Foto: Divulgação
O Vazio e a Plenitude em Dias Perfeitos
O longa dirigido por Win Wenders está em cartaz nos cinemas brasileiros
Ma (間) é uma palavra japonesa que se refere aos entre-espaços, aos intervalos, a uma concepção de vazio que se distingue do “nada” por ser o lugar onde tudo acontece. A palavra não tem tradução para o português, mas consegue ser muito bem representada por Dias perfeitos, filme dirigido por Wim Wenders que chegou aos cinemas brasileiros em 29 de fevereiro de 2024, e recentemente concorreu ao prêmio de melhor filme internacional na 96ª edição do Oscar, sob a inscrição do Japão.
Sem grandes pretensões narrativas, Dias perfeitos é uma ode ao banal. Em grande parte das 2 horas e 3 minutos do longa – que passam como num piscar de olhos –, acompanhamos Hirayama (Koji Yakusho), um homem de meia-idade em sua rotina como limpador de banheiros em Tóquio. Com ele acordamos, aguamos as plantas, tomamos café, escolhemos a trilha do dia, vamos ao trabalho e também descansamos. Na intimidade da repetição, o filme acaba por selar uma amizade entre o espectador e Hirayama. Não sabemos exatamente para onde ele vai, não sabemos exatamente o que ele pensa ou sente, mas sentimos com ele, vivemos com ele e sonhamos também juntos.
O tom de repetição e observação constante pode ser um desafio para uma audiência acostumada a montagens mais ativas, mas Dias perfeitos dribla perfeitamente o tédio – da narrativa e da rotina. Koji Yakusho entrega uma atuação irretocável de alguém que ousa ser modesto na loucura urbana de Tóquio. Essa modéstia transparece na relação leve com a literatura, a música, a fotografia e, claro, com as outras poucas pessoas do círculo de Hirayama. Embora esteja frequentemente só, ele não transparece solidão, está sempre compartilhando sua vida, seu tempo e seus hobbies com outros rostos anônimos que moldam seu cotidiano.
Yakusho emana uma presença inimitável – quase sem tecer diálogos no filme, ele conquistou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes 2023. Mas o longa funciona tão bem por uma soma de elementos. A fotografia de Franz Lustig usa das repetições que precisa, mas também inventa novos ângulos para não ser engolido pela mesmice. Takuma Takasaki, produtor do filme e também co-roteirista com Wenders, encanta com as locações escolhidas – tantas vezes em lugares que pareceriam banais à primeira vista, mas que têm algo de extraordinário. Como Hirayama, que recusa parte de seu passado e reluta em pensar no futuro iminente (“agora é agora”), o filme brinca com a certeza de que o vazio é a única constante sem sucumbir a qualquer tipo de fatalismo.
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