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    FOTO: LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

questões legislativas

A tropa de choque ataca outra vez

Grupo que tentou livrar Eduardo Cunha da cassação agora luta para conduzir Arthur Lira à Presidência da Câmara

Thais Bilenky | 15 jan 2021_17h58
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“Rejeitado pelo plenário o projeto de resolução destinado à aplicação da penalidade, a respectiva proposição é simplesmente arquivada, com a consequente absolvição do parlamentar processado.” Não poderia ser mais obscuro o pronunciamento por escrito do deputado Arthur Lira (PP-AL) sobre o então colega Eduardo Cunha (MDB-RJ). Era junho de 2016, e Lira figurava entre os homens fortes do emedebista, que àquela altura já rolava ladeira abaixo depois de uma trajetória fulgurante em Brasília. No ano anterior, na presidência da importante Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o deputado do PP tivera papel fundamental para adiar ao máximo a cassação de Cunha. 

Foram onze meses de manobras regimentais quase incompreensíveis até que, em setembro de 2016, o cacique do MDB se viu à míngua. Tinha perdido o apoio de mais de 200 dos 267 parlamentares que o elegeram para a Presidência da Câmara no início de 2015. Na sessão que o cassou, 450 deputados votaram a favor da punição, 9 se abstiveram, 42 se ausentaram e apenas 10 avalizaram sua absolvição. Era só o começo. Cunha acabou condenado na Justiça por corrupção e outros crimes, com penas que somam 55 anos de prisão.

Vários sobreviventes da tropa de choque que fez tudo para salvá-lo na Câmara se uniram outra vez, agora para alçar Lira ao cargo que já foi do emedebista. Dos dez deputados que votaram pela absolvição do político carioca, cinco se reelegeram, incluindo o próprio Lira. Dois deles estão engajados na campanha que pretende conduzir o parlamentar alagoano à Presidência da Casa em fevereiro. Dos 42 que se ausentaram para não condenar Cunha, quatro se encontram ao lado de Lira.

O  paraibano Wellington Roberto, do PL, é um dos que votaram a favor da absolvição do emedebista. Sentado junto de Lira no lançamento de sua candidatura em Brasília, no mês passado, Roberto preteriu o conterrâneo Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que também pleiteava o comando da Câmara, mas falhou em se viabilizar na disputa. O deputado do PL não se furta de ir às vias de fato para alcançar o que lhe interessa. Aconteceu em dezembro de 2015. Um parlamentar levantou a possibilidade de se votar uma representação no Conselho de Ética contra Cunha, ainda presidente da Casa. “Isso é golpe!”, reclamou Roberto. Zé Geraldo (PT-PA) retrucou: “A turma do Cunha quer bagunçar aqui, hoje. Isso é uma turma de bagunceiros. É tudo bagunceiro.” Furioso, Roberto se levantou da cadeira e, com o dedo em riste, passou a repetir: “Bagunceiro é você!” Como o colega estava na fileira da frente e se virou para trás também com o dedo em riste, as mãos se tocaram. A coisa, então, pegou fogo de vez. Os dois se engalfinharam, e engravatados de todo o país correram para apartá-los.

Outro que não foge da raia é o pastor Marco Feliciano, do Republicanos de São Paulo. Governista de carteirinha, abraçou a campanha de Lira quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sinalizou que o alagoano seria o seu candidato. Desde então, o pastor vem se valendo principalmente da artilharia virtual. Nas redes sociais, dispara ataques a Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o atual presidente da Câmara, e do grupo que o apoia, incluindo os partidos de oposição. Em dezembro passado, Feliciano afirmou que Rossi conseguiu o aval do PT mediante o compromisso de abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro. “Mentira!”, rebateu Rossi. “A carta-compromisso da oposição fala em respeito à Constituição, algo necessário para uma Câmara independente.” O pastor subiu o tom: “Deputados não são tolos! O PT apresenta fatura para te apoiar a cabeça do presidente Jair Bolsonaro! E você se fazendo de tonto?” Na época de Cunha, Feliciano agia de maneira semelhante. Mesmo após a cassação do emedebista, o pastor, que votou pela absolvição dele, foi às redes sociais para atacar o PT e outras legendas de esquerda. Acusou-as de se vingarem do parlamentar carioca por ele ter lutado “contra as abortistas, feministas e a agenda LGBT”. 

