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pitacos da redação

Um filme, uma série, um livro…

E outros destaques de cultura reunidos pela Redação da piauí

12 out 2023_08h12
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Na redação da piauí, sempre tem alguém falando de um livro, um filme, uma série, uma peça, uma exposição. E este é o tema da newsletter mensal com a curadoria do editor Alejandro Chacoff. Abaixo, o conteúdo da última, enviada em 4 de outubro. Clique aqui para receber as próximas gratuitamente.

 

Um filme

RETRATOS FANTASMAS (1h 31 minutos)
De Kleber Mendonça Filho

O curta-metragem Roundhay Garden Scene, de 1888, tem dois segundos e mostra um grupo de pessoas na frente de uma casa. É um dos registros cinematográficos mais antigos. A arquitetura faz parte, portanto, de um dos marcos inaugurais do cinema, fato que o diretor Kleber Mendonça Filho parece ter sempre em mente. Nos filmes Vinil Verde, Eletrodoméstica, Recife Frio, O Som ao Redor e Aquarius, ele fez da casa de sua família e do espaço urbano do Recife mais do que cenários e locações para suas obras. Transformou-os em organismos vivos que substanciam suas histórias.

Retratos Fantasmas, em cartaz nos cinemas desde o fim de agosto, é um filme-ensaio narrado por Mendonça Filho e dividido em três partes. Na primeira, o foco é familiar e intimista: a residência de Boa Viagem que aparece em seus filmes – comprada e idealizada por sua mãe quando ela superava o fim de um casamento, e projetada por seu irmão arquiteto – sofre alterações internas com o passar do tempo. As mudanças mais drásticas, porém, acontecem ao redor, na vizinhança que se transforma. Casas dão lugar a grandes condomínios, com muros altos, grades, cercas elétricas e câmeras. 

Nas outras duas partes do filme, o olhar se volta aos espaços coletivos: o Centro antigo do Recife e os cinemas de rua que formaram o diretor. São espaços de sociabilidade que no passado foram vibrantes e que se deterioraram, sucumbindo à modernidade acachapante que desqualifica aquilo que considera ultrapassado. 

Numa camada superficial, é tentador ler Retratos Fantasmas como um filme sobre a memória afetiva do cineasta. Mas é mais do que isso. É, sobretudo, a história do poder econômico que passa por cima da memória coletiva, do valor histórico e cultural, para oferecer um projeto de cidade excludente, paranoico e agorafóbico. Retratos Fantasmas foi escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar na categoria de melhor filme internacional, e o filme de Kleber Mendonça Filho de fato tem a capacidade de se comunicar com plateias mundo afora, porque parte do particular para o universal. No mundo capitalista, todo mundo tem um cinema de rua de estimação que foi destruído para dar lugar a um terrível prédio espelhado com vidros fumê.

 

Uma série

HOW TO WITH JOHN WILSON (3 temporadas de 6 episódios cada)
De John Wilson

Como indica o título da série, cada episódio de How To With John Wilson tem nome de tutorial: “Como lembrar de seus sonhos”, “Como cozinhar o risoto perfeito”, “Como encontrar um banheiro público” e “Como ser espontâneo” são alguns. Mas quem assiste não aprende nada. Pelo menos, nada sobre o que diz o nome dos episódios. 

How to With John Wilson é na verdade uma série de documentários ensaísticos feitos por um flâneur desengonçado em Nova York: John Wilson tem uma câmera na mão, mas as ideias ainda não parecem muito claras na sua cabeça. O ar de sem jeito, no entanto, não o impede de capturar momentos fascinantes, pelo gozado ou pelo belo, da vida cotidiana da cidade, ou de fazer reflexões profundas e inesperadas sobre a condição humana. Em “Como observar os pássaros” – quinto episódio da terceira temporada, e um dos melhores da série – ele se junta a um grupo de observadores de aves e descobre que seus membros não mentem sobre as aves que viram. A descoberta aparentemente banal leva a uma investigação divertida e profunda sobre verdade, mentira, teorias da conspiração e arte. 

“E aí, Nova York?” – assim o narrador abre todos os dezoito episódios das três temporadas da série. A estética caseira dá a impressão que poderia ser um programa feito por um cineasta amador no porão de casa. Foi mais ou menos assim que surgiu a ideia da série, quando Wilson, por conta própria, começou a publicar mini-docs no Vimeo há onze anos. O trunfo de Wilson, porém – o que o separa de um cineasta amador qualquer – é seu senso aguçado para equilibrar beleza e esquisitice, uma habilidade que chamou a atenção de Nathan Fielder, outro artista conhecido por uma habilidade similar (O Ensaio, a série mais recente de Fielder, já foi recomendada aqui na newsletter da piauí). Fielder virou produtor executivo de How To With John Wilson e vendeu a série à HBO. Ela acabou se tornando um grande sucesso, unanimidade entre os amantes de séries e filmes esquisitos. Wilson, no entanto, decidiu terminá-la na terceira temporada, que teve o último episódio exibido em setembro. Todas as três temporadas estão disponíveis na HBO Max.

 

Uma instalação artística

OUTRES
De Daniel Lie 

Descrever a instalação Outres, de Daniel Lie, apresentada na 35a edição da Bienal de São Paulo, é tão complexo quanto as sensações que surgem ao visitá-la. 

A obra ocupa o segundo piso do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, um dos prédios do Parque do Ibirapuera. Na área central dos 468 m2 que o trabalho ocupa, pende do teto um cordão com centenas de flores do tipo crisântemos, nas cores amarela e branca. O cacho se entrelaça com uma estrutura formada por três tiras de juta, que têm suas pontas fixadas em colunas. Os tecidos – cada um com cerca de 30 m2 de comprimento – estão transpassados na diagonal do espaço, formando uma espécie de asterisco com seis pernas. Eles não alcançam o chão, porque estão amparados em vasos de terracota, de altura entre 40 e 70 cm. Os recipientes são preenchidos com mais terra, plantas e esporos, e o exterior da trama também está enlameado. Dois outros tecidos de algodão – de cor amarelada, tingidos com cúrcuma – finalizam o arranjo. Com a exposição ao sol, a cor esvanece.

Daniel Lie tem 35 anos, e uma identidade não-binária e transnacional – de ascendência indonésia e brasileira, Lie vive e trabalha em Berlim. Outres provoca deslumbramento dada sua monumentalidade. Mas há também o encanto de ver o trabalho se transformando. No dia 29 de agosto, durante a montagem da mostra, as sementes de linhaça estavam adormecidas. No dia 4 de setembro, em uma das pré-aberturas, já haviam brotado. Um mês depois, em 28 de setembro, algumas já haviam murchado e cogumelos despontavam delicadamente. 

Lie é parte de uma festa silenciosa, em que não há hierarquia entre humanos, plantas e microrganismos. A enorme estrutura é hidratada sem qualquer pretensão em se exercer um rígido controle. O que inclui também olhar para a morte e para o nascimento, pensar além do binarismo, entendendo as etapas com todos os seus odores, sejam ternos, como o mel, agridoces, com o cheiro das flores sumindo, ou putrefatos, vindo da decomposição misteriosa da matéria.

 

Um portfólio

LOUCOS POR BANANAS
De Carlos Dada

Confira Loucos por Bananas, um portfólio de artistas da América Central, publicado na piauí em setembro de 2023. Basta pesquisar um pouquinho sobre a região para notar que a arte de Moisés Barrios, Julia Diaz, Carlos Cañas e Rina Lazo, entre outros, é uma declaração política enraizada na própria história do continente. Escreve o jornalista salvadorenho Carlos Dada no texto de apresentação: “Nessa região, vibrante e plena de energia, apesar de sua perpétua luta pela sobrevivência contra forças tremendas (violência, repressão, desastres naturais, desigualdade, guerra, exílio, corrupção política, pobreza e os Estados Unidos), a vida dos artistas está de tal modo ligada ao resto da população e definida pelos eventos que marcam o cotidiano dos países, tão pungente em sua urgência, que sua produção é ao mesmo tempo um grito e um protesto, vigorosos e intensos ao expressar sua condição.”

 

Uma ficção 

A OUTRA FACE
De Jorge Baron Biza

“A Outra Face”, ficção publicada na edição de setembro da piauí, é um trecho do romance O deserto e sua semente, do argentino Jorge Baron Biza. Originalmente lançado em 1998, o livro acaba de ganhar sua primeira edição brasileira pela Companhia das Letras, em tradução potente de Sérgio Molina. Filho de um latifundiário megalomaníaco (Raúl Barón Biza) e uma feminista pioneira que foi secretária da Educação (Rosa Clotilde Sabattini), Jorge ficcionaliza em seu livro os dias, meses, e anos seguintes a um ataque de ácido sulfúrico de seu pai contra sua mãe, ocorrido em 1964 – um evento que culminaria numa série de suicídios (do pai, da mãe, de uma irmã, e, finalmente, do autor). Essa tragédia em teoria inenarrável é narrada por Baron Biza – às vezes com uma precisão desapaixonada, às vezes com uma neurose latente que mal consegue se esconder. Formalmente inventivo e refratário a qualquer sensacionalismo, o livro foi recusado por diversas editoras antes de ter uma edição bancada pelo próprio autor. Em 2013, mais de uma década depois do suicídio de Jorge em 2001, a editora de Buenos Aires Eterna Cadencia relançou o livro, e desde então ele tem ganhado traduções mundo afora, se firmando como um dos grandes romances argentinos dos anos 1990.

 

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