“Ninguém ouviu da minha boca que não era para ajudar o Michel. Mas não posso rechaçar elogios. Se o cara me diz ‘você é a solução para o Brasil’, não posso dizer ‘para com isso, sou ruim’’’ FOTO: KAZUO OKUBO_2017
O improvável
Rodrigo Maia flerta com a Presidência da República
Julia Duailibi e Malu Gaspar | Edição 131, Agosto 2017
Os gritos de “Fora, Temer” ressoavam pelo plenário, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do Democratas do Rio de Janeiro, tentava colocar alguma ordem na sessão, sem sucesso. “No microfone, não”, advertiu a um dos parlamentares da oposição que bradava palavras de ordem contra o presidente da República no sistema de alto-falante da casa. A confusão era uma resposta à notícia publicada por O Globo, minutos antes. Às sete e meia da noite daquela quarta-feira, 17 de maio, o jornal divulgara que o empresário Joesley Batista, dono do Grupo JBS, a maior processadora de carnes do mundo, aderira à delação premiada e gravara Temer, no porão do Palácio do Jaburu, dando um suposto aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, que está preso em Curitiba.
Com a expressão um tanto alarmada, Maia lia e relia a bomba pelo celular, enquanto tentava dar continuidade à votação de medidas provisórias que compunham a pauta do dia. A oposição, no entanto, já cobrava a abertura de um processo de impeachment contra o presidente. “Fora, Temer!”, insistiam os opositores, em coro, acompanhados de um apito. Da mesa diretora, 2 metros acima dos demais parlamentares, Maia tinha o cenho franzido, os olhos assustados e começava a suar na testa. “Calma, calma”, pedia aos deputados, enfatizando o apelo com as mãos. Sob a mesa, suas pernas balançavam frenéticas, um tique nervoso que fazia tremelicar o imponente encosto da cadeira de presidente da Câmara.
Havia uma razão para tamanho desassossego. Maia tornara-se o segundo na linha sucessória desde que Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, sofrera o impeachment, em agosto de 2016. Na hipótese da queda de Michel Temer, ele assume a Presidência e tem trinta dias para convocar eleições indiretas – para as quais é o favorito. Ciente do que aqueles acontecimentos representavam para o país e, particularmente, para ele, Maia resolveu encerrar a sessão. “Não tem mais clima para trabalhar”, disse, ao deixar o plenário em direção à saída principal da Câmara, onde já o esperava o carro oficial, cercado por jornalistas. Um dos repórteres perguntou se ele seguia para o Palácio do Planalto, mas ele negou. Esquivou-se rapidamente, entrou no carro e fechou a porta. Antes de dar mais uma espiada no celular, pediu ao motorista que tocasse para o Planalto. Temer o aguardava.
Uma tempestade incomum para aquela época do ano caiu à noite em Brasília. Ministros e parlamentares da base de apoio de Temer no Congresso buscaram guarida na antessala do gabinete presidencial, no 3º andar do Palácio do Planalto, onde a televisão repercutia trechos da delação contra Temer. Maia foi logo autorizado a entrar no escritório do presidente, que o encaminhou a uma salinha reservada, contígua ao gabinete principal, para que pudessem conversar a sós. Temer tinha os olhos esbugalhados e parecia estar em transe. “Eu não merecia passar por isso”, dizia ele, que meses antes, com a ajuda de Eduardo Cunha, articulara a queda da titular da cadeira presidencial. “O senhor fique tranquilo”, disse Maia, tentando acalmá-lo. “Não haverá nenhum movimento hostil da Câmara contra o senhor.” Ele se referia aos processos de impeachment que já haviam chegado à Casa e também a outros tantos que provavelmente apareceriam por lá.
Rodrigo Maia e Michel Temer não conseguiram manter a conversa reservada por muito tempo. Em minutos, a salinha foi tomada pelos principais aliados do presidente, que se aboletavam no sofá sem a menor cerimônia. O grupo começou a articular a resposta à denúncia d’O Globo. Seria divulgada uma nota, cujo tom estava sendo debatido pela cúpula do governo. Alguém falou em cautela, já que a gravação de Joesley ainda não havia se tornado pública. Segundo o jornal, o presidente teria dito “Tem que manter isso, viu?”, após ouvir que Joesley havia providenciado uma mesada para pagar o silêncio de Cunha. Temer não parava de lamentar a situação em que se encontrava, até que o ministro Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, tomou a palavra: “Não adianta lamentar. Você vai ter que se defender. Vamos ter que desmontar isso.” Sogro de Rodrigo Maia e ex-ministro de Dilma, Moreira Franco foi um dos que mais atuaram para derrubar a presidente. Sua missão, agora, era salvar a pele do inquilino que ele ajudara a levar ao Planalto.
Enquanto governistas buscaram se abrigar da tempestade – a literal e a figurada – na sede do Executivo, parte da oposição julgou mais conveniente se proteger na residência oficial da presidência da Câmara dos Deputados, uma casa de 800 metros quadrados na península dos ministros, em Brasília. Assim que deixou o Planalto, Maia seguiu para lá. De banho tomado, calça jeans, camiseta e mocassim, recebeu os colegas na ampla sala envidraçada, com vista para a piscina e, mais ao fundo, o lago Paranoá. A mesa de jantar comprida, na frente de três telas a óleo do artista plástico português Fernando Lemos, os seis sofás nas cores marrom e bege, dispostos entre poltronas cinza e duas cadeiras Barcelona pretas, formavam diferentes ambientes de conversa, pelos quais se distribuíam os políticos – de deputados do PCdoB e do PT a ministros de Temer. Servidos de uísque, vinho e cachaça, os convidados, atônitos, caçavam novidades em seus celulares e trocavam palpites nos grupos de WhatsApp. Governistas enviavam mensagens de lealdade ao presidente da República, mas já começavam a imaginar o cenário sem ele.
Nas rodinhas, tentavam puxar pela memória qual fora a última vez em que haviam se reunido com Joesley Batista. Teriam caído no grampo da JBS também? Alguém chegou a falar sobre uma operação da Polícia Federal na manhã seguinte, o que tornou o ambiente ainda mais tenso. De fato, quando o dia clareou, a irmã e um primo do senador Aécio Neves, além de um assessor do senador Zezé Perrella, do PMDB mineiro, muito próximo da família Neves, foram presos, na esteira da delação de Joesley, que dizia ter pago 2 milhões de reais ao tucano. As notícias não acabariam ali: havia ainda um pedido de prisão contra Aécio e outro contra Rodrigo Rocha Loures, assessor de confiança de Temer, filmado ao sair de uma pizzaria em São Paulo, logo depois de ter recebido 500 mil reais de um executivo da JBS.
Na residência oficial de Maia, o então ministro da Cultura, Roberto Freire, do PPS, falou que era inevitável a queda de Temer e que, portanto, ele pediria demissão já pela manhã. Seu correligionário Raul Jungmann, ministro da Defesa, alertou o colega da Educação, Mendonça Filho, do Democratas: “Rapaz, não podemos ficar aqui, isso está cheirando a conspiração, e nós somos ministros.” Jungmann, Mendonça e o socialista Fernando Coelho Filho, titular de Minas e Energia, foram embora, numa manifestação de protesto. Maia lembrou aos presentes que, naquele local, eram todos amigos e que podiam falar sem censura. Ele mesmo, porém, mais ouvia. Entre conversas no celular, repetia a mesma frase, como um mantra: “Vamos aguardar os desdobramentos.” Num dos poucos momentos de incontinência verbal, declarou: “Não contem comigo para derrubar o presidente.”
As horas passavam e ninguém queria ir embora. Era bem possível que estivessem testemunhando o início da ascensão de Maia à Presidência da República. Às quatro da manhã, no entanto, entorpecidos pelo álcool e exaustos de tantas suposições, os últimos comensais deixaram o Lago Sul. Com a cabeça cheia de temores e expectativas, Maia foi dormir.
