Símbolos, fatos e medos
Bolsonaro abusa do discurso religioso, mas eleitor que votou nele e agora votará em Lula só quer ter certeza de que a vida vai melhorar em 2023
A eleição de 2018 colocou em xeque algumas das principais variáveis que costumávamos considerar para analisar pleitos majoritários. O famoso tempo de tevê – horário gratuito de propaganda eleitoral – e o financiamento de campanha não turbinaram o sucesso da candidatura eleita para a Presidência, tampouco o êxito de muitos de seus apadrinhados nos estados Brasil afora. Os eleitos, principalmente pelo PSL, baixaram muito as médias históricas de recursos de campanha e tempo de tevê. Foi uma eleição protagonizada por outras formas de comunicação, como disparos em massa por redes sociais e disseminação de fake news. Foi também a eleição dos símbolos, das figuras que mais representavam direta ou indiretamente um imaginário e os anseios daquele momento: controle, ordem, valores tradicionais e, ao mesmo tempo, o novo na política. E foi a eleição do medo, responsabilizando forças políticas conhecidas por aquilo que os eleitores não queriam seguir vivendo.
A campanha de Bolsonaro apostou no simbólico e na mobilização de medos, ainda que fortemente atrelada a alguns fatos dos quais ele conseguia se afastar mesmo sendo um deputado federal de muitos mandatos. A crise moral da política regada a escândalos de corrupção e a cobertura enfática sobre a Operação Lava Jato não respingaram no então parlamentar que prometia trazer alternativas ao sistema. A crise econômica e a crise de violência nos quatro cantos do Brasil eram identificadas como resultados das gestões presidenciais anteriores – ele, na visão de seus eleitores, nada tinha a ver com isso. Como pano de fundo, a responsabilização de todas as forças progressistas na sociedade e na política, principalmente as de esquerda, pelos chamados desvios morais e de comportamento. Desordem, descontrole sobre as famílias, despudor e imoralidade.
O PT, a esquerda de modo geral e os políticos que representassem governos anteriores eram vistos, por parte do eleitorado, como os grandes responsáveis por desvios de corrupção, por desvios morais e pela situação de violência e crise econômica no país naquele momento.
Como tudo isso aparece agora em 2022, após quase quatro anos de gestão de quem dizia que resolveria todas essas crises? O que dizem as pesquisas de intenção de voto? Observemos os dados das últimas pesquisas nacionais da Genial/Quaest a partir de diferentes recortes: por gênero, renda, idade, região, escolaridade e religião.
Em 2018, Bolsonaro tinha avançado em parcelas do eleitorado que até então eram importantes bases petistas: os mais jovens, de escolaridade baixa, empatando entre mulheres e os católicos – o que não é trivial – e vencendo em todos os estados do Sudeste. No cenário atual, como mostram os resultados das últimas treze rodadas nacionais da pesquisa Genial/Quaest, Lula não só retomou com folga o eleitorado jovem, feminino, católico, como, em alguns segmentos, inverteu preferências registradas pelas urnas de 2018. O perfil do eleitorado está bastante definido: enquanto Lula tem a simpatia daqueles com menor escolaridade, menor renda, residentes da região Nordeste e católicos, Bolsonaro é mais forte entre eleitores evangélicos, e empata dentro da margem de erro com Lula nos grupos de renda e escolaridade altas.
Paralelamente, diferentes pesquisas qualitativas apontam que a marca de Bolsonaro atualmente, entre indecisos ou aquela parcela do eleitorado que ele perdeu de lá pra cá, é o não cumprimento das promessas. Saúde, pobreza e educação são os maiores problemas apontados por esses eleitores, para os quais o presidente não só não trouxe alternativas como os agravou ainda mais. “Meu poder aquisitivo caiu muito durante o governo Bolsonaro” e “ele não cumpriu as promessas eleitorais e não merece ter mais tempo para cumpri-las” são depoimentos muito frequentes.
