Molvânia, berço da polka
Os encantos de um país que ainda desconhece a odontologia moderna
Santo Cilauro, Tom Gleisner e Rob Sitch | Edição 1, Outubro 2006
Apesar de ser um dos menores países da Europa, a República da Molvânia tem muito a oferecer ao turista exigente. Vistas panorâmicas, imponente arquitetura neoclássica e séculos de devoção à alta cultura existem, obviamente, em pouquíssima quantidade. O intrépido viajante encontrará, ainda assim, o que apreciar nessa nação única e encalacrada — desde as atrações da capital Lutenblag, com a sua encantadora rede ferroviária movida a gás, até as espessas florestas das Montanhas Postenwalj, no Sul, onde os visitantes podem inebriar-se com um copo de zeerstum (conhaque de alho) de fabricação local enquanto assistem a um camponês com roupas típicas bater na sua mula.
Terra natal da coqueluche e líder mundial na produção de beterrabas, a Molvânia é um país parado no tempo, e por toda parte o passado está maravilhosamente preservado, como na cidade de Gyrorik, onde se encontra um dos mais antigos reatores nucleares do mundo ainda em operação. Quanto aos edifícios e monumentos, a Molvânia é duplamente abençoada, pois passou por duas épocas de esplendor arquitetônico: um período gótico, sob o reinado do imperador sacro-romano Carlos IV, e outro soviético, no fim dos anos 50, durante os quais a influência do amianto deixou uma marca indelével na paisagem urbana.
Para os preocupados com a preservação ambiental, a Molvânia aderiu com entusiasmo ao conceito do ecoturismo: diversas residências ecologicamente corretas estão sendo edificadas, boa parte delas no interior das frágeis florestas temperadas do Nordeste, de onde se tirou a madeira necessária para construí-las.
Qualquer que seja o seu interesse, há chances de satisfazê-lo na Molvânia. Tudo o que você precisa é desse guia e de algumas vacinas* e estará pronto para embarcar!
*CONTRA CÓLERA, FEBRE TIFÓIDE, DIFTERIA, HEPATITE A, HEPATITE B, POLIOMIELITE, TUBERCULOSE, HEPATITE C, MENINGITE, MALÁRIA, TÉTANO, DENGUE E ENCEFALITE DO CARRAPATO. AQUELES QUE PLANEJAM VISITAR O INTERIOR DA MOLVÂNIA DEVEM CONSIDERAR UMA INJEÇÃO DE ANTRAX.
HISTÓRIA
Embora tribos eslavas tenham provavelmente ocupado a Molvânia no século V, o primeiro registro histórico relativo ao país data de 721 d.C., quando o príncipe da Molvanskia, Nikod I, declarou-se senhor de um império englobando não só o seu pequeno país como a Prússia, a Alemanha e a maior parte da Escandinávia. Era uma pretensão ambiciosa para um governante que acabara de fazer doze anos, e seu reinado expansionista mal durou algumas semanas.
Na Idade Média, o país foi invadido por inúmeros exércitos, incluindo os godos, tártaros, turcos, hunos, bálticos, lombardos e até um bando surpreendentemente bélico de freiras espanholas, antes que o primeiro rei e santo padroeiro da Molvânia, Fyodor I, se dedicasse a unificar o país, exterminando o máximo de súditos que conseguiu. Os que não foram mortos ou presos foram forçados a virar professores.
O império converteu-se ao cristianismo com a chegada do missionário São Parthag, em 863 d.C., mas voltou ao paganismo logo que ele foi embora, no ano seguinte. Durante a Idade das Trevas, a Molvânia adotou por um breve período a religião muçulmana, mas os preceitos rígidos do Alcorão contra a bebida, a violência e o sexo fora do casamento jamais encontraram eco junto à população.
A Molvânia passou por um florescimento da cultura Renascentista, que alguns historiadores circunscrevem a três semanas, no final de 1503. Mas há sinais de que um interesse renovado nas artes e na cultura tenha ido além dessa época e, por volta de 1520, uma das universidades mais evoluídas da Europa foi construída no norte da Molvânia, em Motensparg, oferecendo cursos de grego arcaico e latim, bem como bolsas de estudo para praticantes de luta greco-romana.
TEMPOS MODERNOS
Depois de séculos como reino, a Molvânia enfim proclamou a república, em 1834, e seus líderes decidiram escrever uma constituição moderna. O documento resultante conferia todos os poderes executivos a um Grande Mago, cujas decisões podiam ser refutadas apenas em noites de lua cheia. Tentativas posteriores modernizaram ainda mais a estrutura do país, formando as bases para o atual sistema de governo democrático da Molvânia. O primeiro estadista eleito pelo povo foi o primeiro-ministro Czez Vaduz, que governou até sua morte, em 1871. A popularidade desse líder carismático era tão grande que ele foi reeleito no ano seguinte.