Rodrigo Maia sentou-se na cadeira da presidência da Câmara para o discurso de posse no dia 14 de julho de 2016. Exibia os mesmos tiques que o acometeriam quase um ano depois, no dia 17 de maio, após a divulgação da delação de Joesley. Seus dedos tremiam ao segurar o microfone, ele balbuciava trechos de palavras enquanto buscava fôlego para falar. “Gente…”, disse baixinho, tentando encontrar uma maneira de começar. Do plenário, gritos de incentivo. “Calma!”, “espera um pouco”, “respira fundo”, “toma uma água”. Alguém pôs um copo na mesa, Maia deu um golinho e iniciou uma longa sequência de agradecimentos, anunciados à base de três calmantes. Somou-se à falta de ar a emoção no momento de agradecer à família. Ao mencionar o pai, Cesar Maia, ex-prefeito do Rio por três vezes e atual vereador da cidade pelo Democratas, desandou a chorar. Pôs as mãos no rosto, cobrindo os olhos, e limpou as lágrimas.
Entre uma frase e outra, respirava fundo e esticava o pescoço para o lado, como se quisesse afrouxar o colarinho para sorver mais ar – um dos seus tiques mais frequentes, junto com as pernas inquietas e a obsessão pelo celular. Agradeceu ao comunista Orlando Silva e ao tucano Carlos Sampaio, que “inventaram” aquela “loucura”. Antes de concluir, quis explicar a razão do nervosismo: “Eu nunca tinha sentado nessa cadeira na minha vida. Nunca.” Maia parecia surpreso com o próprio feito. Acabara de se eleger com 285 votos, dos quais 100 eram da esquerda, segundo sua própria estimativa. Derrotara no segundo turno Rogério Rosso, do PSD do Distrito Federal, candidato apadrinhado por Eduardo Cunha (in absentia) e por parte expressiva do governo. No final do discurso, o deputado Beto Mansur, do PRB paulista, recomendou, alto o suficiente para que suas palavras alcançassem o microfone: “Cumprimenta os funcionários.” Maia os cumprimentou.
No início de junho, pouco menos de um ano depois daquela vitória, Maia recebeu a piauí na sala de reuniões da presidência da Câmara. Já parecia à vontade na cadeira oficial. “Todo deputado quer ser presidente da Câmara. Mas, naquele momento, eu não pensava. Estava mais para sair da política. Foi uma coisa muito doida”, admitiu, alternando sua atenção entre a tela do celular e as garatujas no risque-rabisque da mesa.
Os quase catorze anos de Maia na oposição, primeiro a Lula e depois a Dilma, coincidem com o encolhimento de seu eleitorado, que dos 235 mil votos, em 2006, minguou para pouco mais de 53 mil, em 2014. O próprio DEM – ex-PFL, ex-PDS e ex-Arena – perdeu mais da metade da bancada no período, chegando a 22 deputados. Dos parlamentares perdidos, dezesseis debandaram em 2011, para o PSD, do ex-pefelista Gilberto Kassab, que criou o partido justamente para aderir ao governo petista (como prêmio, Kassab foi ministro de Dilma, mas depois apoiou o seu impeachment e, como prêmio, virou ministro das Comunicações de Temer). Rodrigo Maia só conseguiu uma cadeira no Parlamento na atual legislatura graças aos votos de sua coligação, puxada pelo PMDB de Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Eduardo Cunha.
Nem Maia nem ninguém de seu entorno imaginava que ele chegaria tão longe. Ele mesmo se considerava um parlamentar do “médio clero”, como definiu no programa Roda Viva, da TV Cultura, dias depois da posse: “Eu não era nada.” Chegou à presidência da Câmara insuflado por um sentimento difuso anti-Cunha, seu antecessor, que, embora afastado da Câmara pelo STF, mexia os pauzinhos a favor de Rogerio Rosso. O PT queria a todo custo derrotar o algoz de Dilma, e o PSDB não pagaria para ver a reação de seus eleitores a uma candidatura apoiada pelo malvado número 1 da política nacional. Depois de incensar Cunha, a imprensa também passou a demonizá-lo no pós-impeachment, quando a Operação Lava Jato bateu à sua porta. Com alguma virtude e muita fortuna, Maia era o cara certo na hora certa.
Numa tarde de junho, na sala da presidência da Comissão de Trabalho, no Anexo ii da Câmara, Orlando Silva relembrou a articulação que promoveu com outro comunista, o ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo. “Eu liguei pro Aldo e falei: ‘Rebelo, ou nós nos metemos para influenciar alguma coisa ou vamos ficar sabendo pelos jornais’”, lembrou Silva. Entre as razões que os levaram a optar por Maia estava o fato de o DEM ser um partido “menor”, sem a força do PT, do PSDB e do PMDB, e a própria conduta do deputado: “Maia é um cara que esteve conosco em todas as campanhas do Aldo. Fez acordos e cumpriu.”
Conhecido e tantas vezes ironizado por suas posições ultranacionalistas, Rebelo é uma das três figuras por quem Maia diz ter mais admiração na política – além do pai. As outras duas são lideranças de direita de temperamentos opostos: o senador baiano Antonio Carlos Magalhães (1927–2007) e o ex-senador Jorge Bornhausen, que deixou o PFL ao criar o PSD, ao lado de Kassab.
Num sábado, em meados de 2016, Orlando Silva mandou um WhatsApp para Maia, e os dois combinaram de se ver naquele mesmo dia. O comunista voou para o Rio e, quando chegou ao apartamento do deputado do DEM, em São Conrado, foi surpreendido pela presença do tucano Carlos Sampaio, que lá estava pelo mesmo motivo. O trio começou a trabalhar. “Eu procurei Lula e o PT. Lula, na segunda conversa, deu o aval para o PT com o argumento de que era um nome que dialogava com a esquerda”, contou Orlando Silva.
O figurino anti-Cunha que Rodrigo Maia passou a exibir naquela eleição era uma novidade. Em seus primeiros mandatos, ele, de fato, manteve uma distância segura do colega de bancada fluminense, conhecido nos corredores da Câmara por “ter no bolso” mais de 100 deputados. Mas a relação mudou quando Cunha se elegeu presidente da Câmara, em 2015, e se tornou uma espécie de Frank Underwood da política brasileira (o vilão interpretado por Kevin Spacey em House of Cards). Cunha resolveu prestigiar o democrata conferindo a ele, entre outras coisas, o comando da Comissão Especial da Reforma Política. Maia retribuiu com fidelidade – quase até o final.
Em novembro de 2015, quando Cunha tentava dar explicações para contas na Suíça em seu nome e o PSDB apresentava um pedido para afastá-lo da presidência da Câmara, André Moura (PSC-SE) leu um manifesto no plenário. Dizendo ter o apoio de doze partidos à permanência de Cunha, ele declarou: “Aqui são mais de 230 deputados representados por seus líderes que ratificam a confiança na condução de Cunha.” Do plenário, fora do microfone, Maia fez questão de deixar claro seu assentimento, na contramão do seu partido, e atalhou em voz alta: “231!” Ao votar pelo impeachment de Dilma, em abril de 2016, Maia iniciou seu voto com palavras de exaltação a Cunha: “Senhor presidente, o senhor entra para a história hoje.” No mês seguinte, quando o STF afastou Eduardo Cunha do cargo, Rodrigo Maia fazia parte do grupo restrito que se dirigiu à residência oficial da presidência da Câmara para prestar solidariedade logo após a decisão judicial.
