minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    A escritora Helena Lahis: em vários aspectos, a vida dela hoje está pior do que era antes da­quela tarde de domingo em que foi le­vada para dentro de uma ambulância, de modo abrupto CRÉDITO: FE PINHEIRO_2025

anais da Justiça

Uma escritora é internada

Como uma mulher foi mantida em uma clínica psiquiátrica durante 21 dias contra a própria vontade

Angélica Santa Cruz | 07 abr 2025_08h19
A+ A- A

Na tarde de 20 de outubro de 2019, um domingo, a escritora Helena Lahis foi levada do apartamento onde morava até uma clínica psiquiátrica no Rio de Janeiro. Uma psiquiatra amiga da família entrou em seu quarto junto com dois enfermeiros, informou que ela apresentava sinais de transtorno mental e seria conduzida a uma ambulância. Lahis não soube como reagir. Achou que, se conseguisse manter certa calma, resolveria a situação rapidamente e esclareceria que aquilo se tratava de um engano.

Quando chegou à clínica Espaço Clif, no bairro de Botafogo, foi atendida por um residente em psiquiatria. Ficou nua, agachou três vezes, soprou um bafômetro, teve seus cabelos revistados, a bolsa retirada. Foi internada, com hipótese diagnóstica de hipomania (cujos sintomas são autoestima excessivamente elevada, agitação, aumento exacerbado de energia, de produtividade e de libido).

A internação involuntária foi feita com a participação de seu ex-marido, Paulo Henrique de Lima, presidente da Universal Music Brasil, de quem ela estava em processo de separação. Pouco antes de acionar a psiquiatra, Lima ficara sabendo que Lahis estava em um novo relacionamento. Ele afirmou a amigos que ela havia sido vítima de um “trabalho espiritual” e que estava fora de si. O psicanalista que acompanhava a escritora na época – e que também é psiquiatra – se manifestou contra a internação e disse que sua paciente não tinha qualquer sinal de transtorno psiquiátrico. Mas um terceiro psiquiatra, contratado para acompanhá-la na clínica, resolveu mantê-la em confinamento.

Lahis ficou 21 dias na Espaço Clif, sem comunicação com o mundo exterior. Foi libertada com ajuda da mãe de uma adolescente também internada, que levou uma carta ao novo namorado da escritora. Em 10 de novembro, também um domingo, a Justiça expediu um habeas corpus pedindo a sua imediata liberação. No dia seguinte, ela foi a uma delegacia denunciar o ex-marido e todos os envolvidos em sua internação involuntária.

Quando foi retirada do apartamento em que mo­rava com a família, Lahis percebeu que estava numa situação sem volta. “Ali, dentro da ambulância, eu já pensei: ‘Agora eu ganhei um carimbo. Isso não podia ter acontecido, isso é desu­mano e isso não pode ficar assim’”, ela contou a Angélica Santa Cruz na edição deste mês da piauí.

Cinco anos depois, a internação virou uma terra ar­rasada de contenciosos. Entre eles, há um processo penal, um cível e investigações sigilosas no Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro. Ao final da leitura de 4 317 páginas dos processos principais, aparece uma penosa cronologia.

O ex-marido falava em interná-la pelo menos um dia antes de procurar uma opinião médica e usava, como indicação de que o comportamento dela havia mudado, uma troca de mensagens privadas que encontrou entre ela e seu novo namorado — mas diz que só seguiu orientações dos psiquiatras. Os psiquiatras envolvidos no episódio dão voltas em torno da complexidade do diagnóstico de hipomania. No final, ninguém se responsabiliza pela internação involuntária que deixou consequências devastadoras na vida da escritora.

Lima foi indiciado pelo Ministério Público e hoje é réu pelo crime de “privar alguém de sua liberdade mediante sequestro ou cárcere privado” e pelo delito de “invasão de dispositivo automático”. A psiquiatra amiga da família, Maria Antonia Serra Pinheiro, assim como o ex-diretor técnico da clínica Espaço Clif, Gabriel Bronstein Landsberg, também foram denunciados. O processo corre em segredo de Justiça no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Os réus já apresentaram suas defesas. Agora cabe à juíza decidir pela absolvição sumária de todos ou pela continuidade do processo, chamando outras audiências.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí

Helena Lahis e Paulo Lima se divorciaram formalmente em dezembro de 2019. Ela afirma que tudo o que recebeu na partilha de bens foi gasto com honorários de advogados nos primeiros anos depois da denúncia. A escritora precisou vender seu apartamento para pagar custas do processo e mudou-se para a casa onde funciona a sua editora. Nos últimos anos, conseguiu que alguns advogados atuassem pro bono em seus processos.

“Como me internaram sem um diagnóstico? Fiquei 21 dias presa em uma clínica. Quem sabe o que fica disso? Foi um ataque à minha dignidade, à minha capacidade cognitiva, relacional, profissional, diz a escritora, que nunca se recuperou do ocorrido.

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.