Durante a Segunda Guerra Mundial, um partido nazista subiu ao poder e a Molvânia apoiou a Alemanha. O governo montou uma polícia secreta tão brutal que até a SS tinha receio em lidar com ela. Com a derrota, a Molvânia caiu na área de influência soviética e suportou muitos anos de privações e domínio autoritário. A reviravolta ocorreu, em 1982, com a queda do famoso Muro de Lutenblag, não tanto por causa da reforma democrática, mas devido à má disposição dos tijolos. O colapso do símbolo odiado levou o país, no ano seguinte, às primeiras eleições democráticas. O vencedor do pleito foi um ex-comandante do Exército, o general Tzoric, que conseguiu uma vitória esmagadora — literalmente — depois que todos os membros do partido de oposição foram soterrados por um deslizamento de terra (bastante incomum) durante a campanha. Tzoric e o seu Partido Rzelic governaram até 1989, quando foram depostos pelo recém-criado Partido da Paz, que imediatamente declarou guerra contra a Eslováquia e a Polônia. Um armistício foi redigido, mas infelizmente a Molvânia entrou num período de grande recessão, que culminou com a Greve de Treze Anos, quando os trabalhadores faltaram ao trabalho por 4.745 dias seguidos, em represália ao plano de corte das gratificações de férias.
Serviços públicos como saúde e educação ainda são, lamentavelmente, precários na Molvânia, embora existam nove emissoras de TV governamentais. Apesar dessas contradições, ou talvez por causa delas, um número cada vez maior de pessoas visita a Molvânia todos os anos para conhecer o seu charme inigualável.
A população da Molvânia é constituída por três etnias: os Bulgos (68%), que habitam predominantemente o centro e o sul; os Hungários (29%), que ocupam as cidades do norte; e os Molvos (3%), que em sua maioria se encontram em presídios.
Os molvânios têm um cálido senso de humor eslavo, que às vezes é confundido com impaciência, rispidez e agressividade. Eles não são particularmente formais, embora existam algumas regras de convívio social a serem observadas: o cumprimento básico é o aperto de mão, seguido de uma inclinação leve e reverente para frente, salvo se o interlocutor for mais velho, quando então se deve manter a inclinação, mas para a esquerda, e bater os calcanhares, lembrando que o aperto de mão, nessas circunstâncias, pode causar um incidente diplomático (como bater os calcanhares na presença de uma mulher casada ou de um membro do clero). Ao entrar em uma casa, é de bom-tom descalçar os sapatos em sinal de respeito — e também para ter algo com o qual bater no cachorro, caso ele resolva atacar. É recomendável levar presentes aos anfitriões, como flores, frutas, armas de fogo e cigarros para as crianças. Em certas partes do sudeste da Molvânia, é falta de educação pedir talheres para comer. Ao falar no telefone, a grosseria e a aspereza são tidas como modos aristocráticos.
IDIOMA
O molvanês não é um idioma fácil de se falar, e muito menos de dominar. Há quatro gêneros: o masculino, o feminino, o neutro e o substantivo coletivo para queijos, que ocupa uma subseção nominativa própria. A língua também possui milhares de verbos irregulares, frases arcaicas, palavras de múltiplo sentido e sons fonéticos que os lingüistas dizem ser um dialeto raro, ou apenas cidadãos limpando a garganta. Isso, combinado a um número recorde de letras mudas, fazem da fluência um enorme desafio. Em caso de pânico, é possível fazer como certos visitantes, e acrescentar a letra “j” ou “z” de modo aleatório a alguma palavra — sem resultados perceptíveis.
Talvez uma solução melhor seja memorizar algumas frases úteis (veja quadro no final da página). Lembre-se, também, que a estrutura sintática do molvanês escrito pode ser um tanto complexa, com o uso rotineiro da tripla negação. Portanto: “Posso beber essa água?” torna-se “Erkjo ne szlepp statsik ne var ne vladrobzko ne” (literalmente, “Não é que essa água não seja não imbebível?”).
Felizmente, o molvanês coloquial do falante nativo é um pouco menos formal, e um falante nativo que queira saber: “Posso beber essa água?” só precisa dizer “Virkum stas?” (enquanto aperta o estômago com força, com um gesto de sofrimento gástrico).
Estima-se que um estrangeiro leve, em média, dezesseis anos para aprender o idioma oficial da Molvânia. O relatório do Departamento de Estado americano enumera uma série de motivos para isso, incluindo o fato de que uma palavra pode ser ao mesmo tempo um elogio e um insulto, dependendo do tom com que é dita.
Lutenblag está situada no centro da Molvânia, às margens do rio Uze, e era originalmente formada por duas cidades, Luten (“lugar de muitas colinas”, em molvanês) e Blag (“lixão municipal”), que se juntaram no século XII. Lutenblag prosperou como terra de cafetões, comerciantes e artesãos, e transformou-se num dos maiores centros mundiais de impressão de livros adultos. De fato, a primeira litografia pornográfica do mundo foi publicada em Lutenblag, em 1506. Depois de um incêndio, em 1654, quase toda a cidade foi reconstruída no estilo barroco. Depois de outro incêndio, em 1951, ela foi reconstruída novamente, dessa vez em amianto e concreto.
A cidade também apresenta alguns problemas marginais, sendo que a poluição é um deles. Muitos turistas ficam espantados (e em seguida fogem espantados) com a espessa camada de fumaça que paira sobre a maior parte da metrópole. O panorama vem melhorando ao longo dos anos: recentemente, a Molvânia assinou o Protocolo de Kyoto e divulgou sua intenção de abandonar o carvão fóssil como fonte de energia. Até 2010, toda a geração de energia ficará por conta do diesel.
De acordo com o lema local, Lutenblag é a “cidade que não pode parar”, frase que pode aplicar-se tanto à expansão rápida da sua periferia (que se multiplicam como cogumelos) como ao crescimento de suas taxas de criminalidade.
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