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Obviedades e falatório

Não é caso perdido, mas estamos taticamente atrasados. Em um esporte coletivo, bons técnicos são capazes de organizar times mais fracos de modo a reduzir as diferenças na qualidade individual dos jogadores. Pode até não resolver, mas aumenta a chance de complicar. Nós não temos isso e parece que nossos treinadores vivem de rezas e motivação. Além disso, falta o diabo da atitude. Qual técnico brasileiro seria capaz de fazer o que o holandês Van Gaal fez, a um minuto da disputa de pênaltis contra a Costa Rica? (Registre-se: sob os veementes protestos da dupla de comentaristas Caio Ribeiro e Roberto Carlos.) Se é preciso levar nossos jogadores para se aprimorar lá fora, pelo menos enquanto não tivermos grana suficiente para montarmos um grande campeonato aqui – se é que um dia teremos –, por que não estender essa necessidade aos treinadores? 

| 07 jul 2014_14h12
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Começo esse post recorrendo à ajuda de dois grandes craques, Nelson Rodrigues e Tostão.

Nelson criou o conceito de óbvio ululante, e nunca é demais lembrar que falar o óbvio às vezes é necessário. Porque, mesmo que ele ulule, as pessoas esquecem, e como a Copa só acontece de quatro em quatro anos, na próxima elas já esqueceram de novo.

Tostão, fora de série na bola e no texto, reclamou em seu post publicado em 23 de junho, no site da Folha de S.Paulo, do barulho nas transmissões esportivas, em que os narradores parecem competir para ver qual deles fala mais rápido e os comentaristas se excedem nas informações e explicações. Cada post de Tostão é uma aula.

A França já tinha provocado suspiros em nossa imprensa sempre pronta a se apaixonar pelo futebol europeu, capaz de elogiar até o Giroud e querendo tacar na cabeça de Benzema, de forma um tanto apressada, a coroa de melhor da Copa. (Continuo gostando bastante do Pogba, e Benzema foi melhor do que eu esperava, por mostrar muito mais mobilidade e participação do que nos jogos que o vi fazer pelo Real Madrid.) Mas nos minutos finais da partida entre França e Alemanha, sem que os franceses ameaçassem chegar ao empate, Júnior perguntou ao narrador Cléber Machado quais tinham sido os adversários anteriores da França. Depois de Cléber citar Honduras, Suíça, Equador e Nigéria, Júnior completou: “Pois é, Cléber. Eles ainda não tinham encarado nenhuma potência, né?”

E assim chegamos ao óbvio número 1. Como acontece na maioria dos esportes em que os adversários interferem no desempenho um do outro, no futebol só é possível avaliar a força de um time quando ele enfrenta um oponente qualificado. Ponha a seleção da Austrália para jogar contra a do Taiti e teremos um massacre. Só que continuamos com a mania de achar que a França é poderosa porque goleou Honduras, que a Colômbia é imbatível porque deu um baile na Grécia, que a Bósnia é o máximo porque fica na Europa. Vi, na tevê, opiniões que davam à Colômbia favoritismo no jogo com o Brasil, sob a justificativa de que os colombianos tinham vencido suas outras partidas e contavam com o segundo ataque mais positivo da Copa.

Mas não adianta. Na Copa de 2018 vamos tremer feito vara verde diante da Venezuela, por causa de um ponta direita que joga no Getafe. Quem tanto temia o Cuadrado e o James Rodrigues – dois bons jogadores, sem dúvida – esquecia que, por mais correções de rota que esse raciocínio exija, os próprios valores de mercado poderiam servir como parâmetro de alguma coisa. Quem vale mais no reverenciado mercado internacional, o Cuadrado ou o Hulk? Quem deve temer quem? Mas, pra nós, pouco importa: Cuadrado é gênio e Hulk é lixo. O imenso volume de dinheiro enlameado, que envolveu a venda de Neymar ao Barcelona, deixou claro que esse angu das transferências de jogadores está cheio de caroço, mas vê se alguém bate lá na Gávea para oferecer 57 milhões de euros pelo Negueba. Temos os dois zagueiros mais valiosos do futebol mundial, a quem Maradona se referiu como “fenômenos” e “espetaculares”, mas temíamos os estragos que Gutierrez e Martínez poderiam fazer em nossa defesa.

