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Jantando no escuro

Ainda não havia terminado o jantar quando casal da frente pagou a conta. Antes de saírem, resolveram passar na minha mesa: “Vocês são brasileiros, né?”, perguntaram. Diante da afirmativa, o marido tirou um papel do bolso: “Não deixem de ir nesse restaurante. Eles servem a comida no escuro e não revelam o que vem em cada prato”. No papel, o nome Ctaste e um endereço. A proposta parecia interessante.

| 09 dez 2011_12h51
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Ainda não havia terminado o jantar quando o casal da frente pagou a conta. Antes de saírem, resolveram passar na minha mesa: “Vocês são brasileiros, né?”, perguntaram. Diante da afirmativa, o marido tirou um papel do bolso: “Não deixem de ir nesse restaurante. Eles servem a comida no escuro e não revelam o que vem em cada prato”. No papel, o nome Ctaste e um endereço. A proposta parecia interessante.

Andar por Amsterdã é uma delícia. Há pouquíssimos carros, enxurradas de bicicletas e muita gente jovem.  A culinária local não tem tanto ibope com os turistas como os e as vitrines da zona vermelha. Os moradores, inclusive, recomendam restaurantes estrangeiros, especialmente indonésios. Churrascarias ofertando carne argentina pipocam em muitos quarteirões, bem como pizzarias e kebabs. Há queijos suculentos e batatas preparadas à moda local, mas a experiência de comer no escuro pareceu atrativa demais para ser recusada.

Fiz a reserva online para o Ctaste para dois dias adiante às 20h30. Ao chegar no restaurante, fomos logo orientados a deixar nos armários os celulares, casacos e qualquer objeto que emitisse luz. Aguardamos chamarem nossa reserva numa espécie de lobby que acomodava os clientes antes da imersão na escuridão total. Pouco depois, uma funcionária veio perguntar se tínhamos alergias ou restrições a algum alimento e, em seguida, explicou como funciona a brincadeira: o menu, mantido em segredo, é fixo e a quantidade de porções é variável. Optamos pela opção com três pratos (entrada, principal e sobremesa).

Antes da entrada, mais uma surpresa: lá dentro, todos os garçons são cegos. E uma última orientação: caso quiséssemos ir ao banheiro, nada de se aventurar por conta própria. Deveríamos chamar o garçom, que nos conduziria para fora. Tudo pronto, conhecemos nossa garçonete Sophie, colocamos as mãos sobre seus ombros, passamos por uma cortina negra e adentramos na penumbra.

O breu é realmente intenso. Não faz diferença abrir ou fechar os olhos. Após alguns incômodos minutos, os olhos acostumam. Dez minutos depois, um sinal sonoro de Sophie nos indicava que era hora da entrada. Recolhi os braços e deixei a mesa livre para ser ocupada por seja lá o que fosse.

Era salada. Havia alface e pimentão. O tempero era bom. Uma garfada fortuita pescou algo de consistência mole. Apostei que seria um mexilhão. Os companheiros de mesa discordaram. Confesso que tateei com a mão o prato para certificar que havia terminado.

A sala parecia grande. Havia vozes distantes. O barulho de talheres caindo no chão era frequente e nos servia de alerta para redobrar o cuidado na hora de servir água da garrafa que repousava sobre a mesa, ou quando tateávamos os copos de vinho (que eram servidos em copos largos, não em taças).

O cheiro do prato principal invadiu a mesa assim que as porções foram dispostas sobre a mesa. Era carne, sem dúvida. Cada um seguia narrando suas experiências: “Encontrei um purê. Não, peraí, é um risoto”. “A carne é ótima. Será pato? Ganso?”. “Opa! Opa! Aspargos!”. Estava muito bom. Aproveitei a invisibilidade para lamber o prato.

A sobremesa era um jogo de sabores que envolvia sorvetes diversos e uma lasca generosa de cookie. Apostamos em canela, baunilha e gengibre.

A decisão de ir embora é dura. O escuro é relaxante para quem está satisfeito com a comida e maravilhado com a experiência. Num último arroubo destemido, pedimos café confiantes que não queimaríamos os dedos.

A conta, claro, foi paga no ambiente iluminado que nos recepcionou. Com as pálpebras contraídas, ainda cruzamos com o proprietário, que nos explicou que a ideia original surgiu na Suíça. A iniciativa para abrir o Ctaste veio depois de um jantar, no escuro, em Paris, a cidade luz. Já há vários restaurantes semelhantes pela Europa.

Simpático, revelou que comemos alface, pepino e mexilhões na entrada. Como prato principal, risoto, aspargos e carne de veado. Acertamos os sabores dos sorvetes servidos na sobremesa. Antes de partir, perguntamos se o Brasil já possui um Ctaste. O proprietário virou-se na cadeira para alcançar o teclado do computador e sapecou “Restaurantes mais bizarros do mundo” no Google (em inglês, claro). Checou alguns resultados e deu o veredito: “Não, ainda não há nada parecido no Brasil”.

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