Já o que pega para Lula ainda é a sua imagem atrelada a episódios de corrupção. “Ele é corrupto e o partido dele é corrupto”, afirmam muitas pessoas ouvidas em diferentes entrevistas e grupos focais. A marca da corrupção ainda pesa mais do que o medo pelas ameaças morais atribuídas a candidatura do PT ou da esquerda – segundo o mantra bolsonarista dos últimos pleitos.
A literatura da ciência política demonstra que, quando um candidato a presidente está concorrendo à reeleição, diferentemente de candidaturas da oposição, a avaliação de desempenho e a aprovação ou rejeição são indicadores fundamentais. A última pesquisa Datafolha revela que Lula tem 52 % dos votos válidos, e Bolsonaro, 32%. Um dado importante para o atual presidente que busca a todo custo votos montado em seus simbolismos é que 67% dos jovens dizem não votar em Bolsonaro de jeito nenhum. Essa percepção é ainda superior à rejeição ao governo Bolsonaro: 45% consideram o titular do Planalto ruim ou péssimo.
Nesse cenário de promessas não entregues e avaliação negativa, quais são as apostas do presidente para se manter no poder e não ser preso se deixar o cargo acusado de inúmeros crimes pelos quais deveria ser investigado? O apelo ao agro, ao sertanejo, à ordem, ao controle e à identidade cristã.
O atual presidente lançou sua candidatura atual à reeleição chamando a plateia para o coro: “Eu juro dar minha vida pela liberdade.” E sua esposa, com o dedo apontando para o céu, convicta, completa: “Ele é um escolhido de Deus e tem o coração puro.” Praticamente num ato político sertanejo gospel e dividindo palanque com políticos condenados pela Justiça, o atual presidente confirmou a sua candidatura regado de símbolos, pânicos, medos e sem menções às principais aflições da maioria dos brasileiros hoje.
Bolsonaro, apesar de evocar sistematicamente a Deus, terá dificuldades para convencer religiosos, agnósticos e ateus de que suas vidas irão melhorar em 2023, mesmo com o pacote de transferências de renda e bondades temporárias para diferentes setores. O eleitor parece estar entendendo que isso não se sustenta a longo prazo. E tudo o que o governo Bolsonaro não entregou faz com que o eleitor se lembre de onde já conseguiu chegar, do que já viveu e das melhoras significativas para sua vida em anos passados.
Nesse sentido, Lula consegue driblar as mazelas relacionadas ao seu partido, à esquerda e ao governo Dilma, reativando a memória do eleitor de tempos melhores. A melhora no poder aquisitivo das famílias, o avanço na segurança alimentar, o acesso à universidade ampliado e a grande parcela da população que deixou a extrema pobreza graças a políticas públicas implementadas desde os anos 2000 não são símbolos, mas fatos que farão a diferença no pleito.
Mas podemos chamar de rebanho aquele eleitor que votou em Bolsonaro em 2018 e em 2022 vai votar em Lula? Era rebanho quando votava no Bolsonaro, mas agora, votando em Lula, deixou de ser? Tanto em 2018 quanto quatro anos depois podemos dizer que não era apenas rebanho, mas uma parcela determinante do eleitorado que estava buscando mudar as condições de suas vidas. E, por uma série de fatores, o presidente eleito, que hoje se mostra um destruidor das vidas das pessoas, era visto como alternativa.
Em 2022, para o candidato capitão que pretende continuar no poder, só sobrou o apelo a símbolos e a mobilização de medos como estratégia eleitoral. Desta vez, no entanto, isso não está atrelado a qualquer possibilidade de melhora nas condições de vida das pessoas, assim como não pode se distanciar tanto das origens dessas crises e da responsabilidade sobre elas.
Assim como ocorreu em 2018, nas eleições deste ano veremos a disputa sobre símbolos e fatos. A diferença agora será a quem o eleitor atribuirá responsabilidades sobre esses fatos e medos. Quem vai ganhar as eleições em 2022? Quem melhor conseguir convencer a população de que não é responsável pelas origens dos diferentes temores vividos por ela.
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