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    FOTO: EDILSON RODRIGUES_AGÊNCIA SENADO

questões da política

Precisamos falar sobre a moratória

Quem acompanha o debate econômico no Brasil começou a perceber uma inflexão no discurso dos analistas mais críticos ao governo de Dilma Rousseff

Malu Gaspar | 18 fev 2016_16h30
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Quem acompanha o debate econômico no Brasil começou a perceber uma inflexão no discurso dos analistas mais críticos ao governo de Dilma Rousseff. Desastre fiscal, dívida explosiva, destruição de valor e até um alçapão que nos espera debaixo do fundo do poço passaram a compor o repertório da crise. A expressão ainda oculta nesse caldeirão de jargões econômicos é… moratória. Em última análise, é esse o temor dos economistas que falam em dívida insustentável. A questão é que, no Brasil, falar em moratória ainda é mais ou menos como evocar o Voldemort de Harry Potter – aquele-que-não-deve-ser-nomeado, para que não apareça por aí assombrando todo mundo. Não custa lembrar que as palavras ainda não adquiriram o condão de alterar a realidade.

Segundo os dicionários econômicos, a moratória se dá quando um devedor posterga o pagamento de uma dívida ou obrigação, de forma negociada ou unilateral. O Brasil já fez duas no passado recente – uma em 1987, sobre a dívida externa, e outra em 1990, sobre a dívida interna, quando Collor confiscou a poupança. E já está acontecendo em pelo menos dez estados, alguns dos quais importantes, como Rio de Janeiro, Minas Gerais ou Rio Grande do Sul, que deixaram de pagar o funcionalismo e/ou  confiscaram depósitos judiciais – e agora tentam conseguir mais dinheiro com a União.

No caso do governo federal, quem olha os indicadores sente calafrios. A dívida, que hoje corresponde a 66% do PIB, não pára de crescer e, segundo as estimativas mais confiáveis, chegará a mais de 80% do PIB até 2018.  Não haveria grande problema no fato de o Brasil ter uma dívida tão alta se não fossem os juros. Os Estados Unidos devem perto de 100% do PIB e o Japão, 245%, e ninguém está muito preocupado. Acontece que esses países tem juros próximos de zero ou negativos, e os juros brasileiros são de 14,25% ao ano (ou 7%, descontada a inflação), o que faz a brincadeira ficar muito cara.

Cara e complicada de gerenciar.  Só de juros, o governo deve pagar neste ano algo como 400 bilhões de reais. Os títulos que vencem até dezembro vão exigir do Tesouro mais 602 bilhões em 2016.  O trilhão que resulta da soma dessas duas parcelas é equivalente  a tudo o que o governo arrecada de impostos e contribuições em um ano, de modo que o Brasil não pode pagar – e não paga – a dívida toda de uma só vez. Entra aí a famosa rolagem – quando o Banco Central troca papéis que vencem em prazo curto por outros, com vencimento mais longo. O BC também vende títulos aos outros bancos com a obrigação de recomprá-los em uma data determinada antes do vencimento, pagando juros de mercado. De troca em troca, vai manobrando os vencimentos dos papéis e os juros para não deixar a situação descarrilar. Quando a confiança no governo é grande, quem compra o título concorda em esperar mais e pagar menos juros. Do contrário, os prazos diminuem e os juros aumentam.  Em 2007, mais da metade dessas negociações, chamadas tecnicamente de “operações compromissadas”, tinham prazo máximo superior a três meses. Agora, 80% dessas operações vencem num período menor do que três meses. E 29% dos títulos são resgatados em até duas semanas. Ou seja, aumentou muito a proporção de investidores que querem um retorno rápido do governo – e que apostam, portanto, que não demora muito para a vaca ir para o brejo.

“A continuar nesse ritmo, vai chegar uma hora em que o governo vai ter de deixar de pagar alguma coisa –  o funcionalismo, os juros, os fornecedores ou os depósitos judiciais. Ou, então, emitir moeda para pagar a dívida e aumentar a inflação”, diz o presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. Emitir moeda para pagar a dívida pode parecer uma alternativa mais simples, mas, como lembra Mansueto Almeida, ex-Ipea e hoje consultor, fazer isso seria caríssimo e não resolveria o problema. “Como 60% das despesas do governo são reajustadas pela inflação, criar mais inflação só aumentaria as despesas, como já estamos vendo acontecer.”

A pergunta de muitos milhões de dólares, talvez bilhões, portanto, é: Até quando o governo aguenta? Quanto tempo vai levar até o carro desgovernado da economia brasileira bater no muro? Se essa resposta fosse fácil,  muita gente no mercado estaria ganhando dinheiro a rodo apostando contra o Brasil. Isso, porém, ainda não está acontecendo, e por uma razão principal. Os investidores estrangeiros estão segurando os títulos que têm em carteira e comprando ativos no Brasil –  principalmente ações de empresas, que consideram baratas, porque pagam em dólar. “O gringo ainda nos compara com o resto do mundo e acha que vale a pena acreditar. Ele parece não ver os mesmos indicadores que estamos vendo”, diz o gestor Luis Stuhlberger, do Fundo Verde, um dos mais rentáveis do país. É um equilíbrio delicado.  Ontem mesmo, a Standard & Poor’s rebaixou a classificação de risco do país, indicando que o risco de calote aumentou mais um tiquinho.

A solução para essa sinuca é complexa, mas não é secreta. “É preciso que se faça um ciclo de reformas profundas que reduza de verdade os gastos com previdência e com a própria máquina do Estado, além dos juros”, diz Mansueto. A aprovação da CPMF, um remendo, e a reestruturação da previdência, que estão na pauta do Congresso, seriam de grande ajuda, principalmente para renovar a confiança na capacidade de reação do governo. Mas dependem da força política da presidente no Congresso.  Fazê-las driblando ameaça de impeachment, em ano de eleições municipais, com estados governados por aliados implorando desesperadamente por mais crédito e estatais como a Petrobras afundando em dívidas é tarefa quase sobrenatural.

“Há dois anos, se alguém dissesse que o país faria qualquer tipo de moratória, seria chamado de doido. Hoje, ainda não é algo iminente, mas as pessoas já param para pensar”, admite Mansueto. Tanto a oposição como o governo deveriam começar a levar a sério a ameaça. Antes que aquela-que-não-deve-ser-nomeada ressurja da tumba.

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