Àquela altura, Maia não morria de amores pelo governo de Michel Temer, que ajudara a viabilizar. “Eu fui escanteado quando o governo começou. Fui convidado para ser líder do governo e desconvidado, duas semanas depois, às duas horas da manhã”, contou. Maia foi preterido por André Moura, por interferência de Cunha, que, com grande influência sobre o palácio, disse não confiar no DEM para um cargo tão estratégico. Sentiu-se traído. Quando a ideia de se candidatar à presidência da Câmara surgiu, sentia-se desobrigado de qualquer satisfação ao Planalto ou a Cunha, que trabalhavam por Rosso. “Só no segundo turno, o Moreira ligou para uns dois pedindo ajuda”, ironizou, ao se lembrar da ajuda que o quase sogro deu a ele no final da disputa – Moreira Franco é casado com Clara, mãe da segunda mulher de Maia, Patrícia Vasconcelos, com quem o presidente da Câmara tem dois filhos e espera o terceiro.
Maia se ressente de não ter sido levado a sério. “Quando apareceu uma matéria dizendo que o PT ia me apoiar, aí eles [o governo] viram que eu tinha chance”, comentou. “Depois que eu viro presidente da Câmara, aí muda o comportamento do governo.” No dia 31 de agosto de 2016, quando o Senado aprovou o impeachment, Temer chamou Maia para uma conversa no jardim do Palácio do Jaburu. “Se a gente fizer a construção jurídica, eu quero que você continue presidente da Câmara”, disse Temer. O presidente referia-se a uma saída legal que permitisse a Maia disputar a reeleição numa mesma legislatura, o que era vedado pela Constituição. O STF, porém, entendeu que ele poderia concorrer, já que fora eleito em 2016 para um mandato “tampão”, depois da saída de Cunha. Em fevereiro deste ano, Maia disputou a reeleição, da qual saiu-se novamente vitorioso, desta vez em primeiro turno.
Era uma tarde de julho, na sala da residência oficial, quando Rodrigo Maia, com os pés em cima da mesa de centro, e o celular nas mãos, discorreu sobre as surpresas do poder. “Quando virei presidente, não imaginava que o poder era tão grande. Achei que era menor. Você pauta, você defere impeachment, CPI. É muito poder. Num momento desse então…” Depois de uma pausa, prosseguiu, aludindo às possibilidades que o cargo lhe conferia: “Se eu fosse um sacana, se eu fosse só oportunista e não estivesse preocupado com o Brasil, tinha nomeado metade do governo dele. ‘Tá na hora de trocar esses três ministros aqui.’ Como ele vai dizer não?”
Ao longo das campanhas para a presidência da Câmara, formou-se um grupo pequeno, mas eclético, de parlamentares que passou a gravitar em torno de Maia. Parte deles criou um subgrupo, ainda mais restrito, que nos fins de semana se reúne com mulher e filhos na residência oficial da Câmara para um churrasco ou uma pizza. A “turma da pizza” passou a articular a ascensão de Maia à Presidência da República, quando ficou claro que o caso JBS tinha potencial para derrubar Temer do poder.
Um dos integrantes do grupo é Alexandre Baldy, deputado novato por Goiás. A reportagem da piauí o encontrou no começo de junho, no subsolo do Anexo IV da Câmara, onde fica a liderança do nanico Podemos (ex-PTN), distante do prédio principal da Câmara projetado por Oscar Niemeyer. A televisão da antessala transmitia o terceiro dia de julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral, que poderia cassar Temer por abuso de poder político e econômico na eleição de 2014.
Aos 37 anos, gel no cabelo, barba aparada e físico em forma, Baldy está com Maia quase todos os dias, inclusive nos fins de semana. “Ele não trata do assunto com a gente de jeito nenhum. Para quem pergunta, diz que nem devem contar com ele para uma situação como essa. Ele tem dado demonstrações de caráter e de que não vai derrubar o presidente”, desconversou o deputado quanto às movimentações no Congresso. Embora neófito, mostrou conhecer as armadilhas de Brasília e afastou o celular da reportagem da mesa em que estávamos. O tom da sua voz era baixo, como se participasse de uma conspiração. Ao longo da conversa, admitiu quase aos sussurros que alguns deputados “estão desesperados para voltar para o governo”. Quais deputados? “Parlamentares da oposição”, ele disse, e completou: “Ninguém da base tá fazendo algo.”
Também novato na Câmara, o deputado Fernando Monteiro, do PP de Pernambuco, costuma caminhar com Maia pelas manhãs. Segue a mesma linha de Baldy, embora fale mais alto que o colega do Podemos. “Ele já me disse que não vai abrir nenhum impeachment contra Temer, mesmo que para isso perca o mandato”, afirmou Monteiro, durante uma conversa no seu gabinete, no Anexo III da Câmara, tirando de uma gaveta balas e chocolates. “Agora, você me diz: ‘Fernando, você acha que ele não tem um plano?’ Ele tem. Na emergência, ele tem um plano.”
Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia nasceu em Santiago, no Chile, em 1970, durante o exílio do pai, Cesar Maia, ex-estudante de engenharia e militante de esquerda, preso pelo regime militar. Em 1969, Maia pai exilou-se no país vizinho, onde, por intermédio de outro exilado, o hoje senador tucano José Serra, conseguiu uma vaga no curso de economia. Naquele ano, conheceu a irmã da namorada de um colega carioca, a chilena Mariangeles Ibarra, de uma família de comunistas. Em 1970, nasceriam os gêmeos do casal, Rodrigo e Daniela.
Cesar Maia serviu o governo de Salvador Allende num organismo de desenvolvimento social, no qual era responsável por calcular o preço do cimento. No início de 1973, Maia foi para Lisboa e de lá negociou sua volta ao Brasil por meio de Heleno Fragoso, à época um dos mais atuantes advogados de presos políticos. Cinco meses depois, Mariangeles aportava no Brasil com os gêmeos. Cesar Maia chegaria três meses mais tarde, sendo detido no aeroporto e levado para a prisão, onde ficou por noventa dias.
A família Maia foi viver num apartamento em Ipanema, alugado pelo avô de Rodrigo Maia, o engenheiro Felinto Epitácio Maia, ex-diretor da Casa da Moeda. Alto funcionário da Klabin, Felinto conseguiu um estágio na empresa para o filho, que lá fez carreira como executivo da área de produção. Em 1978, Cesar, Mariangeles e os gêmeos se mudaram para a Barra da Tijuca, na época uma região de urbanização ainda incipiente. O condomínio Novo Leblon, onde compraram um apartamento, reunia prédios e casas num terreno de 540 mil metros quadrados, cercado por muros e câmeras de segurança. Rodrigo Maia cresceu lá, frequentando a quadra de futebol e aulas de judô, entre garotos de classe média-alta que estudavam com ele no tradicional Colégio Santo Agostinho, também na Barra. Na adolescência, começou a remar no Botafogo, seu clube do coração. Certo dia em 1986, pegou uma carona com um amigo para treinar remo e sofreu um acidente de carro que lhe rendeu uma cicatriz considerável no supercílio e dois meses fora da escola. Acabou repetindo o 1º ano do colegial (hoje ensino médio). Mudou para o Padre Antonio Vieira, escola tradicional da elite carioca que não se notabiliza pela ênfase nos estudos, por onde também passou Fernando Collor. Terminou a carreira escolar numa instituição pouco conhecida, chamada Impacto.
O amor pelo time alvinegro lhe rendeu o apelido de “Botafogo” na lista de políticos beneficiados pela Odebrecht. Maia tornou-se alvo de dois inquéritos no STF que investigam a relação com a empreiteira. Em um deles, foi acusado de ter recebido 350 mil reais, em 2008, para financiar as campanhas eleitorais de candidatos do DEM, e 600 mil reais, em 2010, para abastecer a campanha do pai ao Senado. No outro inquérito, é apontado como beneficiário de 100 mil reais, em 2013, para ajudar na aprovação de medida provisória que favorecia a Braskem, braço petroquímico da Odebrecht. Maia também foi acusado pela Polícia Federal de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao beneficiar a oas com projetos na Câmara, em troca de 1 milhão de reais, oficiais, para a campanha eleitoral do pai em 2014. Ele nega todas as acusações, mas a aposta unânime entre os advogados da Lava Jato é a de que, no dia seguinte a uma eventual ascensão ao Planalto, a operação começaria a persegui-lo.
