A ciência avisou, o país não ouviu. O relaxamento das medidas de isolamento social contra a Covid-19 — classificadas pelo presidente Jair Bolsonaro como “frescura e mimimi” — cobra o seu preço. Na semana em que o Brasil bateu recorde de novos casos e mortes por Covid-19 dia após dia, um levantamento do Google News Lab ajuda a entender como o país chegou a este cenário. Desde o início da pandemia, a expressão “sintomas covid” é o que os usuários mais procuram no Google em relação à doença. A cada vez que o número de buscas pelo termo disparava, a tendência se repetia no número de novos casos diagnosticados nas semanas seguintes. O primeiro recorde ocorreu logo após as festas de fim de ano; o segundo, mais alto, após o Carnaval. Para comparar as duas variáveis — o número de buscas e o de novos casos por semana —, a empresa criou uma escala de 0 a 100 para trazê-los a uma base comum. Pela mesma régua, o Google também avaliou as variações de interesse nos estados brasileiros pelos três sintomas recorrentes: “falta de ar”, “não sinto gosto” e “não sinto cheiro”, além das pesquisas por “UTI”. O resultado você confere no =igualdades.
Na semana do dia 27 de dezembro, justamente a de Natal e Ano Novo, o número de buscas por “sintomas covid” no Google atingiu, pela primeira vez, 100 pontos na escala formulada pela empresa. Isso significa que o interesse dos brasileiros pelo termo naquele momento foi o maior desde o início da pandemia. Exatamente 14 dias depois, na semana de 10 de janeiro, o número de novos casos diagnosticados chegou a 379.896, batendo o recorde verificado sete dias antes e se tornando o mais alto já registrado até então. Na semana de 3 de janeiro, foram 361.767 diagnósticos.
Depois de atingir o pico na semana das festas de fim de ano, as buscas por “sintomas covid” passaram todo o mês de janeiro em queda, indo de 100 para 52 pontos. O interesse voltou a subir justamente na semana de 14 de fevereiro, a do Carnaval. Sete dias depois, um novo recorde de novos casos foi registrado: 380.391 diagnósticos.
Após passar todo o mês de janeiro em queda, o interesse dos brasileiros por “sintomas Covid” aumentou 60% em fevereiro. O número de buscas pelo termo no Google foi de 52 pontos na escala, patamar registrado em 7 de fevereiro, para 83 pontos na semana do dia 28. A tendência é de que as semanas seguintes registrem novos recordes no número de novos casos. A primeira semana de março, além de confirmá-la, tornou-se a mais letal da pandemia: foram 421.604 novos casos e 10.183 mortes nos últimos sete dias, o equivalente a uma vítima por minuto.
Um terço dos estados para os quais já há dados sobre março de 2021 bateram recorde nas buscas pelos principais sintomas da Covid-19. Goiás, Santa Catarina e Tocantins atingiram os 100 pontos na pesquisa por “falta de ar”. Já Maranhão, Paraná e Rio Grande do Sul chegaram a este patamar na busca por “não sinto cheiro”. Atualmente, o estado com mais buscas pelo terceiro sintoma, “não sinto gosto”, é São Paulo, com 91 pontos. Este é o segundo nível mais alto no estado desde o início da pandemia, superado apenas pelo de maio de 2020 (100 pontos).
No Amazonas, a procura por “UTI” quadruplicou nos últimos meses. O estado foi de 24 pontos na escala em novembro para 100 em fevereiro, um aumento de 317%. De dezembro para janeiro, as buscas dobraram, refletindo a grave crise que assolou o estado após o Natal. O número de internações, casos e mortes explodiu e, no meio de janeiro, pacientes chegaram a morrer asfixiados por falta de oxigênio.
Em fevereiro, as buscas por “UTI” no Tocantins aumentaram 163% em comparação a janeiro e chegaram ao patamar mais alto desde o início da pandemia. Outros dois estados também chegaram aos 100 pontos na escala: Rio Grande do Sul, com aumento de 64%, e Amazonas (32%). Em outros cinco estados, as buscas por UTI em fevereiro alcançaram o maior nível dos últimos 7 meses. São eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás e Piauí.
Na semana de 22 de março de 2020, o tempo médio que os brasileiros passam em casa teve o maior aumento, de 21%. Na de 7 de fevereiro de 2021, porém, a quantidade de horas diárias em casa foi apenas 5,6% maior que a de antes da pandemia. Funciona assim: o Google mede o isolamento social não pelo número de indivíduos, mas pelo aumento percentual na quantidade média de horas que as pessoas passam em casa. Para isso, a empresa usa como referência uma jornada de trabalho de 8h e deduz, com isso, que o máximo de crescimento percentual desse índice é de 50% (16 horas passadas em casa normalmente + 8h fora de casa = 24 horas).
Foi repórter da piauí. Trabalhou em O Globo, Extra, Época e Agência Lupa
É designer e diretora do estúdio BuonoDisegno