O deputado Cacá Leão (PP-BA), por sua vez, bateu muito na tecla de que não se podia misturar os processos que Cunha tomava na Justiça com a situação dele na Câmara. “Este conselho [de Ética] não pode se ater a questões que ainda estão no Supremo Tribunal Federal e não foram julgadas”, sustentou em 2015. “Não existe ainda nenhum tipo de condenação. Temos que nos ater somente à quebra do decoro.” No final das contas, quando a cassação foi a plenário, Leão preferiu se ausentar para não cassar o aliado.

Desde 2019, ele apoia Lira à Presidência da Câmara. Trata-o, inclusive, de “meu presidente”. Também compartilha tudo que o candidato posta no Twitter, até as platitudes. Quer estar bem posicionado na hora da eventual distribuição de cargos pelo alagoano.

 

Como os demais integrantes da tropa, Elmar Nascimento (DEM-BA) tentou adiar e reverter o processo contra Eduardo Cunha na Casa. Chegou a pedir a anulação do parecer favorável à cassação na CCJ, mas capitulou diante do inexorável. “Se tem uma coisa que todo mundo respeita aqui é a opinião pública”, disse antes de votar pela perda do mandato do aliado. Na nova conjuntura da Câmara, ele vem mostrando outra vez que suas alianças não são tão firmes. Correligionário de Rodrigo Maia no DEM, esteve a seu lado em 2019, mas virou a casaca  quando não conseguiu a indicação do presidente da Casa para sucedê-lo. Hoje busca fazer com que os colegas de partido apoiem Arthur Lira. Nas contas mais otimistas, já conquistou 23 dos 29 deputados que integram a bancada.

Durante a hegemonia de Cunha na Câmara, Soraya Santos era filiada ao MDB fluminense. A proximidade entre os dois levou o parlamentar a escolhê-la para presidir a Comissão de Finanças e Tributação em 2015. No ano seguinte, já como vice-líder do partido, ela orientou a bancada a votar para que o relatório contra Cunha retrocedesse em sua longa tramitação. No dia em que a cassação foi a plenário, a deputada se ausentou. Hoje, sob o mandato de Rodrigo Maia, a parlamentar compõe a Mesa Diretora da Casa. Ela, que agora integra o PL do Rio de Janeiro, se uniu a outros membros da Mesa e ameaçou se insurgir contra o presidente da Câmara para beneficiar Lira. Segundo revelou a emissora CNN, o grupo queria, entre outras coisas, que Maia se comprometesse a realizar a eleição presencialmente e não de maneira remota, formato que os aliados do alagoano consideram menos vantajoso. Depois de se reunir com eles, Maia anunciou que o pleito será presencial.

A deputada Iracema Portella, do PP piauiense, já foi casada com o senador Ciro Nogueira, presidente nacional da legenda. Ele é o artífice do apoio de Bolsonaro a Lira. Na Câmara, Portella está alinhada aos interesses do ex-marido. Quando Cunha presidia a Casa, ela se comportava de modo parecido. Na hora da cassação, ausentou-se da sessão a fim de não condenar o parlamentar carioca.

 

Entre todos os integrantes da tropa, há um soldado que ainda não seguiu para a trincheira. Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, foi um dos mais ferozes defensores de Cunha antes e depois de sua queda. Chegou ao ponto, por exemplo, de fazer a Força Sindical receber o parlamentar, já denunciado pela Procuradoria-Geral da República, com  gritos de “guerreiro do povo brasileiro”. Até agora, porém, Paulinho não se decidiu em relação a Lira. De início, o Solidariedade declarou apoio ao alagoano, mas algo parece ter desandado e o gesto refluiu. O presidente da sigla vem evitando se pronunciar sobre o assunto publicamente. Ele não atendeu aos telefonemas da piauí.   

Réu no Supremo Tribunal Federal por corrupção, investigado pelo Ministério Público sob a suspeita de aderir à “rachadinha” e acusado pela ex-mulher de agredi-la, Arthur Lira pode emergir da disputa como um presidente poderoso, que dispõe de cargos e verbas da administração federal para negociar votos de deputados. É uma posição irresistível para um parlamentar que, à semelhança de outros do Centrão, cultiva uma aproximação tensa com o poder, independentemente de quem o ocupe. Esse tipo de político comporta-se como aliado desde que tenha os interesses atendidos. Quando se frustra, revida. Questões ideológicas, no frigir dos ovos, pouco lhe importam. Eduardo Cunha articulou o impeachment de Dilma Rousseff ao se ver contrariado pela presidente. Depois, quem caiu foi ele. “Cunha imaginou que a Presidência da Câmara poderia ser um escudo. Virou alvo. Isso pode se repetir”, resume o deputado Marcelo Freixo, do Psol do Rio.

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