Um executivo da Odebrecht relatou à piauí que Cláudio Melo Filho, lobista da empreiteira em Brasília e admirador de Maia, vivia tentando injetar mais dinheiro nas campanhas dele, mas não conseguia convencer Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o homem da Odebrecht no Rio. Júnior, que apostava em Sérgio Cabral e Eduardo Paes, não acreditava que Maia decolaria: julgava-o sem graça e desprovido do brilho dos outros dois. Melo tanto insistiu que acabou por marcar um encontro com Marcelo Odebrecht. Depois disso, foi autorizada a liberação de recursos para a campanha de Maia.
Aos 14 anos, Rodrigo Maia recebeu o primeiro de tantos empurrõezinhos profissionais que seu pai lhe daria vida afora: num Carnaval na Sapucaí, foi porteiro do camarote do governador pedetista Leonel Brizola (1983–87), de quem Cesar Maia era secretário da Fazenda e por quem Rodrigo tinha certa devoção a ponto de manter uma foto dele em seu quarto. “Todo mundo que tinha ligação com o político pegava credencial e não ia trabalhar. Ficava assistindo. O único idiota que foi trabalhar fui eu”, ele lembrou. A segunda experiência profissional foi na loja de roupas Bee, sucesso nos anos 80 entre a elite da Zona Sul carioca. Era tímido e não emplacou como atendente. Foi parar no caixa.
Em 1989, passou no vestibular para economia na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, mas pediu transferência para a Cândido Mendes, uma universidade particular, no Rio. No primeiro ano de curso, conseguiu um estágio no Banco BMG, onde começou trabalhando na área técnica. Coletava preços do comércio para produzir estimativas de inflação. Era uma grande aventura pegar o metrô e ir até a Tijuca, na Zona Norte, fazer a pesquisa de campo. Depois, migrou para a mesa, onde passou a entender o mercado e a fazer operações com juros.
Em 1991, Cesar Maia rompeu com o PDT e, no ano seguinte, se elegeu à Prefeitura do Rio pelo PMDB. O filho do prefeito frequentava as melhores boates e era amigo dos endinheirados e herdeiros da cidade, uma turma que andava de carro importado e voava de helicóptero para os fins de semana em Búzios ou Angra dos Reis. Apesar de habitué da noite carioca, Maia diz que só bebia e que nunca usou drogas. O deputado baiano Artur Maia (PPS) – sem nenhum parentesco com Rodrigo –, que acompanhava um café da manhã do presidente da Câmara com a piauí, no início de julho, fez um aparte: “Aquela turma nossa era barra-pesada.” Maia ignorou o comentário do colega, que também passou a juventude no Rio, e pôs-se a falar da timidez que atrapalhava seu desempenho na noite com as mulheres. “O cara que é tímido só ataca quando tem 105% de certeza de que ele não vai errar”, disse, rindo e lamentando ter “deixado passar algumas oportunidades”.
Maia pouco aparecia na faculdade. Em determinado momento, Cesar Maia percebeu que, se não fosse reprovado por faltas ou pelas notas muito baixas, o filho acabaria abandonando o curso. Pediu a amigos ou conhecidos que lecionavam na Cândido Mendes para que dessem aulas particulares ao filho. As lições eram dadas à noite, depois de fechado o mercado. Mas o esforço foi inútil, segundo um dos professores: “A gente fazia pelo Cesar, mas estava na cara que não ia funcionar. O Rodrigo era muito dispersivo.” Em 1993, começou a trabalhar para o Banco Icatu, na área de captação de recursos, por indicação de uma amiga. Ele culpa, de novo, a timidez quando fala de seu desempenho no setor: “Foi um fracasso.” No mesmo ano, passou a morar com uma namorada, com quem teve suas duas primeiras filhas. Entre 1995 e 1996, viveu um período em Nova York, onde estudou inglês e finanças. “Era um curso que tinha lá. Nada demais. Nada relevante”, resumiu. A essa altura, a ideia de concluir a faculdade já tinha sido abandonada.
Na volta dos Estados Unidos, a dona do Icatu, Kati de Almeida Braga, empregou-o para acompanhar a conjuntura política da América Latina. Mais tarde, Cesar Maia diria que ela identificou um “talento oculto” no filho. Rodrigo não lembra assim. “Foi quando eu vi que queria sair. Não ia fazer consultoria política pra banco”, disse ele, que se animava mais com as operações na mesa. De qualquer modo, a relação com o mercado financeiro se forjou ali. Hoje, ele é um dos parlamentares que mais conversam com analistas e investidores, inclusive diariamente por WhatsApp – como contrapartida, foi também um dos que mais receberam doações do setor.
Cesar Maia tentou evitar que o filho seguisse seus passos. Em 1993, em sua primeira gestão, convidou para compor as subprefeituras do Rio um grupo de jovens que havia se destacado na campanha. Não escalou Rodrigo. Entre os “Menudos”, como eram chamados, estava Eduardo Paes. Dali em diante, Paes seria por muitos anos o auxiliar preferido de Cesar Maia – relação que provocava ciúmes em Rodrigo. O filho de Cesar só teve sua chance com Luiz Paulo Conde, sucessor de seu pai na prefeitura. Ele havia trabalhado com Conde na campanha de 1996, o que lhe rendeu um convite para atuar na nova administração. Maia pai reagiu. “Ô Conde, você vai me desculpar, mas leva quem você quiser para o seu secretariado. Levar o Rodrigo para a política, não! Ele vai continuar trabalhando onde está, gosta e vai bem”, disse, referindo-se ao mercado financeiro.
Não adiantou. Para o desgosto paterno, Rodrigo Maia largou o Icatu e, em 1997, estreou na política como secretário de Governo de Conde. No ano seguinte, deixou a prefeitura para ser candidato a deputado federal pelo PFL, numa dobradinha com Paes. Quem bancou a candidatura de Rodrigo foi a mãe, para quem todos os esforços do marido deveriam se concentrar na carreira política do rebento. Além de cultivar uma antipatia por Eduardo Paes, Mariangeles achava que ele fazia sombra ao filho. Cesar foi enquadrado pela mulher, e Rodrigo e Eduardo, ambos com 28 anos, foram eleitos com boa votação. Rodrigo ficou em Brasília, mas Paes voltou para o Rio em 2001 para ocupar uma secretaria na segunda gestão de Cesar Maia – eleito em 2000.
Rodrigo Maia só viria se tornar o parceiro político preferencial do pai em 2002, quando Paes trocou o PFL pelo PSDB e deixou a prefeitura para se candidatar de novo à Câmara. Cesar teria pedido a ele que não concorresse, para não tirar votos do filho. A partir daí, segundo o próprio Paes recordou em 2016, em entrevista para a piauí, houve um afastamento progressivo. “Eu nunca tive uma briga com o Cesar. Mas eu sentia que tinha um climão. O Rodrigo ia entrar na política… Não sei se tinha ali uma ciumeira, mas às vezes eu me sentia no meio de uma relação de pai e filho.”
Num gabinete apertado, com pé-direito alto e cheio de infiltrações, na Câmara Municipal, no Centro do Rio, Cesar Maia negou que o filho deva a carreira política a ele. “Não me deve rigorosamente nada. A não ser o próprio nascimento.” Pai e filho são muito próximos e falam diariamente por WhatsApp. As mensagens de Rodrigo, porém, são invariavelmente lacônicas, quando não meros compartilhamentos de notícias. Quando vai ao Rio, o filho passa sempre na casa do pai, um apartamento de frente para a praia, em São Conrado, num dos metros quadrados mais caros da cidade, que Cesar adquiriu quando prefeito. A família tem uma predileção pelo bairro. Rodrigo Maia é dono de outro imóvel no local, doado pelo pai, em 2005, mas quando vai ao Rio fica num terceiro apartamento na orla, cedido pela irmã.