Óbvio número 2. As quatro maiores ligas europeias – Inglaterra, Alemanha, Espanha e Itália – são ricas, organizadas e exemplares, mas jogar em uma delas não significa, necessariamente, ser bom de bola. Como era esperado, a Grécia apresentou um dos piores times da Copa. Os caras conseguiram, nas oitavas de final, desperdiçar um contra-ataque em que cinco gregos tinham pela frente dois costa-riquenhos. No entanto, quase todos os titulares da seleção grega atuam nessas quatro ligas. O lateral colombiano Zuñiga, que virou o inimigo público número 1 de duzentos milhões de brasileiros, joga no Nápoli. O zagueiro Pepe saiu direto da conquista da Champions League para, com uma demonstração estúpida de xerifismo e uma cabeçada em Thomas Muller, ser expulso e colaborar decisivamente para a goleada que Portugal levou da Alemanha. Não esquecer que Portugal foi eliminado pelo critério do saldo de gols. Cadê o equilíbrio? A experiência? A maturidade que jogar na Europa traz?      

As eliminatórias da Copa de 70 foram disputadas na época em que comecei a frequentar estádios de futebol. No jogo de ida contra a Colômbia, em Bogotá, o Brasil venceu por dois a zero. No jogo de volta, no Maracanã, fui lá e vi nosso time ganhar por seis a dois. Creio estar claro para todo mundo que isso não irá mais acontecer, mas daí a temer o futebol da seleção colombiana vai um passo grande.

A globalização da bola e a migração de jogadores são responsáveis pela indiscutível melhoria no desempenho das seleções dos menores centros. Jogos fáceis, em competições como a Copa do Mundo, já são e ficarão cada vez mais raros. Mas não se muda a história do esporte de uma hora para outra. Quando Pelé, Beckenbauer, Carlos Alberto e o canastrão do Chinaglia foram para o New York Cosmos, falava-se que em uma década o futebol jogado nos Estados Unidos daria um salto de qualidade. Isso aconteceu há quase quarenta anos, e a seleção americana acaba de ser massacrada pela da Bélgica, mostrando um time taticamente disciplinado mas sem um pingo de talento. Isto não quer dizer que Brasil, Alemanha e Argentina serão para sempre os melhores, ninguém sabe, mas as mudanças demoram.

Óbvio número 3. Estar em ligas milionárias, participar das competições mais disputadas e ter adversários de qualidade são, e ninguém é louco de pensar o contrário, fatores que ajudam um jogador a evoluir. Mas há limites. No final dos anos sessenta, o XV de Novembro de Piracicaba tinha um zagueiro chamado Piloto. Ele passava o ano inteiro enfrentando Pelé, Rivellino, Leivinha, Ademir da Guia. Isso não fez de Piloto um grande zagueiro.

Óbvio número 4. Não é caso perdido, mas estamos taticamente atrasados. Em um esporte coletivo, bons técnicos são capazes de organizar times mais fracos de modo a reduzir as diferenças na qualidade individual dos jogadores. Pode até não resolver, mas aumenta a chance de complicar. Nós não temos isso e parece que nossos treinadores vivem de rezas e motivação. Além disso, falta o diabo da atitude. Qual técnico brasileiro seria capaz de fazer o que o holandês Van Gaal fez, a um minuto da disputa de pênaltis contra a Costa Rica? (Registre-se: sob os veementes protestos da dupla de comentaristas Caio Ribeiro e Roberto Carlos.) Se é preciso levar nossos jogadores para se aprimorar lá fora, pelo menos enquanto não tivermos grana suficiente para montarmos um grande campeonato aqui – se é que um dia teremos –, por que não estender essa necessidade aos treinadores? Que técnico brasileiro trabalha hoje em um dos grandes centros do futebol mundial? O treinador do Atlético de Madrid, campeão espanhol da última temporada, é o argentino Diego Simeone. O do Manchester City, campeão inglês, é o chileno Manuel Pellegrini.

Óbvio número 5. Robben, Van Persie, James Rodrigues, Cuadrado, Luiz Suárez, Cavani, Rooney, Benzema, Aguero, Balotelli, Shaqiri, Thomas Muller, Ozil, Hazard, todos são bons jogadores. Nenhum deles é craque. Muitíssimo devagar com esse andor, porque craque é outro papo.

    

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