Tânia Rego/Agência Brasil
Sem impeachment à vista, CPI ganha força
Resistência de Maia a afastamento de Bolsonaro faz deputados articularem comissão para investigar acusações de Moro e organizar oposição ao Planalto
A resistência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em dar início a um processo de impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) faz com que deputados de diferentes grupos intensifiquem a articulação da CPI para investigar as acusações que o ex-ministro Sergio Moro fez ao presidente da República. Avalia-se que uma comissão parlamentar pode pavimentar o caminho para o afastamento de Bolsonaro, mas não apenas. Organizaria também a atuação parlamentar crítica ao Palácio do Planalto, no momento em que setores do Centrão negociam a formação de uma base aliada no Congresso. Reflexo disso é uma articulação que envolve do PSL, ex-partido de Bolsonaro, ao PT, com o dedo de Maia nos bastidores.
Três requerimentos pedindo a criação da CPI circulam entre os deputados. Um deles é de autoria de Orlando Silva (PCdoB-SP), deputado próximo a Maia, que já coletou 100 das 171 assinaturas necessárias. Outro foi proposto por Aliel Machado (PSB-PR). O PSDB encaminhou uma terceira proposta, no caso de Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, que incluiria senadores. Os autores falam em assinar os pedidos deles próprios e dos demais, num movimento para fortalecer a iniciativa que depois culminaria na união de todos.
“Estamos ‘trocando figurinhas’ para que o bloco da oposição assine nossa CPMI e nós assinamos as duas CPIs da esquerda que estão na Câmara”, disse Carlos Sampaio (SP), líder do PSDB na Câmara. “Nossa linha é assinar todas e pedir apoio a todos”, disse Orlando Silva. Se funcionar e um ou mais requerimentos chegarem às mãos de Maia, caberá ao presidente da Casa decidir pela instalação ou não da comissão. Reservadamente, ele não desestimulou a movimentação, segundo deputados. Se for mantido como alvo de ataques bolsonaristas como tem sido há meses, o ambiente será mais favorável à criação da CPI, dizem congressistas. O objetivo é levar os requerimentos a Maia até o início da próxima semana.
“Rigorosamente sou daqueles que não defendem impeachment, mas sim a CPI, que pode colocar luz no que Moro falou. Há temas penais em análise no Supremo Tribunal Federal. E há temas de natureza política que devem ser investigados no Parlamento”, afirmou Orlando Silva. “Bolsonaro diz que tem direito de nomear o diretor da Polícia Federal. É verdade. Mas ele não tem direito de transformar a corporação em um puxadinho de sua casa. Não é só o aspecto legal, mas também moral e político.”
Ele disse que coletou assinaturas das mais variadas colorações. De Joice Hasselmann e Delegado Waldir, do PSL, a Kim Kataguiri, do DEM, Tabata Amaral, do PDT, Marcelo Freixo, do PSOL, e Arnaldo Jardim, do Cidadania.
Se o impeachment exige o voto de dois terços dos deputados para ser aberto, uma CPI requer um terço. É vista, portanto, como termômetro da Casa neste momento.
A inapetência de Maia pela abertura de um processo contra Bolsonaro é explicada por pelo menos três fatores no seu entorno na Câmara. Ligado a agentes do mercado financeiro, o presidente da Câmara recebe sinalizações de que um impeachment, na percepção deles, traria ainda mais instabilidade para o país, que já sofre os efeitos da paralisação econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.
Ainda que não seja uma pressão direta, há muitas perguntas dirigidas a Maia sobre um eventual cenário de impeachment e também oscilações negativas na Bolsa e no câmbio quando aumenta o ruído. No dia em que Moro pediu demissão acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF, por exemplo, 24 de abril, avaliou-se que o risco de impeachment aumentara. O dólar chegou a superar a casa dos R$ 5,70 e fechou em alta de 2,4%, a R$ 5,66. O Ibovespa chegou a desabar 9,6% naquele pregão. Demonstrando que “o mercado fala pelos preços”, no jargão financista, na véspera da votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, o dólar caiu e a Bolsa se valorizou.
Outro fator que afasta o impeachment de Bolsonaro é a manutenção de sua popularidade. Segundo aliados, Maia considera o patamar próximo a 30% de aprovação de que o presidente ainda goza alto para um processo dessa importância. E um termômetro de sua força política.
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que tem bom trânsito com Maia, pertence ao Centrão, mas é crítico à negociação de cargos com o governo, afirmou que esse pode ser um dos motivos pelos quais nem mesmo a oposição ergueu a bandeira do impeachment com a convicção que se esperava depois da demissão de Moro. “Achei que, na semana passada, a oposição viria mais forte com impeachment e não veio. Claro que o fato de a sessão ser remota compromete muito, mas não veio. Acho que é medo de perder.” Para Ramos, uma vitória de Bolsonaro levaria a um fortalecimento fragoroso de sua força política e um enfraquecimento na mesma medida de Maia e da oposição.
Como pano de fundo, há ainda um compasso de espera em relação ao desenrolar do inquérito instalado para apurar as acusações de Moro no Supremo. O Centrão e parte da oposição, especialmente o PT, têm no ex-juiz da Lava Jato um adversário mais detestado do que Bolsonaro, tendo desempenhado o papel de “algoz dos políticos”, entre eles o ex-presidente Lula. Se a adesão de parte do Centrão ao Palácio do Planalto pode barrar a abertura de um processo de impeachment, supostas provas da ingerência de Bolsonaro na PF também têm potencial de mudar o vento e tirar do presidente o apoio que vem amealhando no Congresso com o oferecimento de cargos da administração federal a deputados.
Não se descarta ainda, apesar do pragmatismo frio dos líderes do Centrão, que a pressão para o desembarque do governo aumente com a participação reiterada de Bolsonaro em atos antidemocráticos, com declarações contra os Poderes Legislativo e Judiciário e as ameaças de golpe. “Partidos como o meu, que tentam se aproximar do governo em troca de cargos, deveriam recuar para não fortalecer um presidente que joga contra a consolidação dos espaços democráticos e profere palavras de clara ameaça às instituições”, criticou Ramos.
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