ILUSTRAÇÃO: ROBERTO NEGREIROS_2016
A armadilha em que a esquerda se meteu
Se o objetivo é reduzir a pobreza e a desigualdade, não há alternativa ao projeto social-democrata de FHC
Samuel Pessôa | Edição 123, Dezembro 2016
Cresci numa família paulistana de classe média alta em que o nome do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, quando pronunciado, gerava reações de reverência do tipo que no passado provavelmente era reservado a santos ou cardeais. Tínhamos a impressão, na década de 80, de que as teorias e interpretações que saíam da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas ainda eram capazes de deixar os franceses de queixo caído. Anos antes, aquela havia sido a escola do “seminário Marx” – quando professores da casa se dedicaram a ler em detalhe e interpretar de maneira inovadora a complexa obra do pensador alemão. Era também, como sabíamos, a escola de Marilena Chaui, uma das maiores especialistas em Spinoza; de José Arthur Giannotti e Ruy Fausto, os grandes conhecedores de Marx; de Paulo Arantes, autoridade em Hegel. Ainda hoje não sei dizer se a imagem de excelência que associávamos àquele departamento, na minha juventude, correspondia à verdade. Com o passar dos anos ficou-me a impressão de certo provincianismo paulista nos festejos. Seja como for, a importância do departamento para a profissionalização da filosofia no Brasil é inegável.
Assim, quando comecei a ler o artigo de Ruy Fausto na piauí de outubro – “Reconstruir a esquerda” –, imaginei que dificilmente alguém teria melhores credenciais intelectuais para fazer a reflexão a que ele se propunha: analisar a crise da esquerda brasileira. A reflexão é oportuna e, pelo que indicam os resultados eleitorais recentes, inevitável. O problema é que o professor emérito da USP recai em seu texto na mesma dificuldade em que, voluntariamente, a maior parte da esquerda brasileira tem se lançado nos últimos vinte anos: a demonização do governo de Fernando Henrique Cardoso e, consequentemente, a incapacidade de avaliar corretamente a experiência social-democrata de seus dois mandatos.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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