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Renovação e otimismo na terra de Tintim

Eu e minha mulher passamos vinte dias de maio em Bruxelas, visitando amigos muito queridos. Queria observar algo do futebol belga, mas acabei fazendo o mesmo que o Flamengo tem feito no Brasileirão: não vi a cor da bola. Chegamos quando o campeonato estava nos playoffs decisivos, não havia como adquirir ingressos e, mesmo, inúmeras outras atrações se impunham.

| 30 maio 2014_15h21
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Eu e minha mulher passamos vinte dias de maio em Bruxelas, visitando amigos muito queridos. Queria observar algo do futebol belga, mas acabei fazendo o mesmo que o Flamengo tem feito no Brasileirão: não vi a cor da bola. Chegamos quando o campeonato estava nos playoffs decisivos, não havia como adquirir ingressos e, mesmo, inúmeras outras atrações se impunham.

Por uma questão de ordem, comecemos o post pela Liga Nacional. Diferentemente dos demais campeonatos europeus, o belga tem uma fórmula de disputa única e muito doida. São dezesseis participantes na série A e todos jogam contra todos em sistema de turno e returno. Ao final das trinta rodadas, os seis melhores se classificam para os playoffs, mas não há mata-mata. Os seis jogam entre si em ida e volta, e quem somar o maior número de pontos leva a taça. O curioso é que os clubes carregam, na passagem para os playoffs, metade dos pontos obtidos na fase de classificação. Ou seja: quem acumulou 60 pontos na primeira fase leva 30 para os playoffs. Tal fórmula só tem uma explicação: muita cerveja.

De qualquer modo, a liga nacional diz pouco sobre a seleção belga: lá como cá, a maioria dos convocados joga fora do país. Os belgas estão otimistas. Depois de duas ausências seguidas – não foram às Copas de 2006 e 2010 –, eles vêm ao Brasil com um time renovado e alguns destaques em badalados campeonatos do continente. Campeão espanhol e vice na Champions League, Courtois é considerado um dos três melhores goleiros do mundo. O zagueiro Kompany é capitão do campeão inglês Manchester City. O meio-campista Fellaini é titular absoluto do Manchester United. O meia-atacante Januzaj, também do Manchester United, é uma das maiores revelações do futebol europeu. E outro meia-atacante, Hazard, foi eleito por voto direto, no levantamento que o Chelsea faz anualmente junto aos seus torcedores, o melhor da equipe na temporada.

Há uma aparentemente justificada empolgação dos belgas em torno dos Diables Rouges. Ninguém com um pingo de juízo acredita em título, mas todos apostam numa boa campanha. E esperam assustar os favoritos. Vale lembrar que, nas oitavas de final da Copa de 2002, o jogo do Brasil com a Bélgica foi difícil pra chuchu e, seguindo o que já virou tradição em Copas do Mundo, nossa seleção recebeu um auxílio luxuoso da arbitragem: quando o placar ainda estava zero a zero, o atacante Wilmots – atual treinador da seleção belga – marcou de cabeça, e o gol foi anulado por uma suposta falta em Roque Júnior que só o juiz jamaicano Peter Prendergast viu. Pudera: se os juízes daqui são assim, imagine os da Jamaica.

O grupo da Bélgica nessa Copa de 2014 está longe de ser dos mais difíceis. Brigando com Rússia, Coreia do Sul e Argélia, são enormes as chances de seguir adiante. Se pegar a Alemanha nas oitavas a coisa engrossa, mas se encarar Portugal é capaz de pregar uma peça. O problema é que, quando todo mundo acha que uma seleção pode surpreender, ela obviamente deixa de ser uma surpresa.

Tenho curiosidade, também, para ver como eles resolvem dentro de campo a quase insuperável rixa entre flamandes e francófonos. O político Bart de Wever – líder do N-VA, partido separatista flamande que venceu as eleições do último domingo – declarou certa vez que “se não fosse por causa de Bruxelas, a separação entra a região de Flandres e a região da Valônia já teria acontecido há muito tempo”. Fomos a um ótimo restaurante de peixes em Antuérpia e, quando meu amigo Marquinhos esqueceu por um instante a rivalidade local e perguntou algo em francês ao garçom, a resposta foi firme e seca: I don’t understand. Falar francês, aqui, não.

O futebol costuma passar por cima desse tipo de coisa, como acontece, por exemplo, com a seleção espanhola. Mas não devemos esquecer que, no grave acidente em que dois trens colidiram próximo a Bruxelas, em março de 2001, uma das causas levantadas foi o possível problema de comunicação entre os funcionários responsáveis pela sinalização: um deles só falava flamande, o outro só falava francês.

Os torcedores belgas acreditam piamente que, aqui no Brasil, o time conseguirá se entender melhor.

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