Cesar Maia endossa a tese da timidez ao falar sobre a demora do filho em deslanchar na política. “O pai já era uma pessoa conhecida, então aquilo gerava uma certa inibição: ‘Será que vão me comparar com o meu pai?’ Hoje eu estou torcendo para me compararem a ele”, disse, rindo. “Ele custou a desenvolver a oratória. Por muito tempo, ele se inibia na hora que tinha que começar a falar”, completou, dizendo que sempre aconselhou o filho, um leitor menos disciplinado que ele, a levar o discurso escrito. Recentemente, quando Rodrigo se preparava para discursar num evento como presidente da Câmara, Cesar lhe fez uma recomendação: “Não se esqueça de que uma parte importante desse discurso tem de ser de reconhecimento ao Temer.”
Alguém na sala perguntou alto: “Quem convidou o Temer?” Ninguém na festa de 47 anos de Rodrigo Maia, na casa do amigo Alexandre Baldy, teve a ousadia de responder. No imóvel no Lago Sul, o deputado do Podemos havia organizado a comemoração com banda ao vivo e charutos. Toda a “turma da pizza” estava lá para festejar, mais do que o aniversário, o bom momento político de Maia. “Era uma reuniãozinha de vinte pessoas. E aí foram cerca de cinquenta”, afirmou depois o anfitrião, admitindo a surpresa que representou a chegada de Temer. O presidente fora absolvido pelo TSE naquela mesma noite de 9 de junho e resolveu jogar água no chope dos amigos de Maia, celebrando sua vitória na festa do eventual sucessor. Rodeado de convidados, Temer chamou a absolvição no TSE de “extraordinária”, mas ressaltou que tinha “outras batalhas pela frente”. Referia-se, especificamente, à guerra com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que, dezessete dias depois, o denunciou ao STF por corrupção passiva no escândalo da JBS.
Desde que a delação de Joesley viera a público, Maia repetia a frase da fatídica noite de 17 de maio: não agiria para derrubar Temer. Aos poucos, o clima do entorno o contagiou, e ele passou a realizar movimentos calculados, porém discretos, para agentes do mercado, do mundo político e da imprensa. Queria ser percebido como alguém capaz de conduzir a agenda de reformas que Temer não tinha mais condições de bancar. Era esse o “plano” ao qual o deputado Fernando Monteiro, da “turma da pizza”, se referiu na conversa em seu gabinete.
Em junho, quando Temer cumpriu uma agenda de viagens ao exterior, Maia assumiu a Presidência, e o primeiro almoço que teve foi com o presidente do Insper, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula e defensor de uma agenda liberal para a economia. Maia pediu ao economista que fizesse um diagnóstico das reformas. A conversa não teve nenhum resultado concreto a não ser o de enviar ao mercado um sinal de afinidade com os temas que preocupam o empresariado. Era como se Maia estivesse elaborando a sua própria “Ponte para o Futuro” – projeto de governo que Temer lançou, ainda como vice, para fazer um aceno ao PIB, como parte do esforço para apear Dilma da cadeira.
Duas semanas depois do almoço, Maia enviou um funcionário da Câmara a São Paulo para entrevistar Lisboa sobre os temas abordados na conversa. No dia seguinte, alguns jornais traziam a informação de que ele já formava seu gabinete presidencial – o economista estaria cotado para uma secretaria especial das reformas. Também começaram a circular informações de que manteria no cargo o fiador do ajuste fiscal, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com quem estreitara a relação e passara a trocar impressões sobre a política econômica.
A expectativa de poder em torno de Maia criou uma demanda por sua presença, e ele ocupou os espaços. Políticos e empresários o convidavam para cafés, almoços e jantares, nos quais ele fazia questão de aparecer, mesmo que tivesse de repetir três vezes, num único dia, a mesma refeição. Atendeu agendas no Rio e em São Paulo, onde conversou com a Fiesp, foi recebido por bancos e fundos de investimento e visitou redações, como a da revista Veja. Alimentou, com conversas off the records, repórteres, colunistas e editores dos principais jornais do país. No momento em que O Globo pedia a renúncia de Temer em editorial, e o governo estava em pé de guerra com as organizações da família Marinho, Paulo Tonet de Camargo, vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, batia cartão nos jantares na residência oficial da presidência da Câmara. O advogado, ex-integrante do Ministério da Justiça no governo FHC e ex-vice-presidente da RBS, conhece bem as engrenagens de Brasília e é benquisto pelos parlamentares, que o chamam de “o lobista da Globo”. Embora Maia tenha conhecido Tonet antes de ele ir para a Globo, em 2011, a relação mudou de patamar com a ascensão política do deputado fluminense, que hoje tem ótimo trânsito com o maior grupo de comunicação do país, diferentemente de seu pai, que vivia em pé de guerra com a família Marinho.
Nos últimos meses, Maia viajou pelo país em busca de quadros para a legenda que pretende criar a partir do DEM, formada por dissidentes do PSB outros desgarrados, como o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, do PMDB. Maia usa seu prestígio para dar musculatura ao projeto, o que aumenta seu poder de fogo na Câmara, no momento em que a Casa poderá se ver diante da responsabilidade de decidir o futuro do presidente da República. Costurou também um acordo com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, do PMDB cearense. Caso haja eleição indireta, ele seria candidato e seu vice viria do Senado, escolhido em comum acordo com o presidente da Casa. Dá-se como certo, nesse cenário, que o senador será o presidente do PSDB, Tasso Jereissati, conterrâneo de Eunício. O tucano, uma das vozes que defendem o desembarque do partido do governo Temer, foi recebido por Maia às vésperas de uma viagem que o presidente da Câmara fez a Buenos Aires, na primeira semana de julho. No dia seguinte ao encontro, como num balé ensaiado, Jereissati disse à imprensa e a quem mais pudesse interessar: “Rodrigo Maia tem condições de juntar os partidos ao redor de um nível mínimo de estabilidade que o país precisa. Estamos chegando na ingovernabilidade e tem que haver agora um acordo para dar estabilidade mínima para se chegar a 2018.”
As palavras ecoavam as de Temer em 2015, quando, em meio à articulação para o impeachment de Dilma, falou que alguém precisava “reunificar” o país. Quando Jereissati disse que Maia era o fator de estabilidade, o presidente da República teve a certeza de que estava em curso uma conspiração para derrubá-lo.
Mendonça Filho, ex-líder do DEM na Câmara e ex-coordenador do Comitê Pró-Impeachment, foi um dos principais articuladores da perda do mandato de Dilma. Como prêmio, levou o Ministério da Educação, com o apoio de Maia. Num eventual governo do presidente da Câmara, Mendoncinha, como é chamado, teria cadeira cativa. Num sábado, três dias após a notícia d’O Globo sobre a delação da JBS, Maia e Mendoncinha foram visitar Cesar Maia em seu apartamento, no Rio. No encontro, o pai e a mãe de Rodrigo Maia pediram cautela ao filho e disseram que qualquer movimento mais ousado seria interpretado como um golpe contra o presidente. Cesar Maia também desaconselhou Mendoncinha a sair do governo – naquele momento, ele estava prestes a entregar o cargo. A viagem faria uma escala estratégica em São Paulo, onde Maia teria uma conversa com o governador tucano Geraldo Alckmin, postulante à Presidência em 2018. Mendoncinha achou que o encontro tinha um quê de conspiração e desaconselhou o amigo a visitar Alckmin naqueles dias conturbados. Temer fora menos cauteloso. Em 2015, desembarcou em São Paulo para pedir a benção do governador do principal estado do país, em meio à crise política do governo Dilma.
