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Histórias de fantasmas

Não sou o que se costuma chamar de um sujeito valente. Tenho medo de cachorro, pavor de motocicleta, detesto montanha-russa. Na última vez em que fui a um parque de diversões levei O dia Mastroianni, do João Paulo Cuenca, fiquei lendo e tomando conta das mochilas da minha mulher e dos meninos. Mas de uma coisa posso me orgulhar: fantasmas não me assustam.

| 04 dez 2013_14h12
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Não sou o que se costuma chamar de um sujeito valente. Tenho medo de cachorro, pavor de motocicleta, detesto montanha-russa. Na última vez em que fui a um parque de diversões levei , do João Paulo Cuenca, fiquei lendo e tomando conta das mochilas da minha mulher e dos meninos. Mas de uma coisa posso me orgulhar: fantasmas não me assustam.

Há cerca de quinze dias bombou na internet um filmete assinado pela Puma – fornecedora de material esportivo para a seleção do Uruguai – em que um tosquíssimo fantasma passeia pelo Rio de Janeiro, visitando pontos turísticos e assustando pessoas. É preciso muita cara de pau para pôr no ar um filme daqueles, poucas horas depois de ter empatado em casa com a Jordânia, o que evidenciou que o tal fantasma se alimenta é disso: pouco futebol e muita exploração de uma vitória acontecida há mais de meio século. O problema é que nós, brasileiros, ainda embarcamos. De 1950 para cá conquistamos cinco copas – contra nenhuma dos uruguiaios – e já os eliminamos em um confronto direto de semifinal (três a um em 70, no México). Mas continuamos aterrorizados.

Os que temem fantasmas falam na conquista da última Copa América, tão caída que a seleção do Paraguai chegou à final sem vencer um jogo sequer. Lembram a participação uruguaia na última Copa do Mundo, meia-boca. Argumentam que Diego Forlán foi eleito pela Fifa o melhor jogador daquela competição, o que só não foi piada maior do que a do Oliver Kahn em 2002, quando os campeões Ronaldo e Rivaldo estraçalharam. Atual capitão da seleção uruguaia, o ex-sãopaulino Lugano chiou, disse que não concordava com o filme fantasmagórico, que era necessário respeitar o futebol brasileiro, mas a verdade é que eles precisam alimentar o ectoplasma, já que, na bola, há algum tempo não metem medo em ninguém.

Ainda sobre fantasmas: antes da decisão entre Flamengo e Atlético Paranaense, muito se falou sobre a constante presença deles, no Maracanã, em decisões reunindo clubes do Rio e adversários de outros estados. Bobagem. Os times cariocas disputam as finais das competições no Maracanã. E como não dá para ganhar todas, obviamente é no Maracanã que eles ganham algumas e perdem outras. Mais simples, impossível.

Gostam de estatísticas? Eu abomino, mas vamos a uma delas. Decidindo o mais importante campeonato do Brasil no Maraca, os cariocas ganharam sete vezes e perderam apenas duas. Do que vinham se alimentando, então, os supostos fantasmas? De más performances em finais da Copa do Brasil, mas aí são outros quinhentos que precisam ser contextualizados.

Por ser um campeonato longo e disputadíssimo, o Brasileirão não é vencido por times fracos. Pelo contrário: times excelentes – o Cruzeiro de 75 e o Atlético Mineiro de 80 são os melhores exemplos – tiveram que se contentar com o vice, porque havia gente ainda melhor. Ali é briga de cachorro grande. A Copa do Brasil é outro papo, ainda mais do jeito que era organizada até o ano passado.

Para começar, os cinco ou seis melhores times do país não a disputavam, por causa da Libertadores, o que causava distorções. Quando ganhou a Copa do Brasil de 2006, o único adversário da primeira divisão que o Flamengo enfrentou foi o Vasco, na decisão. Quando ganhou a de 2011, o Vasco não encarou nenhum dos outros onze grandes clubes brasileiros. Muitas vezes, chegaram à decisão da Copa do Brasil times abaixo de razoáveis. E um time assim ser derrotado está longe de provar a existência de fantasmas.

Em 11 de julho de 2012 encontrei dois palmeirenses no café aqui do trabalho, e eles diziam que aquele era o dia mais importante do ano. À noite o Palmeiras decidiria a Copa do Brasil com o Coritiba e os comentários transbordavam ironia, já que uma semana antes o Corinthians conquistara a Libertadores. Levando a brincadeira adiante, tentei corrigir e disse que seriam dois os grandes dias: aquele em que estávamos e o da última rodada do Brasileirão, quando o Palmeiras provavelmente estaria lutando para não cair. Percebi que eles não acharam graça e saí do local rapidamente, mesmo porque um dos dois era o meu chefe. Mas minha preocupação procedia: por ser uma competição curta e que não contava com os melhores times do país, a conquista da Copa do Brasil servia para enganar muita gente, sobretudo os torcedores.

A CBF dificilmente acerta, mas não podemos negar que dessa vez foi na mosca, ao resgatar para a Copa do Brasil os times da Libertadores – esse ano só não veio o São Paulo, por ser obrigado a defender o título da desnecessária Copa Sul-Americana. O nível subiu e, para ser campeão, o Flamengo teve que passar por quatro dos cinco primeiros colocados no atual Campeonato Brasileiro. Isto não significa que o time do Flamengo seja bom – e a própria torcida rubro-negra sabe disso, o que até serviu para aumentar o orgulho pela conquista –, mas quer dizer que a coisa ficou bem mais séria.

Desde a inauguração do Engenhão, em 2007, o Flamengo jamais tinha perdido ali para o Botafogo. Perdeu esse ano. O Botafogo não ganhava do Flamengo, pelo Brasileirão, desde 2000. Ganhou esse ano. O Flamengo era incapaz de vencer a Copa do Brasil decidindo em casa contra times de outros estados – o que aconteceu duas vezes, o suficiente para a mídia criar um tabu indestrutível.

Moral da história: estatísticas, no futebol, não servem para nada. E fantasmas não existem.

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