Daniele, Pretinha, Deolane e Dayanne em evento na Adega Baronesa, em São Paulo Reprodução Instagram
De olho no closet
A polícia investiga indícios de ligação da advogada Deolane Bezerra com familiares de Marcola, do PCC, envolvidas em um esquema de venda de bolsas de luxo furtadas
A empresária Francisca Alves da Silva, conhecida como Pretinha, recebeu convidadas especiais em 28 de agosto de 2021 na sua boate, a Adega Baronesa, no bairro da Liberdade, área central de São Paulo. Cunhada de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC, Pretinha abriu a casa três anos antes em nome de uma das filhas, Bárbara Alves Mota.
Marcaram presença na boate as irmãs Deolane, Daniele e Dayanne Bezerra Santos, todas advogadas. Àquela altura, Deolane havia se tornado uma figurinha fácil de sites de fofoca, a partir de um acontecimento trágico que aconteceu apenas três meses antes: a morte do seu noivo, o MC Kevin, ao cair da varanda de um hotel na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Quando chegaram à festa, fazia poucos dias que Deolane e as suas irmãs haviam lançado um reality show sobre o trio no Youtube, chamado As doutoras.
Também não passou despercebida a presença de Irene Mendes da Silva, que morava em um apartamento quase em frente à boate. Embora não fosse famosa, era muito próxima tanto de Bárbara quanto de Pretinha.
Além do gosto por festas, o apreço por bolsas de grife unia Pretinha, Bárbara, Irene e as irmãs Bezerra Santos. Deolane tinha uma coleção delas, que gostava de exibir na sua página do Instagram, rede social na qual se tornou uma potência, com 21,3 milhões de seguidores (mais que os 17,1 milhões da apresentadora Angélica ou que os 19,8 milhões da cantora Madonna).
As festas, o brilho e o luxo compunham uma sinfonia que abafava um negócio que corria em segredo. Ao investigar os negócios da família Marcola em São Paulo e no Ceará, tanto a Polícia Federal quanto a Polícia Civil paulista descobriram que Bárbara e Irene mantinham uma rede de revenda de bolsas de grife roubadas e furtadas por quadrilhas especializadas em bairros paulistanos ricos.
Em abril de 2023, ladrões invadiram a casa do humorista Wellington Muniz, o Ceará, e da influenciadora Mirella Santos, em São Paulo, e levaram joias, relógios e bolsas de marcas como Chanel, Miu Miu, Saint Laurent e Louis Vuitton. Dias depois, parte dessas bolsas foi anunciada em uma rede social. Em uma das imagens, aparecem uma mão e parte do braço tatuado segurando a alça de uma Fendi Dotcom de couro. Ao comparar a foto com imagens da página de Bárbara no Instagram (que tinha Deolane como seguidora), os peritos constataram que era a filha de Pretinha, sobrinha de Marcola (Pretinha é casada com Alejandro Juvenal Herbas Camacho, o Marcolinha). As bolsas foram recuperadas pela polícia. A mesma técnica de comparação de fotos foi utilizada pela polícia para comprovar que Irene também oferecia bolsas furtadas nas redes sociais, em sociedade com Bárbara.
Na manhã de 19 de junho de 2023, a Polícia Civil cumpriu mandados judiciais de busca e apreensão na Adega Baronesa, no apartamento de Irene e em um terceiro endereço no bairro do Morumbi. No total, foram encontradas 47 bolsas, 35 delas originais, das marcas Gucci, Fendi, Prada, Valentino, Versace, Louis Vuitton e Dolce&Gabbana. No celular de Irene, a polícia encontrou vários diálogos de ofertas de bolsas supostamente furtadas. “São as mesmas peças que vão pra loja?”, perguntou um cliente. “Sim”, respondeu Irene. “Só que eu tenho ‘esquema’, entendeu?” O inquérito segue em andamento.
