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questões do futebol

Obedece quem tem juízo

| 22 set 2014_19h07
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“O que Emerson Sheik falou foi exatamente o que eu penso e o que pensa a imensa maioria das pessoas que acompanha futebol no Brasil. A CBF é uma vergonha. Ver-go-nha. Uma entidade trancada a sete chaves e retrógrada, que representa o avesso de um esporte que se fez tão popular sobretudo por seu caráter democrático. Que não tem competência para montar um Campeonato Brasileiro decente. Que humilha clubes e desrespeita torcedores, ao não interromper as competições quando há partidas oficiais da seleção. Que não exige gramados adequados à prática do jogo. Que não consegue enquadrar sua comissão de arbitragem e tornar minimamente aceitável o nível técnico dos juízes, o que faz com que a gente passe mais tempo falando de pênaltis inexistentes do que de belos gols, dribles ou lançamentos. Que permite a transferência de locais das partidas, ignorando o princípio da igualdade essencial à competição – enfrentar o Goiás como mandante no Serra Dourada é uma coisa, na Arena Pantanal é outra. Que baixa a cabeça diante da imposição televisiva de se realizar jogos às 22 horas. Que se recusa a explicar por que Maicon foi cortado da seleção e, absurdo dos absurdos, pede aos jornalistas que não façam perguntas a respeito, lembrando um dos ministros da Justiça dos tempos de ditadura que a tudo respondia com um sinistro ”

Tirando a parte referente ao horário dos jogos, por motivos óbvios, e a que relembra Armando Falcão – seria pedir demais –, essa poderia ter sido a resposta de Caio Ribeiro, quarta-feira passada, quando Cléber Machado quis saber o que ele achava das palavras de Emerson Sheik, depois de ser expulso na partida entre Botafogo e Bahia no Maracanã.

Mas não.

Caio condenou Emerson e disse que “precisa ter respeito à hierarquia, por mais que você não concorde.”

O jogador de futebol Caio teve uma trajetória pouco comum. Apareceu bem no São Paulo, foi convocado para seleções de base, mas acabou se revelando uma mentira e, embora sempre descolando contratos em grandes clubes, como Inter de Milão, Santos, Flamengo, Fluminense, Grêmio e Botafogo, jamais chegou perto do que se imaginou que seria. Guardadas as necessárias proporções, uma espécie de sub-Alexandre Pato dos anos noventa. Curioso é que, toda vez que se falava de Caio, lá vinha a cantilena: nascido numa família de classe média alta de São Paulo, morador de bairro chique, criado à base de leite com pera, frequentou bons colégios, etc. e tal. Como se isso fosse suficiente para fazer de alguém um bom atacante.

Ao se transformar em comentarista de tevê, Caio virou Caio Ribeiro. No futebol brasileiro, costumamos chamar os jogadores que passam a ser técnicos ou comentaristas também pelo sobrenome, porque, como todos já aprendemos, treinadores e analistas são muito mais importantes do que os que jogam e decidem. Porém, pouca coisa mudou e Caio Ribeiro se mostrou um comentarista tão abúlico quanto o jogador que tinha sido.

Entretanto, há mais coisas entre o céu e a terra, como bem nos ensinou a citação shakespeareana. Semana passada, sites e blogs de propaganda divulgaram que a Globo acabara de comercializar suas seis cotas de patrocínio para o futebol em 2015. Cada cota saiu por 225 milhões de reais. Ninguém precisa ser um Artur Avila – basta uma calculadora – para chegar ao valor anual da bolada: 1,35 bilhão de reais. Seria ingenuidade esperar, dos narradores e comentaristas da emissora, críticas contundentes em relação a qualquer coisa que envolva o futebol brasileiro. “Olha, caro telespectador, tirando raríssimos jogos, o campeonato está uma bosta. Domingo que vem, não perca seu tempo: vá pegar um cineminha na sessão das quatro, que é mais vazia, ou então leve as crianças para aproveitar o começo de primavera no parque.” E como ficam os seis anunciantes que pagaram uma fortuna? Será que vão gostar? Esse talvez seja o maior problema das transmissões de futebol na Globo: a sensação de estarmos diante de uma bem treinada equipe de marketing, e não de jornalismo esportivo.

Ainda assim, não há justificativa para a declaração de Caio Ribeiro. Não acredito, por exemplo, que diante da situação criada por Emerson Sheik, Casagrande reagisse da mesma forma. Respeitar a hierarquia e os interesses do patrão não há de ser tudo na vida, e é bom saber como certas pessoas se posicionam em relação às diversas questões que as cercam.

Caio Ribeiro deixou claro que prefere não mexer com quem manda. 

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