De volta a Brasília, naquele mesmo sábado, Rodrigo Maia procurou o presidente do DEM, José Agripino Maia. “Não tem condição de o DEM sair desse governo agora. Não sei daqui a um tempo. Mas, agora, não tem condição. Eu que vou parecer traidor, conspirador, um cara que quer o poder”, declarou o presidente da Câmara, que ainda disse: “Vamos ser os últimos a sair.” Mendoncinha permaneceu no governo.
“Rodrigo tá jogando superleal com Temer. Tá parado. Também não pode fazer diferente. Não pode empurrar o cara pro cadafalso”, declarou o ministro da Educação, de seu gabinete na Esplanada dos Ministérios, em junho. “Agora, tem gente que torce. O componente que mais pesa contra Michel hoje é o componente eleitoral, a eleição do ano que vem. Se ele tivesse dois anos, não caía nem que a vaca tossisse o rabo”, disse o ministro, misturando duas expressões populares numa só.
Mendoncinha é bom definidor da personagem do amigo. “Rodrigo, quem não conhece, acha ele um porre, um chato. Mas é timidez. Rodrigo tem um jeito de ser que soa até mal-educado. É seco e dá respostas às vezes muito duras. Mas, ao mesmo tempo, é um cara sensível para caramba, por qualquer coisa chora”, disse. Ele esteve com Maia em diferentes negociações e pode dizer que o amigo, ansioso, também não é muito bom negociador. “Às vezes ele cede demais. Não tem o sangue-frio para se segurar.”
A crise política contribuiu para aumentar a ansiedade do presidente da Câmara, que ganhou mais 5 quilos nos últimos meses. A dependência do celular também ficou mais visível. “É uma coisa quase patológica, o dia inteiro no celular. As pessoas comentam”, disse o ministro, rindo, para em seguida contemporizar: “Por outro lado, agrada parte dos parlamentares, que se comunicam muito com ele pelo WhatsApp.”
Maia é famoso por chegar aos lugares e não cumprimentar as pessoas, o que lhe rendeu o apelido de Mercadante, em alusão ao ex-ministro de Dilma. Apesar disso, prosseguiu Mendoncinha, ele tem bom trânsito na Câmara. “Na Casa, o que mais pesa não é a simpatia. O maior componente é confiança, credibilidade, palavra. E isso ele sempre teve.”
“Confiança, credibilidade e palavra” não são exatamente as qualidades que a secretária de Desenvolvimento, Emprego e Inovação da Prefeitura do Rio, Clarissa Garotinho, de 35 anos, aponta em Maia. Em 2012, ela teve intensa convivência com o democrata, quando decidiram fazer uma aliança para concorrer à prefeitura, em oposição a Eduardo Paes, que disputava pelo PMDB. No arranjo, Maia era o candidato a prefeito, e Clarissa, a vice. A chapa foi um fiasco: teve apenas 95 328 dos votos, ou 2,94% do total.
“O Rodrigo hesita muito. Eu percebia isso, me irritava na eleição. ‘Rodrigo, decide. Certo ou errado, mas decide!’”, disse a filha de Anthony e Rosinha Garotinho, ex-governadores do estado, que hoje estão em campos políticos opostos aos Maia. Em seu gabinete, no Centro Administrativo da cidade, onde recebeu a piauí, Clarissa contou que na campanha havia dois jingles feitos por MC Naldo. “Ninguém sabia qual usar. Qual ia pra televisão, qual ia pra rua. Acabou que usaram os dois porque ele não decidiu.”
Clarissa, porém, concorda com Mendoncinha em um ponto: Maia é mesmo tímido. “Ele tinha pavor de fazer carreata. Tinha vergonha de ficar em cima do carro dando tchau pras pessoas. É uma pessoa que numa eleição majoritária tem dificuldades.” Ela destaca, como contraponto, o fato de Maia ser bom articulador e dado ao diálogo: “Não se indispõe com ninguém. Ele prefere não te responder a se indispor com você. Você não vê ele brigando publicamente com ninguém. Foram essas características que o levaram à presidência da Câmara.”
Ao menos uma vez, porém, Maia foi visto brigando com alguém. E esse alguém tinha quase 2 metros de altura e controlava o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Foi em 2007, durante um jantar na casa de um ex-senador, quando Maia se aproximou do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, para dizer que “não ia mais permitir” o comportamento do governo do PT, que investia sobre quadros do DEM para garantir votos a favor da CPMF. Os dois bateram boca. Quando Maia virou as costas, Jobim, gaúcho, soltou: “Guri de merda.”
Clarissa Garotinho costuma dizer que a aliança para a prefeitura com Rodrigo Maia foi o maior arrependimento de sua vida. Durante a conversa, entre refrigerantes light e biscoitos de chocolate, ela contou que ele, para obter a cabeça da chapa, da qual ela não queria abrir mão, havia garantido o apoio de seu grupo aos Garotinho na eleição seguinte, para o governo do estado. “Eu posso confiar nesse compromisso?”, ela quis saber. “Eu estou dando a minha palavra”, ele respondeu. Dois anos depois, os Maia fecharam aliança com o PMDB para lançar Cesar Maia ao Senado, e os Garotinho ficaram a ver navios. Clarissa foi cobrar a palavra de Rodrigo. “Ele afirmou que as coisas tinham mudado, que ele reconhecia o acordo, mas que não podia cumpri-lo.” Ele, então, não cumpre acordos? “Eu não posso dizer que ele é uma pessoa que nunca cumpre seus acordos, porque essa foi a única experiência que tive com ele. Mas também não posso dizer que ele é alguém que cumpre o combinado. Hoje, por exemplo, ele é aliado do presidente Michel Temer e diz que será leal a ele. Mas nada impede que amanhã ele simplesmente diga: “Temer, o cenário mudou.”
No 4º andar do Palácio do Planalto, Moreira Franco, titular da Secretaria-Geral da Presidência da República, via uma mudança no cenário – mas ela era favorável a Temer. O governo havia vencido no TSE, e o Gato Angorá, apelido que recebeu de Brizola em razão da farta cabeleira branca (ou, noutra versão, porque passa de colo em colo), dizia, com ar enfadado, que a discussão sobre uma eventual saída de Temer da Presidência estava fora do radar. “Já esteve na moda, mas agora não está mais”, disse, sentando numa das poltronas de sua sala, na terceira semana de junho, dias antes de Janot apresentar a denúncia contra Temer ao STF.
Antes de ser sogro do presidente da Câmara, Moreira é o “homem número 1 de Temer”, segundo definiu Cesar Maia. O articulador da “Ponte para o Futuro” disse não acreditar que o genro estivesse envolvido em manobras para despejar Temer do Planalto: “Não vejo perigo nesse tipo de comportamento. E o que se vê é uma lealdade grande do Rodrigo, e isso porque a agenda política é a mesma.” Fez uma pausa e resumiu: “Em política, o natural é muito forte.”
Quando chegou a Brasília, Rodrigo Maia tinha aulas de política com Moreira Franco, deputado federal com anos de janela. Os ensinamentos foram transmitidos por meio de conversas animadas e cheias de malícias, todas as terças-feiras, no restaurante italiano I Maestri. Os veteranos Luiz Carlos Santos e Roberto Brant, à época no DEM, costumavam participar. Numa das conversas com a piauí, Maia contou de sua relação com Santos, morto em 2013, que viveu seu auge no Parlamento como articulador político do governo FHC. “Na casa do Luiz Carlos tinha uma adega de vinho. Eu entrava na adega e começava a abrir as garrafas. Ele dizia: ‘Essa não pode, Rodrigo.’ Eu dizia: ‘Pô, Luiz Carlos, você não tem filho homem. Vai deixar esses vinhos pro genro? Vamos beber, porra.’ Era muito engraçado.”
