra jogada de Lira mostra como ele atua em benefício de seus próprios interesses, e não dos de Jair Bolsonaro. Nesta última semana, ele tirou o PL da órbita dos Calheiros em Alagoas. Após a filiação do presidente Jair Bolsonaro à legenda, em novembro passado, o ex-ministro Maurício Quintella, que era um dos principais políticos da legenda no estado e secretário de Renan Filho no governo, desfiliou-se. Agora, na janela partidária, foi o deputado federal Sergio Toledo quem saiu, abrindo espaço para Lira colocar aliados sem expressão na sigla – um vereador e um deputado estadual assumem junto com um assessor de gabinete do presidente da Câmara. 

Lira vetou a filiação do senador Fernando Collor ao PL, por ressentimentos de campanhas passadas, acabando com a chance de o partido ter um palanque próprio com visibilidade para Bolsonaro em Alagoas. Os novos filiados podem ou lançar uma chapa pouco competitiva ou apoiar Rodrigo Cunha, que não vai fazer campanha explícita para Bolsonaro por seu desgaste em todo o Nordeste e deve procurar esconder Lira, igualmente rejeitado no chamado “voto de opinião”. 

Forma-se assim uma base liderada por Lira e o seu PP composta pelo PSDB, UB, PSB, PDT e PL. “Todo mundo contra Renan”, comenta Pedro Vilela, o deputado federal tucano. “É uma frente ampla contra o MDB e o PT.” 

Mais do que isso, é uma das jogadas de Lira para reorganizar o tabuleiro político no estado e desbancar os Calheiros. Seus aliados não fazem mistério quanto a esse objetivo. “Seu plano é se eleger senador em 2026 na vaga de Renan. Lira tem força muito grande em Alagoas hoje, deve ser o deputado federal mais votado nesta eleição. É natural, ele está reorganizando o palanque”, diz Vilela. A eleição de 2026 renovará duas cadeiras ao Senado, mas a intenção de Lira é ocupar uma e eleger um aliado para a outra, derrotando Calheiros.

Pré-candidato a governador, o ex-prefeito de Maceió Rui Palmeira, do PSD, diz que Lira tentou convencê-lo a migrar para o União Brasil, mas recusou por lealdade a Gilberto Kassab, presidente nacional de seu partido. Fez o mesmo com JHC, atual prefeito, que não quis deixar o mandato precocemente. Sua terceira opção foi Rodrigo Cunha, e desta vez funcionou. “Lira sai forte dessa janela partidária”, reconhece Palmeira. “Ele filiou muitos candidatos fortes no União Brasil e no PP. Mas o seu futuro ainda depende de muitas variáveis.” Os Calheiros conseguiram manter alguns dos seus quadros que Lira tentava atrair e são bons de voto. “É uma guerra que ainda não acabou.”

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