A saga do funk pelas lentes do direito penal
O funk na batida: baile, rua, e parlamento recorre à teoria criminológica para mostrar como o gênero foi marginalizado pelo poder público
Em setembro de 2023, a funkeira Anitta se apresentou no palco do Video Music Awards cantando funk carioca. Naquela noite, o ritmo que ganhou vida nos bailes frequentados por negros da periferia do Rio de Janeiro estava no topo do mundo. Mas, no Brasil, Estado e parte da sociedade ainda enxergam o funk com lentes criminais. No livro O funk na batida: baile, rua e parlamento, lançado pela Edições Sesc, Danilo Cymrot, doutor em direito penal pela USP, conta a saga do funk sob a perspectiva penalista. Na obra, finalista do Prêmio Jabuti de 2023, Cymrot recorre à teoria crítica criminológica para mostrar como o funk foi arrastado pelo poder público para a marginalização, assim como aconteceu com outras manifestações culturais negras, como o samba ou a capoeira.
Mas O funk na batida é um apontamento cuja qualidade extrapola o interesse da comunidade jurídica. Foge do juridiquês, tem rica pesquisa histórica e revela bastidores saborosos da história do funk. Como, por exemplo, os bailes de corredor, onde jovens funkeiros se dividiam em dois grupos e, por um tempo definido pelo DJ, se enfrentavam em brigas organizadas. Perseguido pelas autoridades e com cobertura midiática sensacionalista, Cymrot conta que o baile de corredor representava uma fração diminuta entre os bailes funk no Rio. E que essas brigas eram o ponto alto das festas: “O tempo [das brigas] era limitado severamente pelos organizadores. Durante o evento, os seguranças reprimiam qualquer esboço de briga, mas quando chegavam ao final, eles se afastavam e ocorria o que se convencionou chamar de ‘quinze minutos de alegria’.”
O autor não confere um olhar romantizado sobre o ritmo. Apresenta o funk em sua pluralidade de manifestações e intenções. Ele está interessado em apontar a seletividade do poder público. E pergunta: Por que as brigas nos bailes funk incomodavam ao ponto de algumas festas serem proibidas, enquanto as brigas nas boates da classe média alta da Zona Sul não eram reprimidas? Por que outros atos criminosos retratados no cinema e na tevê não são perseguidos, como quando aparecem nas letras dos funks proibidões? Cymrot não demora a dar a resposta ao sublinhar o tratamento díspar do Estado e seus critérios de raça e classe: “Há dois níveis de criminalização, ambos fortemente marcados pela seletividade, essa seletividade é movida por interesses de classe em uma sociedade dividida e conflitiva […], o que deve ser considerado crime para um grupo não necessariamente é o mesmo que deve ser considerado para outro.”
Desde o surgimento dos bailes funk, o poder público age para reprimir. DJs chegaram a ser encapuzados e levados para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A juventude negra reunida, e orgulhosa de sua identidade, soava como algo ameaçador: “Uma das mais significativas formas de lazer da juventude pobre e negra foi e ainda é sistematicamente reprimida”, diz o autor. Em 2019, enquanto Anitta tocava sua carreira internacional, o DJ Rennan da Penha foi preso e acusado de associação ao tráfico de drogas (e inocentado pelo STJ em junho de 2023), e nove jovens morreram pisoteados num baile funk da favela paulistana de Paraisópolis, durante uma operação policial truculenta.
Confira aqui as demais dicas literárias da equipe da piauí.
Leia Mais
Assine nossa newsletter
Email inválido!
Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí