Um patinho feio na luta contra a Covid-19
Sem experiência no ramo, pequena empresa de Minas recebe autorização para importar e revender testes que detectam anticorpos no organismo de quem entrou em contato com o coronavírus; resultado dos exames sai entre dez e trinta minutos
O avanço da Covid-19 no Brasil impôs um desafio inédito a uma pequena empresa de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. A QR Consulting aguarda a chegada do primeiro lote de testes rápidos para a detecção de infectados pelo coronavírus. Adquirido de uma distribuidora da Califórnia, nos Estados Unidos, o material deve desembarcar no Brasil em até três semanas. A empresa mineira foi uma das onze autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a fabricar, importar e vender os testes no Brasil. A demanda é enorme. Na última terça-feira, o Ministério da Saúde anunciou que vai disponibilizar 8 milhões de testes rápidos para diagnosticar a contaminação pelo vírus – boa parte deles deve ser comprada dessas onze importadoras e distribuidoras.
Das onze firmas, dez possuem know-how em importação de medicamentos e insumos médicos, caso da Celer Biotecnologia S/A, de Belo Horizonte, no mercado há dezenove anos. “Estamos adquirindo um lote de um fabricante em Guangzhou, na China, de quem já compramos produtos há cinco anos”, diz o engenheiro Denilson Laudares Rodrigues, sócio-fundador da empresa.
Nesse grupo de gigantes do setor, a QR é o patinho feio. Fundada há seis anos pelas farmacêuticas Ana Paula Tameirão de Paula Castro e Maria José Barbosa Duarte, a firma ocupa uma sala acanhada em um edifício comercial moderno de Nova Lima. Possui apenas três funcionários, contratados em regime de trabalho temporário, e capital social de 3 mil reais. Como o telefone da empresa não está disponível na internet, obtê-lo não é tarefa fácil – a reportagem precisou recorrer às redes sociais das sócias para contatá-las. A pequena estrutura era suficiente para os negócios da QR até agora: registrar na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) produtos médicos fabricados no exterior. “É um trabalho técnico, feito por mim e minha sócia”, afirma Castro. A empresa nunca teve contratos com o poder público.
Em janeiro, quando o coronavírus era epidêmico apenas na China, as duas farmacêuticas resolveram ampliar os negócios para incluir a importação de insumos médicos. Elas contam que, ao tomarem a decisão, não cogitavam o rápido avanço da Covid-19 pelo mundo. No mês seguinte, a empresa da Califórnia contratou a QR Consulting com o intuito de solicitar à Anvisa autorização para comercializar no Brasil os testes rápidos, que detectam a presença de anticorpos no organismo de quem entrou em contato com o coronavírus. O resultado sai entre dez e trinta minutos. “Não esperávamos que a doença chegaria ao país da forma como chegou. Nem estamos fazendo prospecção de clientes porque não é preciso. Todo o lote que compramos da Califórnia já tem destino certo”, diz Castro. Por questões comerciais, ela não informa quantos testes virão dos Estados Unidos.
Quando indagada se a pandemia é uma oportunidade de ouro para a QR Consulting mudar de patamar, Castro desconversa: “Vamos fazer essa primeira importação e ver se compensa.” Ela enxerga vantagens no tamanho atual da firma. “Os clientes conversam diretamente comigo, e costumo ser bem franca a respeito de preços e prazos.”
A farmacêutica tampouco revela quem são os compradores dos testes. Diz apenas que vem mantendo contato com prefeituras, governos estaduais, laboratórios particulares e, claro, o Ministério da Saúde. Na Celer, também há demanda por parte de grandes empresas, interessadas em aplicar os testes em seus funcionários. A Anvisa ainda estuda se irá permitir a comercialização do produto nas farmácias. Rodrigues, da Celer, estima que cada kit deve custar entre 250 e 350 reais para o consumidor final.
Os testes rápidos detectam dois tipos de anticorpos no organismo. O IgM surge na fase mais aguda da doença, a partir do oitavo dia de contágio. Já o IgG aparece no décimo quarto dia e, em tese, imuniza o paciente contra a enfermidade pelo resto da vida (no caso da Covid-19, ainda não se sabe se a imunização de fato ocorre). Por detectar esses dois anticorpos, os testes possibilitam identificar quem foi infectado pelo vírus e, assim, mapear por onde o microrganismo passou em determinado território. Os infectologistas dizem que a epidemia estará sob controle quando houver a chamada “imunidade de rebanho”. Ou seja: quando entre 50% e 80% da população tiver sido contaminada e desenvolver defesas contra o coronavírus.
O problema, ainda segundo especialistas, é a exatidão do teste rápido. Além de não detectar o microrganismo no período de incubação, que vai até o sétimo dia de contágio, o exame tem eficácia de 60% a 70%, conforme epidemiologistas consultados pela piauí – quer dizer, a cada cem exames realizados, entre quarenta e trinta podem dar resultados imprecisos (de acordo com as importadoras, porém, a taxa de eficácia é de 90%). O outro tipo de teste existente no mercado, o RT-PCR, detecta o vírus diretamente e, por isso, é mais eficiente. A Coreia do Sul, por exemplo, optou pelo uso dele. O resultado, no entanto, é mais demorado – leva, em média, seis horas para sair. O RT-PCR também é 70% mais caro que o teste rápido. Além disso, há poucos laboratórios no Brasil com capacidade de realizá-lo.
Parte dos 8 milhões de kits que o Ministério da Saúde pretende disponibilizar deve vir da China. A Fiocruz e a Vale irão importá-los para uso dos profissionais de saúde, num primeiro momento. Depois, a testagem será ampliada. De 30 mil a 50 mil pessoas poderão se submeter ao exame em postos itinerantes instalados em municípios com mais de 500 mil habitantes. Ainda não há previsão para a chegada do teste a cidades menores.
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