O papel da elite de combate do Exército nas maquinações golpistas
Allan de Abreu | 06 jun 2023_14h15
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O assessor da Secretaria-Geral da Presidência da República, Mario Fernandes, general da reserva do Exército, estava indignado com a derrota de Jair Bolsonaro na eleição. Em meados de novembro, quando centenas de bolsonaristas clamavam por um golpe reunidos em frente aos quartéis pelo país afora, Fernandes decidiu fazer uma conclamação. No grupo de WhatsApp que reunia colegas militares, mandou uma carta endereçada ao então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, que não estava no grupo, mas recebera a mensagem do próprio Fernandes minutos antes. Ele escreveu:
– É agora ou nunca mais, comandante, temos que agir! E não existe motivação maior do que a proteção e o futuro desta grande nação e de seus filhos… Os nossos filhos!
A ação que o general pedia era um “evento disparador” capaz de deflagrar a virada de mesa. Ele não diz com todas as letras o que vinha a ser o tal evento, mas explica que deveria ocorrer “a partir da ação das forças de segurança contra as massas populares, com o uso de artefatos como gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral” e, em seguida, dá sugestões de local. “Tudo isso bem próximo ou em nossas áreas militares!” No Brasil, não é raro aparecer generais de pijama, como são chamados os aposentados que não têm comando de nada, desfraldando bandeiras golpistas, com uma verve meio amalucada.
O apelo de Mario Fernandes, no entanto, recorria a um elo comum: ele e o então comandante são “kids pretos”, o apelido dado aos especialistas em operações especiais do Exército, que são altamente treinados, entre outras técnicas, em ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular – as chamadas “operações de guerra irregular”. Os kids pretos são, também, chamados de “forças especiais”. Eles compõem a elite de combate do Exército. Em sua mensagem, Fernandes sempre se refere a Freire Gomes como comandante, em letras maiúsculas. Mas, no final do texto, reforçando a camaradagem, chama-o de kid preto, também com maiúsculas.
Bolsonaro e o general Mario Fernandes, um dos kids pretos – Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Essa turma forma o grupo preferido de Bolsonaro na corporação. Nos tempos de Academia Militar das Agulhas Negra (Aman), Bolsonaro queria ser um força especial, também conhecidos como FE. Fez o curso de paraquedismo, a primeira etapa da formação, e submeteu-se à prova de ingresso duas vezes – foi reprovado em ambas. Três décadas depois de amargar uma expulsão branca do Exército, em razão de ter planejado um atentado a bomba no sistema de abastecimento de água do Rio, Bolsonaro chegou ao poder em Brasília e cercou-se dos kids pretos – única força em que Bolsonaro dizia confiar plenamente.
Um deles era o general Luiz Eduardo Ramos, que foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência e, também, da Casa Civil. Outro era o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro que se encontra preso e, certamente, é o militar mais enrolado nas falcatruas do governo, do contrabando das joias sauditas à falsificação da carteira de vacinação contra a Covid, passando por toda sorte de manipulação com dinheiro vivo dentro do palácio. (Na operação pega-joia, houve o envolvimento de outros dois kids pretos: Cleiton Henrique Holzschuk, que tentou registrar as joias como bem privado de Bolsonaro, e Marcelo da Costa Câmara, que gerenciava o acervo particular do ex-presidente.)
Em quatro anos, a gestão de Bolsonaro convocou pelo menos 26 kids pretos. Além do general Ramos e do coronel Cid, nomeou o general Eduardo Pazuello, que fez a desastrosa gestão do Ministério da Saúde na pandemia. Seu principal auxiliar era o coronel Elcio Franco Filho, outro kid preto. O coronel ficou conhecido por não ter respondido ao e-mail da Pfizer oferecendo vacinas ao Brasil, depois por ter autorizado a compra de vacina superfaturada e, mais recentemente, por aparecer num áudio em que se discutia a mobilização de 1,5 mil soldados para dar um golpe e devolver o poder a Bolsonaro.
Mesmo antes da vitória de Bolsonaro, os kids pretos sabiam da predileção pelo grupo e já tinham planos de tutelá-lo. Em março de 2018, por exemplo, o general Luiz Eduardo Ramos participava de um jantar com outros militares brasileiros quando resolveu telefonar para o então deputado federal Jair Bolsonaro. Depois de uma rápida conversa, cujo conteúdo a piauí desconhece, Ramos desligou o telefone e confidenciou aos presentes: “Estão vendo? Esse cara está nas nossas mãos. Se ele for eleito, a gente vai governar por ele.” Coube ao general Ramos a articulação para que Bolsonaro colocasse no comando do Exército o general Freire Gomes, outro kid preto.