Foto: Cássio Vasconcelos/Folhapress
A trajetória de Luiz Melodia
O filme conseguiu captar o espírito indômito do artista
Ocantor Luiz Melodia não pertenceu a nenhum gênero musical especificamente, tampouco fez parte de um grupo ou movimento. Foi um artista único, de caminho singular, que morreu em agosto de 2017 sem deixar genéricos na música brasileira. Logo, qualquer tentativa de enquadrá-lo numa cinebiografia seria uma tarefa inglória. Mas a estreia do documentário Luiz Melodia – No coração do Brasil, em abril, no festival É tudo verdade, mostrou que a diretora Alessandra Dorgan entendeu o desafio. Em vez de se debater para criar uma obra com a pretensão de explicar quem foi Melodia em tom professoral, Dorgan fez um filme que conseguiu captar o espírito indômito do artista.
Uma das decisões mais acertadas foi a de deixar o próprio Melodia narrar sua trajetória. Com uma pesquisa impecável de áudio e imagens, Dorgan tornou possível que ele contasse sobre sua infância no morro de São Carlos, no boêmio bairro do Estácio, suas influências artísticas múltiplas, seu início de carreira como poeta na companhia de Waly Salomão, Torquato Neto e Hélio Oiticica, até chegar a seus primeiros passos na MPB compondo para Gal Costa (na canção Pérola Negra) e Maria Bethânia (na canção Estácio, Holly Estácio). É mais rico ouvir Melodia refletindo sobre si do que se o documentário tivesse recorrido a Nelson Motta para fazê-lo. É mais forte ouvi-lo contar como as gravadoras forçaram-no a gravar discos de samba e a se posicionar como artista de samba, como se essa fosse a única possibilidade para um artista negro no Brasil. Sua musicalidade, que mistura jazz, blues, bolero e também samba, é explicada por ele mesmo, nos seus próprios termos. É comovente ouvi-lo falar sobre os momentos de fraqueza, como quando virou um artista muito popular com sua voz diariamente na trilha da novela Pecado Capital cantando Juventude Transviada, e como isso tirou sua privacidade e o fez recolher-se da fama. Muito assustado com a popularidade avassaladora, ele diz: “Eu sou um homem que frequenta botequim.”
A montagem de Joaquim Castro nos conduz a um encadeamento seguro e certeiro da trajetória e dos pensamentos do artista. Mas essa segurança e assertividade está profundamente alinhada à proposta de não aprisionar a figura de Melodia. Ela monta um filme que transcorre como um passeio, uma viagem livre e sem amarras pela trajetória do cantor. Driblando meio mundo para não se submeter a rótulos, gavetas, e imposições, o poeta do Estácio acabou por ganhar a fama de maldito, underground, rebelde. No filme ele explica com simplicidade: só quis ser um artista com domínio sobre sua própria arte.
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