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Por que a Libertadores mexe tanto com os nervos do futebol brasileiro?

O respeitável cidadão que aparece sem camisa nessa foto, na cabine da rádio Transamérica, no Maracanã, foi e será, para todo o sempre, um dos maiores meio-campistas do futebol mundial. Nascido e criado na deliciosa cidade de Niterói, onde desenvolve um trabalho social bem bacana no Instituto Canhotinha de Ouro, Gérson jogou no Canto do Rio, Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense. Pois este senhor de 73 anos, que nunca escondeu de ninguém ser torcedor do Fluminense, se empolgou, explodiu de alegria e festejou au grand complet o terceiro gol de Wallyson na partida com o Deportivo Quito, que garantiu a classificação do Botafogo para a fase de grupos da Libertadores.

| 10 fev 2014_12h17
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O respeitável cidadão que aparece sem camisa nessa foto, na cabine da rádio Transamérica, no Maracanã, foi e será, para todo o sempre, um dos maiores meio-campistas do futebol mundial. Nascido e criado na deliciosa cidade de Niterói, onde desenvolve um trabalho social bem bacana no Instituto Canhotinha de Ouro, Gérson jogou no Canto do Rio, Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense. Fez um dos gols mais importantes da história do futebol brasileiro, quando o placar era um a um e chegávamos à metade do segundo tempo na decisão da Copa de 70 contra a Itália. Comandou uma das mais espetaculares exibições já vistas no Maraca, em 7 de agosto de 1968, dia em que o Botafogo – vestindo a camisa da seleção brasileira e reforçado pelo goleiro Félix, do Fluminense, o zagueiro Brito e o ponta-direita Nado, ambos do Vasco – chocolatou a seleção argentina por quatro a um, com direito a um olé que durou quase 3 minutos, teve mais de 50 toques na bola e só terminou com o gol de Jairzinho. Pois este senhor de 73 anos, que nunca escondeu de ninguém ser torcedor do Fluminense, se empolgou, explodiu de alegria e festejou o terceiro gol de Wallyson na partida com o Deportivo Quito, que garantiu a classificação do Botafogo para a fase de grupos da Libertadores.

Depois de falarmos um pouco do grande Gérson, cuidemos do valoroso Deportivo Quito. Trata-se de um time que, se disputasse o campeonato estadual do Rio de Janeiro, certamente estaria brigando com Audax e Duque de Caxias para fugir do rebaixamento. Um goleiro que chega a ser engraçado de tão ruim, zaga padrão bate-cabeça, meio-campo que só defende, ataque que sobrevive de bolas lançadas aleatoriamente para a área adversária. Entretanto, se o Botafogo, o Atlético Mineiro, o São Paulo, o Grêmio, se qualquer um dos grandes times brasileiros enfrentar o Deportivo Quito pela Libertadores, a partida adquire tal dramaticidade e os jogadores dos nossos clubes ficam tão tensos, que pode acontecer de tudo.

Por que será que a Libertadores mexeu tanto com o Gérson e mexe tanto com a gente? Por que será que ela conseguiu fazer a torcida do Botafogo – frequentemente acusada de não ir ao estádio – levar mais gente ao Maraca na última quarta-feira do que o poderoso Barcelona, no mesmo dia, ao Camp Nou, na vitória sobre o Real Sociedad pelas semifinais da Copa d’El Rey?

Pra mim e pra minha geração, isso é um completo mistério, já que não fomos educados à base de Libertadores. Se havia um Flamengo e Vasco no domingo e qualquer um dos dois tivesse compromisso pela Libertadores na quarta, sequer se considerava a hipótese de poupar jogadores no clássico carioca. Entrava-se completo no domingo e jogava-se a Libertadores do jeito que desse.

É um torneio tão esquisitão que já teve time classificado pelo critério da gripe suína: em 2009 os mexicanos Chivas Guadalara e San Luis foram impedidos de jogar em casa pelas oitavas de final, devido à questão sanitária, e desistiram da competição; no ano seguinte, numa espécie de compensação, os dois foram convidados a aterrissar diretamente nas oitavas. Mais: há jogos disputados em campos de grama sintética; há estádios capazes de fazer qualquer cidadão sulsancaetanense se orgulhar do Anacleto Campanella; e há o repetitivo e insuportável discurso que toma conta da mídia.

Sempre que chega essa época do ano, meu irmão Mário – mais um da família que recusou a felicidade e escolheu torcer pelo Fluminense – costuma reclamar: “Pronto. Vai começar essa encheção de saco dos estádios da Libertadores, as arbitragens da Libertadores, o jeito de bater lateral na Libertadores, o tiro de meta da Libertadores.” Mário tem razão: parece que falamos de outro esporte. Creio, inclusive, que esse é um dos motivos que explicam a supremacia dos clubes argentinos, que têm 22 títulos contra 17 dos nossos.

Demoramos muito para começar a dar bola para a Libertadores. Íamos lá, disputávamos, apanhávamos, etc., mas só acordávamos para o torneio quando nosso clube chegava à semifinal, e aí pensávamos: não é que podemos ganhar essa joça? No entanto, a partir do momento em que a Libertadores virou o sonho de consumo de doze entre doze grandes clubes brasileiros, passamos a disputá-la com uma reverência excessiva, uma temência quase religiosa, praticamente igualando-a à Copa do Mundo, enquanto os argentinos sempre a encararam como se fosse um torneio a mais. Mostram garra, brigam e se entregam, mesmo porque não enxergam o futebol de outro jeito, mas entram em campo e jogam o jogo.

Durante muito tempo impliquei com a Libertadores, do mesmo modo que implico com campeonatos mundiais de beach soccer, mas capitulei. É uma competição nervosa, envolvente e repleta de surpresas. Porém, vamos combinar que é no mínimo estranho um torneio que já foi vencido pelo Once Caldas, pela LDU, e no qual nenhum clube brasileiro tem mais títulos que o Olimpia do Paraguai.

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