Naquela época, Rodrigo nem imaginava que, anos depois, se tornaria genro do colega de taça Moreira Franco. Os dois eram amigos, mas, como ambos gostam de frisar, sempre estiveram em grupos políticos distintos no Rio. Na eleição de 2004, Moreira Franco candidatou-se a prefeito de Niterói, mas Maia e seu pai, então prefeito do Rio, apoiaram o adversário, do PT. Roberto Brant, o outro comensal do I Maestri, procurou Rodrigo para tentar convencê-lo a não ir contra o amigo. O presidente da Câmara foi intransigente: “A gente é adversário do Garotinho, e eu não vou dar a vitória para o PMDB. Foda-se que ele é meu amigo. É meu amigo de Brasília, não é meu amigo do Rio.”
Em meados de junho, Maia estava contrariado com um perfil seu feito pelo jornal Valor Econômico, no qual se dizia que ele chegara à presidência da Câmara com a ajuda de Moreira. “Estão mal informados. Somos de grupos opostos. Meu pai e ele se odeiam desde 86”, comentou, preocupando-se em fazer uma ressalva: “Pessoalmente se dão bem.” Em 1986, o antropólogo Darcy Ribeiro, candidato de Cesar Maia e de Brizola ao governo do Rio, foi derrotado por Moreira Franco. “Minha relação com Moreira, ele governador, eu deputado do PDT, com tiroteio nos jornais, não poderia gerar simpatia familiar”, admite Cesar Maia. E como fazem nos almoços de família aos domingos? “Não há esses almoços”, disse o ex-prefeito.
O último embate com Moreira ocorreu no auge da crise da JBS, quando Maria Silvia Bastos Marques pediu demissão da presidência do BNDES. Temer combinou que consultaria Maia sobre a escolha do substituto, mas acabou nomeando Paulo Rabello de Castro sem nada perguntar a ele, que ficou furioso. Temer soube da insatisfação por notas de jornal, e pediu a Moreira que colocasse panos quentes. “Vocês fazem tudo errado! Esse cara não tem nenhuma interlocução com o mercado nem com o Congresso, ninguém gosta dele! De quem foi essa ideia?”, esbravejou Maia. O mal disfarçado constrangimento de Moreira denunciou a resposta. Era ele o padrinho de Rabello de Castro.
Em 2004, Rodrigo conheceu Patrícia, a enteada de Moreira Franco. Separado da mãe de suas duas filhas havia sete anos, ele viu a futura mulher, pela primeira vez, enquanto andava com um amigo, dono de uma boate, no Fashion Mall, um shopping de São Conrado. Em 2005, os dois se casaram, em cerimônia para 500 pessoas, numa igreja no Centro do Rio. O casamento foi alvo de protestos de cerca de cinquenta estudantes de filosofia e ciências sociais da UFRJ. “É casamento de acordão, o filho do corrupto e a filha do ladrão”, gritavam os manifestantes que levaram cartazes com a frase: “Não procriem.”
No mesmo ano em que se casou, Rodrigo foi indicado como líder do PFL na Câmara e ganhou projeção ao vocalizar pela oposição as críticas ao PT no escândalo do mensalão. Em 2006, conseguiu uma proeza: foi eleito como o terceiro deputado federal mais votado do Rio. No ano seguinte, tornou-se presidente do PFL.
No café da manhã com a piauí, na residência oficial, em meados de junho, ele lembrou a articulação que o levou para a presidência do partido. “Começou uma discussão se ia ou não trocar o nome do partido. Aí o Bornhausen falou: ‘Não vai trocar o nome? Então, não vai ter renovação. Então, eu continuo presidente.’ Aí o ACM disse: ‘Então, troca o nome! A gente prefere o Rodrigo ao Jorge.’” O PFL virou DEM, e o primeiro programa na tevê, com Rodrigo presidente, foi elaborado pela produtora Paula Lavigne, que o chama até hoje de “Bochecha”. Para ficar mais solto na gravação, Maia tomou uns goles de espumante. Ficou tão soltinho que as imagens não puderam ser usadas. Teve de gravar novamente.
O relógio redondo pregado na coluna de madeira do gabinete presidencial, no Palácio do Planalto, marcava poucos minutos depois das onze da manhã do dia 21 de junho. Maia era o presidente da República em exercício, desde que Temer viajara para a Rússia. Como de costume, estava atrasado para a agenda do dia, um beija-mão de parlamentares e ministros. Ainda dava o nó da gravata no colarinho branco, quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, deixou a sala para dar lugar ao vice-líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino, que reclamou do frio. “Você tá velho. Velho que não gosta de ar-condicionado”, rebateu Maia.
Feito o nó na gravata, Maia baixou o colarinho, vestiu o paletó e sentou-se numa das duas poltronas à frente da mesa de Temer. Tinha o celular nas mãos. Aproveitou para dar uma checadinha e, curiosamente, colocou o aparelho embaixo de uma das coxas e logo começou a chacoalhar as pernas. A denúncia de Janot contra Temer aportaria no Congresso em cinco dias, e o mundo político especulava o comportamento do PSDB. “Aécio está numa situação tão ruim que nem tem condições de ajudar o governo. Ele me mandou uma mensagem pedindo desculpas pela conversa. Eu falei: ‘Olha, você já me deu tantas demonstrações de amizade.’” A “conversa” a que se referia era uma gravação entre o senador tucano e Joesley, na qual Aécio cita, não de maneira muito elogiosa, Maia. “Primeiro temos dois caras frágeis pra caralho nessa história. É o Eunício, presidente do Senado, e o Rodrigo Maia, presidente da Câmara. O Rodrigo especialmente, também tinha que dar uma apertada nele”, afirmou Aécio, sobre a pressão em Maia para aprovar a anistia ao caixa dois.
Naquela manhã, no gabinete que ainda era de Temer, Maia parecia buscar um equilíbrio entre a cobrança do governo por lealdade e a euforia dos aliados que o aguardavam na antessala – além de seu próprio entusiasmo. “Não sou candidato. Eu estou na linha sucessória, é diferente. Não vou fazer o que alguns fizeram, o Café Filho…”, disse ele, numa referência ao vice de Getúlio Vargas que, em 1954, rompeu publicamente com ele ao cobrar no Senado a renúncia do presidente – Vargas se suicidou, e Café Filho assumiu.
“E o senhor não faria como Temer fez com Dilma?”, perguntou a reportagem. Maia ignorou a pergunta e continuou: “A história está aí para a gente analisar. Muitos empurraram o presidente para fora. Eu não vou empurrar o Michel para fora. Acho que com tudo que eu estou fazendo já estou ajudando, que é o meu papel de ser correto com ele, sendo de um partido da base.” E os aliados que já articulavam a favor da denúncia e contra Temer no Congresso? Maia bateu o pé no chão e disse: “Não tô sabendo. Deve ser gente que quer ser ministro. Basta pedir que eu indico pro Michel.” Abriu um sorriso.
Uma semana depois de ter ocupado a Presidência da República, Rodrigo Maia estava de volta à sua cadeira no Congresso para dar início à sessão do dia 29 de junho, quando foi feita a leitura da denúncia contra Michel Temer no plenário da Câmara dos Deputados. Maia acionou o microfone apertando um botão embaixo da mesa e alongou o pescoço para o lado, deixando escapar um “hum–hum” para limpar a garganta, captado pelo sistema de áudio da Casa, antes que começasse a falar. “Sob a proteção de Deus”, abriu os trabalhos.
A peça, que fora enviada por Janot ao STF três dias antes, chegava naquela manhã à Câmara para depois seguir até a Comissão de Constituição e Justiça, onde um relatório seria elaborado e votado. Com os cabelos penteados como se tivesse acabado de sair do banho, Maia colocava as mãos, em forma de prece, próximas à boca, ou tapava as orelhas, como que se quisesse ignorar a voz da segunda-secretária da Casa, deputada do PSDB de Rondônia, Mariana Carvalho, que lia o texto. Tomou um chá, olhou para o celular e, depois de alguns minutos, deixou o plenário. Temer o aguardava.
