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Obrigado, Felipão

Na entrevista coletiva após o jogo de ontem, um dos repórteres perguntou a Felipão se ele achava o futebol brasileiro taticamente atrasado. Resposta: não. Outro jornalista sugeriu que talvez o futebol brasileiro esteja precisando se reinventar. Resposta: não. Em vez de ao menos cogitar a possibilidade de certas coisas estarem erradas, Felipão preferiu se agarrar a abstratos conceitos como “deu pane”, “deu branco”, “futebol é assim”, “acontece”.

| 09 jul 2014_12h12
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Na entrevista coletiva após o jogo de ontem, um dos repórteres perguntou a Felipão se ele achava o futebol brasileiro taticamente atrasado. Resposta: não. Outro jornalista sugeriu que talvez o futebol brasileiro esteja precisando se reinventar. Resposta: não. Em vez de ao menos cogitar a possibilidade de certas coisas estarem erradas, Felipão preferiu se agarrar a abstratos conceitos como “deu pane”, “deu branco”, “futebol é assim”, “acontece”.

Como assim, “acontece”? Torço para um clube que, desde que me entendo por gente, é uma esculhambação institucionalizada e, em quase cinco décadas acompanhando seus jogos, só o vi perder por seis gols de diferença uma vez, para o Botafogo, há mais de quarenta anos. Estou falando do Flamengo, com todas as suas naturais limitações. Numa seleção brasileira, o treinador escolhe os jogadores que quiser, para montar o time do jeito que gosta e com todas as variações táticas que julga adequadas.

A última vez em que uma seleção brasileira verdadeiramente espetacular entrou em campo foi na Copa de 82. Só que ela perdeu, e a derrota trouxe consequências trágicas: a partir dali, ganhou corpo uma enorme estupidez denominada “futebol de resultados”, que não nos faz jogar um bom futebol e nem obter bons resultados.

Está na hora da forra. Se a derrota da seleção de 82 serviu para sustentar as teses do meio-campo que só marca, do extermínio do meia-armador, da glória dos chutões à frente e dos cruzamentos altos para a área, os inimagináveis e inadmissíveis sete a um de ontem precisam representar a morte deste ciclo obtuso do futebol brasileiro. Chega.

Ontem, logo depois do desastre, o jornalista Gerd Wenzel participou do programa “Bate-bola”, da ESPN, e falou sobre as mudanças ocorridas no futebol alemão a partir de 2002, após a derrota de dois a zero para o Brasil na final da Copa. Dispostos a aumentar o interesse pelo jogo, os alemães entenderam que era preciso privilegiar o futebol bem jogado, em detrimento do futebol físico que sempre praticaram. Criaram um amplo programa de renovação, com incentivos financeiros para a montagem de bons centros de treinamento para as categorias de base, desenvolveram um trabalho para identificação e apuro de talentos, investiram na formação de treinadores voltados para a valorização da parte técnica. Resumindo: o que eles tanto almejavam era jogar futebol como jogava a seleção brasileira de 82.

Já tínhamos passado por vários momentos que demonstravam a necessidade de mudar. As Copas de 2006 e 2010, o passeio do Barcelona em cima do Santos na final do Mundial Interclubes de 2011, a indigência da imensa maioria dos jogos dos últimos campeonatos brasileiros. Mas nunca foi feito nada, porque é enorme a força dos que resistem às mudanças.

Os dirigentes agem por interesse em manter suas fatias de poder, os treinadores por preguiça e arrogância, e certos setores da imprensa esportiva fazem questão de se manter desatualizados. Assisti ao massacre de ontem pela Globo e me surpreendi quando, em determinado momento, Galvão Bueno disse que “é impressionante como, na seleção alemã, todo mundo volta pra marcar”. Não, Galvão, não é na seleção alemã: é na holandesa, na chilena, no Real Madrid, no Atlético de Madrid, no Barcelona, no Bayern de Munique, no Manchester City, no Liverpool, no Chelsea, no PSG, na Juventus, é assim nos melhores times de futebol do mundo. Todos atacam, todos defendem e, no meio-campo, todos sabem jogar bola.

Em “Obrigação e retrocesso” (texto publicado na piauí_77), Tostão condena a demonstração de nacionalismo exacerbado na apresentação de Felipão e Parreira, reclama do momento em que os dois disseram que ganhar a Copa no Brasil era obrigação e prevê acusações de antipatriotismo a quem ousasse criticar a seleção dali em diante. Além disso, ele percebia na demissão de Mano um retrocesso, por achar que, depois de muito tempo, a seleção brasileira começava a dar esperanças de um futebol eficiente e encantador. Mas o melhor ficou para o final do artigo, em que Tostão discorda da tentativa – que hoje sabemos vã – de reciclar um passado vitorioso, e conclui com maestria: “Seria melhor se estivesse em curso uma modernização efetiva no estilo de jogo e na organização mais geral do futebol brasileiro, independentemente do resultado da Copa.”

Felipão é um treinador, acima de tudo, motivacional. E ter um time motivado pode mesmo desequilibrar uma partida, desde que não haja um grande desnível técnico e tático em relação ao adversário. Assim: antes de tudo, arme-se um conjunto que jogue bem e com intensidade; depois, faça-se com que esses caras entrem em campo com a dose certa de motivação. Mas a primeira parte da receita será sempre a mais importante.

Caso isso aconteça a partir dos sete a um, seremos eternamente gratos à teimosia, à prepotência e ao atraso de Felipão.

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