Muita calma nessa hora
Os cambalachos de 1997 e 2000 foram tristes, toscos, injustificáveis, antiesportivos. Mas isso não significa que o Fluminense está proibido, para todo o sempre, de fazer valer seus direitos, porque aí estaremos institucionalizando a esculhambação. Exagerando o argumento, nenhum jogador suspenso vai cumprir suspensão contra o Fluminense. Nenhum time respeitará, em jogos contra o Fluminense, o regulamento referente aos prazos de inscrições. Jogos contra o Fluminense se transformarão num belo de um bundalelê onde vai valer tudo. Porque se o clube apelar depois, sofrerá bullying.
Antes de mais nada, antes de qualquer outra coisa, artigo primeiro, parágrafo único: acho que a Portuguesa deveria se manter na primeira divisão e o Fluminense ser rebaixado.
Isso devidamente esclarecido, vamos ao tema do post.
Uma das primeiras coisas que aprendi sobre futebol foi que o “se” não faz parte do esporte. Mas uma coisa vem martelando minha cabeça desde que as provocações ao Fluminense fugiram do controle e viraram algo perigoso.
“Se” não joga bola, ok, mas não seria absurdo imaginar o São Paulo fazendo um golzinho no final daquele jogo com o Coritiba e a partida terminando empatada. Nesse caso, o Fluminense escaparia na bola e o beneficiado com o vacilo da Portuguesa seria o Coritiba. Claro que a torcida do Atlético Paranaense ia pegar no pé, mas não seria nada comparável ao clamor que tomou conta do país. E muita gente que tem se colocado contra o rebaixamento da Lusa provavelmente estaria encarando a questão de um jeito diferente.
O Fluminense não vem sendo achincalhado pelo que está acontecendo agora, e sim pelo passado. Até concordo que, se fosse qualquer outroclube grande, ia haver gritaria também – sempre em nome do complexo de coitadinha que fazem questão de pregar na camisa da Portuguesa, como se fosse um patrocinador eterno –, mas a onda com o Flu foi amplificada pelo que houve em 1997 e 2000. Naquelas ocasiões, tivemos viradas de mesa; agora, não.
Há a tese de que é muita pena para pouco crime, com a qual eu concordo e que define minha posição sobre o assunto. Só que eu não sou advogado. Há teorias da conspiração sugerindo conluios cabeludos. Há as brincadeiras e gozações que sempre estiveram presentes no futebol brasileiro, e que são divertidas: clipe das poderosas; vídeo do corredor caindo e sendo carregado no colo até a linha de chegada, etc. Há sugestões de protestos: numa delas, a Portuguesa disputaria a segundona com uma camisa bem parecida com a do Fluminense, apenas ligeiramente modificada nos tons das cores; em outra, nenhuma torcida de clube algum iria aos jogos contra o Fluminense; finalmente, na que eu acho a mais bem sacada de todas, nenhum clube entraria em campo para enfrentar o Flu, que seria campeão brasileiro de 2014 vencendo todos os seus jogos por w.o.
O que me preocupa – e deveria ser fonte de preocupação geral, pelo que temos visto nas arquibancadas, nas cercanias dos estádios e até em estradas – é gente pregando o ódio ao Fluminense. Lembremos de Vasco x Corinthians e de Flamengo x São Paulo em Brasília. De Atlético Paranaense x Vasco em Joinville. De duas torcidas do mesmo clube (a Uniformizada do Palmeiras e a Mancha Alviverde) brigando entre si em Guaratinguetá. E de duas do Atlético Paranaense fazendo o mesmo em Curitiba. Entretanto, estamos desconsiderando todas essas más lembranças e ajudando a cultivar a raiva.
Eu também achei lamentável a atuação dos torcedores do Fluminense que fizeram plantão na porta do prédio do STJD e comemoraram o resultado do julgamento. Certas situações recomendam recato. Mas a torcida do Fluminense é muito mais do que aquilo. A leitora Graziela Burnett entrou na caixa de comentários aqui do blog e escreveu o seguinte: “Espero mesmo que achem um jeito de manter a Lusa na série A. Sou tricolor e acho que a campanha do Flu foi mesmo digna de rebaixamento.” Um amigo tricolor me disse que não pretende ir aos jogos do time pelo Brasileirão do ano que vem, pois se sentirá como se estivesse numa festa para a qual não foi convidado.
Os cambalachos de 1997 e 2000 foram tristes, toscos, injustificáveis, antiesportivos. Mas isso não significa que o Fluminense está proibido, para todo o sempre, de fazer valer seus direitos, porque aí estaremos institucionalizando a esculhambação. Exagerando o argumento, nenhum jogador suspenso vai cumprir suspensão contra o Fluminense. Nenhum time respeitará, em jogos contra o Fluminense, o regulamento referente aos prazos de inscrições. Jogos contra o Fluminense se transformarão num belo de um bundalelê onde vai valer tudo. Porque se o clube apelar depois, sofrerá bullying.
Não vamos misturar as coisas. A Portuguesa diz que não foi avisada, já o advogado diz que avisou e foi passear. Agora teria aparecido um tal documento da CBF em que a pena aplicada a Héverton vem acompanhada da palavra “Cumpriu”. Pergunta singela: se esse registro existe, por que não foi apresentado na sessão de segunda-feira do STJD? Ou a Portuguesa está se especializando em contratar cada advogado pior que o outro?
Embora surpreendentemente beneficiado já nos acréscimos de um campeonato que julgava perdido, o Fluminense não pode ser responsabilizado pelos descuidos alheios e fez o que qualquer clube teria feito. E aqui não cabe o argumento de que Grêmio, Atlético Mineiro, Botafogo, Corinthians, Vasco e Palmeiras disputaram a segundona sem chiar – sendo que os dois últimos gostaram, né? Houvesse brecha semelhante, e todos teriam recorrido a ela.
Que as piadas e gozações continuem, que a torcida tricolor saiba recebê-las com espírito esportivo, mas que qualquer tentativa de ir além disso seja descartada. Não precisamos de mais socos-ingleses, porretes, tacapes e afins.
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