Santa torcida
O que eu gosto de verdade no futebol? Das imagens que vi domingo no Arrudão. Mais de sessenta mil pessoas se espremendo do jeito que dava, para ver um time subir da série C para a série B. O Santa Cruz não ganhou Libertadores. Não foi campeão brasileiro. Sequer chegou à primeira turma. O Santa Cruz, apenas e simplesmente, conquistou o direito de disputar a segunda divisão em 2014, derrotando um desses times de aluguel que viraram moda em nosso futebol – sem cidade fixa, sem alma, sem tradição e sem torcida. O Betim, ex-Ipatinga, repete a infeliz história do Grêmio Barueri, que encerrou sua participação na série C deste ano segurando a lanterna de um dos grupos.
Não me inscrevi no site da Fifa para concorrer ao direito de comprar ingressos da Copa do Mundo. Parece um contrassenso: com tanta presença do futebol em minha vida – vejam, por favor, o post de apresentação deste blog, publicado em 23 de maio –, na primeira chance de assistir a uma Copa ao lado de casa, não faço esforço algum. Não sei se serei convincente, mas tentarei explicar.
Na caixa de comentários do último post, sobre Diego Costa, os leitores Marco Antonio, Marcos e João Rafael se mostraram decididos a não torcer pela seleção brasileira – que eles não identificam como aquela seleção de amarelo ou azul que sempre admiramos e tão bem nos representava, mas como o time de uma entidade privada e ávida por lucros. Respeito a opinião dos três, que hoje é a de muita gente, só que não chego a tanto. Apesar das justas críticas à CBF, não consigo torcer contra. Mais ou menos da mesma forma que, com todos os desmandos e os erros primários de gestão cometidos desde que me entendo por gente, nunca torci contra o Flamengo.
A questão dos ingressos para a Copa esbarra em certas manias que o sujeito adquire ao longo da vida, e delas não consegue abdicar. Que fique bem claro: não sou saudosista. Estou a quilômetros de achar que o antigo é sempre melhor que o novo. Pouco depois de conseguirmos montar a melhor seleção brasileira de todos os tempos, a de 1970, eu vi o Flamengo entrar em campo com um ataque formado por Buião, Adãozinho, Michila e Caldeira. Ou seja: na década de 70 tínhamos grandes craques, sim, mas também aturávamos times bisonhos.
Deixei passar o sorteio da Fifa por não me sentir atraído pela pasteurização que tomou conta da Copa. A partir do momento em que ver um jogo no Itaquerão é igual a ver um jogo em Munique, em Johannesburgo ou na minha casa, fico em casa bebendo a cerveja que gosto. Também não sou entusiasta dos cotovelaços para comprar ingressos ou de banheiros onde você tem que entrar praticando salto triplo, mas não me adapto ao excesso de regulamentação que cria situações desnecessárias nos estádios. Dou exemplo. Uma das coisas mais bacanas das idas ao Maracanã era encontrar velhos amigos, fosse no trânsito, na rampa de entrada ou nos bares, e sentar ao lado deles para matar a saudade e ver o jogo. Pois o sistema de sorteio com lugares marcados impede que você assista à partida ao lado daquele amigo que acabou de rever.
Ora, isso é importante? Depende. Para quem pensa no futebol exclusivamente como um negócio, provavelmente não; para o universo de coisas que fazem a gente se apaixonar pelo jogo, certamente sim. Feito a voz de Gonzagão cantando que o riacho do Navio corre pro Pajeú, o rio Pajeú vai despejar no São Francisco e o rio São Francisco vai bater no meio do mar, a paixão pelo futebol começa pequena, na rivalidade entre os times de duas ruas ou de dois colégios, passa pela simpatia por um ou outro clube, cresce com as caravanas de amigos indo para os jogos, se alimenta das gozações das segundas-feiras, da simplicidade e do encontro entre os pobres e os ricos, os feios e os bonitos, os alegres e os tristes.
Isto posto, fica evidente que o preço dos ingressos é outro problema, por tirar do futebol o caráter democrático que ele sempre teve e transformá-lo num programa discriminatório, um pouco parecido com uma baladinha de boys.
O que eu gosto de verdade no futebol? Das imagens que vi domingo no Arrudão. Mais de sessenta mil pessoas se espremendo do jeito que dava, para ver um time subir da série C para a série B. O Santa Cruz não ganhou Libertadores. Não foi campeão brasileiro. Sequer chegou à primeira turma. O Santa Cruz, apenas e simplesmente, conquistou o direito de disputar a segunda divisão em 2014, derrotando um desses times de aluguel que viraram moda em nosso futebol – sem cidade fixa, sem alma, sem tradição e sem torcida. O Betim, ex-Ipatinga, repete a infeliz história do Grêmio Barueri, que encerrou sua participação na série C deste ano segurando a lanterna de um dos grupos.
Gosto das imagens de um estádio abarrotado – segundo maior público do ano em jogos entre clubes aqui no Brasil –, com homens, mulheres, velhos e crianças sofrendo até os 42 minutos do segundo tempo, e aí sim, depois do alívio provocado pelo peixinho de Caça-Rato, se abraçando, se emocionando, chorando e gritando em coro seu amor ao clube.
Eu não sei se aquelas sessenta mil pessoas compraram seus ingressos pela internet, se os banheiros do Arrudão cheiravam a eucalipto de sauna, se os lanches servidos nos bares do estádio receberam selos de aprovaçãoda Anvisa. Mas, que me perdoem os excessivamente assépticos, futebol é aquilo lá.
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