No Planalto, o presidente quis saber quais eram suas chances na votação da denúncia na CCJ e, depois, no plenário da Casa, onde 342 dos 513 deputados precisam dar o aval para que o STF decida se Temer será réu. “Olha, presidente, o senhor vai perder na ccj”, disse Maia. “Vou perder na CCJ?”, rebateu, incrédulo, Temer. “Vai. E se ninguém te falou a verdade, eu estou falando.” Dois dias depois, em 2 de julho, um domingo, Temer convocou Maia para outro encontro, dessa vez no Palácio do Jaburu, onde insistiu que tinha 34 dos 66 votos na comissão. Citando os nomes dos deputados, Maia balançava a perna nervoso e insistia: “Não vota com o governo.” Temer arregalou os olhos. “Eu achava que tinha mais.” O presidente da Câmara disse: “Vai ter que trocar muita gente para poder ganhar na CCJ.”
Naquele início de julho, logo após a chegada da denúncia de Janot à Câmara, Temer parecia ver a Presidência lhe escapar entre os dedos. No dia 4 de julho, o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco, do PMDB mineiro, preterido por Temer numa escolha para ministro da Justiça, escolheu como relator do tema o deputado Sergio Zveiter, amigo de Maia, do PMDB fluminense. O relatório seria a favor da denúncia de Janot – contra Temer, portanto. À noite, a “turma da pizza” não disfarçava a euforia, em um jantar justamente na casa de Maia, que já era visto como o novo presidente da República. Quem resolveu aparecer por lá foi Zveiter. Puxou uma cadeira para sentar ao lado do anfitrião, numa mesa em que também estavam outros dois deputados. Precavido, o presidente da Câmara fez questão de que o ouvissem dizer: “Não vou falar com você hoje.”
Maia fechou a semana com um almoço oferecido por Tonet, o vice-presidente da Globo. Antes mesmo de a sobremesa ser servida, recebeu uma ligação. O deputado baiano Benito Gama, do PTB, que na semana anterior integrara a comitiva da viagem de Maia a Buenos Aires, dizia que precisava falar com ele. À noite, na residência oficial, o presidente da Câmara entendeu a aflição do parlamentar. Benito disse ter sido chamado com urgência pelo ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, para uma reunião que tinha como único objetivo assuntar o que se passava no entorno de Maia. Padilha queria saber o que Maia fizera em Buenos Aires, o que andava dizendo, se tinha a intenção de trair Temer e que táticas pretendia adotar em relação à denúncia de Janot. “Não entendi nada”, reagiu Benito ao presidente da Câmara. Maia ficou furioso ao saber da atitude de Padilha, e o curto-circuito entre ele e o presidente da República começou a se alastrar.
Rodrigo Maia parecia desanimado ao entrar na residência oficial. O sol começava a se pôr na quarta-feira, dia 12 de julho, e o local já estava meio escuro. O presidente da Câmara sentou no sofá, colocou o celular para carregar e apoiou as pernas no tampo de mármore branco, à sua frente. Do outro lado da sala, um funcionário se dedicava ao mise-en-place da mesa com 26 lugares, para o jantar de aniversário para Mendoncinha, o ministro da Educação.
“Triste, né?”, disse a respeito da condenação de Lula a nove anos e meio de prisão pelo juiz Sérgio Moro, que havia sido divulgada horas antes. “Ninguém pode comemorar um fato desse. Alguns comemoram. Mas eu prefiro dizer que não é um dia feliz para o Brasil.” Deputados do médio clero – e alguns do baixo, como do nanico PHS – começaram a entrar pela porta principal, onde estava estacionado um carrinho elétrico prateado, da marca Mercedes-Benz, de Rodriguinho, o filho de 1 ano que ainda passeava pelo jardim, acompanhado pela babá. piauí quis saber se Maia considerava Lula um candidato forte para 2018. “Não é uma barbada como antes. Mas, nesse cenário todo, o Lula representa para as pessoas o melhor momento na vida desde a redemocratização. Foi o momento em que o Brasil cresceu mais, gerou mais emprego. Certo ou errado, é assim que boa parte da sociedade entende. E o nordestino, de alguma forma, trata ele como se fosse o pai.”
Era pouco provável que o desânimo de Maia tivesse a ver com a condenação de Lula. No dia seguinte, haveria a votação da denúncia de Janot na CCJ, e ele já sabia que o governo seria vitorioso. De fato, foi o que ocorreu. Depois de promover mais de vinte trocas de deputados na Comissão, o governo conseguiu derrubar o relatório de Zveiter e aprovar um parecer contra a denúncia de Janot.
Outros deputados apareciam e sentavam-se, sem cerimônia, ao nosso redor. Um funcionário acendeu a luz, e o clima ficou um pouco mais leve. O presidente da Câmara passou a reclamar dos recados que o Planalto mandava pelos jornais, acusando-o de conspiração. Via as digitais de Padilha e de Moreira. Irritado, bloqueara o telefone do sogro em seu WhatsApp: “O problema do governo é que tem muita boca falando.” Comentou-se uma frase do vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur, segundo a qual havia “conspiradores” no entorno de Maia. “Conspirador é ele”, rebateu, a seu modo seco. Na semana anterior, Mansur estivera com outros dois deputados na residência oficial para conversar sobre uma “salvação” para Temer, que poderia correr o risco de ser preso, em caso de perda do mandato. Maia, que nesse caso substituiria Temer, rejeitou qualquer saída heterodoxa: “Se o Michel não tem caneta para reverter agora, imagina sem a caneta. Vocês estão loucos. Isso não existe. O Michel só tem uma alternativa: se salvar no cargo.”
Naquela tarde melancólica na residência oficial, a Presidência da República voltara a ficar distante. “Havia uma fila de deputados achando que o governo tinha acabado. Não tem um deputado que tenha entrado aqui que possa ter ouvido da minha boca que não era para ajudar o Michel”, afirmou. Mas fez um porém: “A única coisa que não vão me pedir é para eu rechaçar elogio. O cara fala ‘você é a solução para o Brasil’, e eu falo ‘para com isso, seu filho da puta, eu sou ruim’? Isso eu não faço.” Mais à vontade para reclamar, um parlamentar próximo a Maia resumiu a situação: “Ele poderia ter derrubado o presidente. Foi medroso.”
Borocoxô, Maia tentava mostrar que estava tudo bem: “Pro que eu imaginava, eu tô no auge. Tô no topo.” Não descartava, porém, a possibilidade de ainda ter que assumir a Presidência. Afinal, Temer terá outras “batalhas” para vencer, como a votação em plenário do parecer contra a denúncia de Janot, prevista para este mês, e as prováveis novas denúncias do procurador-geral por obstrução de Justiça e organização criminosa, no escândalo da JBS.
“Se o presidente continuar, é o ideal, o melhor. Senão, há uma transição para ajudar a organizar a eleição de 2018”, disse Maia, que se levantou, pegou o celular e convidou os deputados para se juntarem a ele na mesa do jardim, onde conversariam em privado. De pé, uma última pergunta: se assumir a Presidência da República, é candidato a presidente em 2018? “A princípio, não”, respondeu.
Mas, como lembrou Clarissa Garotinho, Maia pode a qualquer momento dizer: “O cenário mudou.”
Julia Duailibi trabalhou na piauí, na TV Bandeirantes, na Folha de S.Paulo, na Veja e n’O Estado de S. Paulo
Foi repórter da piauí. É autora de A Organização: A Odebrecht e o Esquema de Corrupção que Chocou o Mundo (Companhia das Letras)
Leia Mais