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Os passarinhos do Garrincha e o galo do Bernardo

Foi preciso temer que o São Paulo ressuscitasse nas oitavas de final. Foi preciso viver quartas de final dignas de realismo fantástico com o Tijuana, com um pênalti defendido no último minuto. Foi preciso correr atrás de uma derrota de 2x0 para os campeões argentinos, com mais um gol nos minutos finais e uma disputa de pênaltis para quem tem coração forte (três infartos registrados naquela noite, e isso só no Independência). E foi preciso repetir o feito na final, depois de tomar um gol traiçoeiro no último minuto no Defensores del Chaco.

| 25 jul 2013_12h18
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Garrincha tinha um joelho para dentro e outro para fora. Uma de suas pernas era seis centímetros maior que a outra. Convivia com um deslocamento crônico na bacia. Era um cara torto. Em tese, seria impossível para alguém com aquelas características físicas participar de qualquer partida de futebol – nem que fosse uma pelada no pequeno município de Pau Grande. Mas Garrincha não apenas participava como foi um dos maiores de todos os tempos. Nos jogos contra o Flamengo, quando a bola estava lá do outro lado do campo, Garrincha encostava no lateral rubro-negro Jordan, de quem apanhava muito, e eles conversavam sobre passarinhos – paixão de ambos. Garrincha é a prova maior de que o futebol jamais poderá ser explicado pela ciência. Por isso, Bernardo Esteves, repórter da responsável pelo blog Questões da Ciência, autor do livro Domingo é dia de ciência e atleticano até o último fio de cabelo, deixa a ciência um tantinho de lado e invade o nosso Questões do Futebol, para contar pra gente tudo o que seu alvinegro coração sentiu ontem. Com a palavra, de faixa no peito e alma lavada, um irresistivelmente feliz campeão da Libertadores da América de 2013.

Questão de fé

É sintomático que a campanha atleticana na fase final da Libertadores tenha sido embalada pelo mantra "Eu acredito". O canto ganhou força quando caiu a luz no Independência no segundo tempo da semifinal (a interrupção providencial talvez seja um sinal de amadurecimento copeiro da equipe). Foi repetido à exaustão na semana que precedeu a final, nas ruas e nas redes. Ontem, foi o que mais se ouviu nas arquibancadas do Mineirão.

Talvez fosse mesmo uma questão de fé, que cada torcedor professava a seu modo. Sentada a poucas cadeiras de mim, uma senhora apreensiva passou o jogo revirando as contas de um terço, que ela só tirou das mãos para fumar. Mais tarde, um amigo ateu e cético fez questão de revirar o bolso para mostrar duas santinhas que uma paciente havia lhe dado pela manhã, o que ele tomou como sinal inequívoco de que o Galo seria campeão.

Era preciso mesmo algum tipo de confiança. Afinal, o roteiro que estava escrito até o pontapé inicial da partida de ontem admitia dois finais, ambos igualmente verossímeis. Bastava que o time perdesse dois pênaltis e eu estaria escrevendo aqui a crônica renovada de um time com dificuldade patológica de ganhar. Seria a renovação da morte na praia que os atleticanos calejados nos cansamos de ver, só que agora com caráter épico.

Ao final do primeiro tempo tudo indicava que o desfecho seria esse mais uma vez. O gol de Jô no início da etapa complementar não bastava, e a euforia não tardou em se converter em mais nervosismo e na convicção de que aconteceria de novo.

Mas os caprichos da bola quiseram dar final feliz ao roteiro. Porque tinha que ser do jeito mais sofrido. Porque estávamos cutucando um monstro imenso, enfrentando um trauma de 42 anos sem títulos expressivos — muitos que estavam ontem no Mineirão sequer tinham nascido quando o Galo levou o Brasileiro de 1971.

Foi preciso temer que o São Paulo ressuscitasse nas oitavas de final. Foi preciso viver quartas de final dignas de realismo fantástico com o Tijuana, com um pênalti defendido no último minuto. Foi preciso correr atrás de uma derrota de 2×0 para os campeões argentinos, com mais um gol nos minutos finais e uma disputa de pênaltis para quem tem coração forte (três infartos registrados naquela noite, e isso só no Independência). E foi preciso repetir o feito na final, depois de tomar um gol traiçoeiro no último minuto no Defensores del Chaco.

Daí talvez a reação paradoxal de dois torcedores se abraçando quando saiu o gol suado de Leo Silva aos 41 do segundo tempo que levaria o jogo à prorrogação: "Eu não acredito! Eu não acredito!"

BH não dormiu na noite que passou — a metade alvinegra comemorou, a metade de azul e branco não pregou os olhos com as buzinas e foguetes que ecoaram pelo menos até as seis da manhã. Se a torcida do Galo já era chata sem título, imagina com a Copa.

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