Neste ano, ao investigar Pretinha pelo envolvimento em um esquema de jogos ilegais mantidos pelo PCC no Ceará, a PF encontrou diálogos entre ela e a filha Bárbara no WhatsApp tratando de uma terceira pessoa envolvida no comércio de bolsas roubadas: “Esperando aqui, que a Irene falou assim que era duas, né? A outra era boa de negócio, entendeu? A outra foi presa. A Irene falou assim que a mina pegou tanta bolsa de Chanel, aquelas bolsas caras que ela me vendeu. Mano, lembra? A verdinha? A mina foi presa roubando na Zara. Sendo que pega em outros lugares com bolsa caríssima, foi presa pegando bolsinha velha na Zara”, disse Pretinha.
Uma das conversas em áudio entre mãe e filha traz indícios de que Deolane era uma das clientes das bolsas. Em 3 de setembro de 2022, dez dias antes da advogada ingressar como participante do reality show A Fazenda, da TV Record, Pretinha disse para Bárbara que havia oferecido uma peça para Deolane por 26 mil reais (ela não especifica marca), mas que a advogada havia dito que o valor era alto. E que depois vendeu a bolsa por 15,5 mil reais, por meio de Irene. “Nossa, Bárbara, eu tava falando dessa bolsa agora. […] Eu joguei 15 [mil reais]. […] Aí a Irene já chamou ela e tal. ‘Ah, vê se ela paga 15,5’ Pronto, fechei nos 15.500. Aí a Deolane achou cara, [por] 26 [mil reais]. Mas só de mal também, não vou passar pra ela, não. Eu fiquei pra mim, vou ficar pra mim a bolsa. Por enquanto, né? Quando nós vender pra ganhar uns 15 mil em cima, nós vende.” A PF irá enviar nos próximos dias o material para a Polícia Civil de São Paulo anexar ao inquérito contra Bárbara e Irene.
Na mesma investigação da PF cearense, constam transações bancárias de baixo valor, um total de 11,7 mil reais, entre Deolane e Pretinha, mas que ainda assim foram consideradas suspeitas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Pretinha está presa desde abril deste ano e é ré em ação penal na Justiça cearense, acusada de organização criminosa. Deolane não é investigada nesse caso.
Ela nunca negou que tenha entre seus clientes nomes ligados ao PCC, mas afirma que não está diretamente ligada à facção. Em uma entrevista à revista Marie Claire, disse: “Advogo, sim, para membros de facções, mas para determinados casos. Não sou advogada de um todo, que é ilegal. Se você hoje for advogado criminalista e não advogar para quem é de facção criminosa, você não advoga para ninguém. São eles que têm dinheiro”.
A compra e venda de bolsas não é o único elo entre Deolane e Pretinha. Em 27 de outubro de 2021, a Polícia Civil cumpriu mandado de busca no apartamento do bairro Água Rasa, em São Paulo, onde morava Everton de Souza, o Gordão, integrante do PCC e sobrinho de Pretinha. No imóvel, que pertence a Deolane, os policiais encontraram uma pistola calibre 40 e 26 gramas de drogas ilícita (metanfetamina e ecstasy). Deolane acompanhou as buscas no apartamento, mas não é formalmente investigada nesse caso.
Mais recentemente, em fevereiro último, a advogada publicou em suas redes sociais uma foto mostrando um pesado cordão pertencente a Thiago da Silva Folly, o TH, chefe do tráfico na Vila do João, no Complexo da Maré, Rio de Janeiro. A foto foi feita durante um baile na favela dominada Terceiro Comando Puro (TCP). A Polícia Civil fluminense abriu inquérito para apurar o episódio.
Deolane foi presa na última quarta-feira (4) pela Polícia Civil de Pernambuco, suspeita de lavar dinheiro de jogos ilegais no estado. Segundo a Folha de S.Paulo, uma empresa da advogada comprou um carro Lamborghini Urus roxo da bet Esportes da Sorte, pivô do esquema, por 4 milhões de reais, e o revendeu pouco tempo depois.
Bruno Ferullo, advogado de Barbara, disse em nota que “em que pese Barbara ter sido investigada, não se chegou a autoria de nenhum crime perpetrado por ela, conforme relatório final apresentado pela autoridade policial que concluiu que não fora evidenciado nenhuma materialidade delitiva.” Já o advogado de Deloane e de Irene, Rogério Nunes, e a defesa de Pretinha não quiseram se manifestar.
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