O mestre em ação: "Foguete não tem ré" Foto: Reprodução
Curso para prosperar no OnlyFans vai do nude ao mindset
"Homens são burrinhos" e outras dicas de ouro do professor Caliente
“Pensem que vocês estão numa cidadezinha do deserto”, começa Pedro Bodnar, codinome Pedro Caliente. “Vocês estão numa vida mais ou menos, com um emprego que paga salário mínimo. Lá longe, vocês veem Dubai. Uma cidade linda, com sheiks, carrões, praias maravilhosas. É a vida que vocês querem. Mas, para chegar lá, há um longo deserto que vocês precisam atravessar.” É preciso força de vontade, ensina Caliente: ninguém fica rico com vídeos adultos da noite para o dia. Mas é possível: “A gente vai fazer dinheiro! Meu jeitão é assim: foguete não tem ré.”
Caliente promete ensinar suas alunas a faturar produzindo vídeos eróticos para a plataforma OnlyFans, em que usuários – geralmente homens – pagam para assistir a conteúdos exclusivos – geralmente protagonizados por mulheres. É um mercado em crescimento: o número de assinantes do OnlyFans no mundo subiu 27% no ano passado, segundo a empresa, que diz ter lucrado 525 milhões de dólares brutos.
O curso de Caliente, lançado em maio de 2022, se chama “A Melhor Profissão do Mundo” e é voltado para o público feminino. O professor, um catarinense musculoso, de 31 anos, cabelo raspado nas laterais da cabeça, ministra as aulas online sentado numa cadeira gamer. É descontraído, tem a mentalidade de um empreendedor, o vocabulário de um coach e refere-se às alunas como “senhoritas”. Cobra uma taxa de inscrição de 297 reais, mas promete que, ao final do curso, suas seguidoras saberão faturar 5 mil reais por mês usando só o corpo e uma câmera de celular. A piauí se matriculou para anotar as lições, e depois das aulas procurou o professor.
“Seja grata pela oportunidade de uma profissão que paga bem em pouco tempo”, diz o slide de uma das aulas. Abaixo da frase, um gráfico aponta que brasileiros formados em curso técnico recebem salário médio de 2 mil reais. Os que têm diploma de ensino superior recebem, em média, 5 mil – mas demoram anos para se formar. O curso de Caliente, por outro lado, demora no máximo seis meses. O recado é claro: trabalhar com OnlyFans é melhor do que investir em educação formal. O professor não diz de onde tirou os dados sobre a renda dos brasileiros.
Seu forte é o discurso motivacional. “É preciso mudar o famoso mindset de ‘tempo é dinheiro’ para ‘força de vontade é dinheiro’”, diz Caliente. Sua filosofia de ensino é guiada por quatro E’s: encontrar (seguidores), encantar (fãs), entreter e engajar (assinantes). É preciso ter uma personalidade marcante para conquistar o público masculino, ensina o professor. Mas é importante também ser humilde, ressalta.
Lançado em 2016, o OnlyFans foi concebido como uma rede social onde produtores de todo tipo de conteúdo poderiam compartilhar novidades com seus assinantes. Podia ser informação sobre música, animes, política, qualquer coisa. Mas atores e principalmente atrizes pornô se interessaram pelo formato e logo dominaram a plataforma. Era uma novidade e tanto, porque a pornografia agora podia ser personalizada pelo próprio usuário. Um assinante que tenha fetiche por pés, por exemplo, pode pedir a sua estrela favorita que grave um vídeo tirando os sapatos. É um negócio rentável: o usuário, ao estabelecer contato direto com os produtores de conteúdo, costuma ser mais aberto à ideia de pagar por aquilo a que está assistindo.
Isso não quer dizer que ganhar dinheiro no OnlyFans seja fácil. O mercado já está saturado, explica Pedro Caliente. Hoje, para se destacar, é preciso estratégia. Primeira dica: repetir as fórmulas que já deram certo com mulheres famosas. “Pode imitar na cara dura os conteúdos até atingir tantos seguidores quanto elas”, orienta o professor. “Depois, se vocês quiserem ser originais, não tem problema. O lance é tentar chegar o mais próximo possível de quem já está fazendo e tá dando certo.” Segundo ele, começar em outras redes sociais, como TikTok e Instagram, é essencial para ganhar seguidores, que depois vão migrar para o OnlyFans.
Segunda dica: a emoção expressa nas gravações não precisa ser real, embora também não deva ser totalmente artificial. “Os homens são burrinhos, mas, quando notam que o negócio ficou bonito, dão valor.” Com ar de homem desconstruído, Caliente diz que os assinantes também se interessam por questões mais profundas que o sexo, e que padrão de beleza não determina a qualidade do produto final.
Há também dicas práticas, de conteúdo explicitamente sexual. Caliente recomenda às alunas, por exemplo, que não tenham pressa nas gravações: tão importante quanto filmar o orgasmo é mostrar os momentos que vêm antes ou depois. “Tem gente que posta vídeo de quinze segundos no OnlyFans, como se fosse um story [de Instagram]. Mas vamos ser francos: não tem como o cara fazer o que precisa ser feito em quinze segundinhos”, diz o professor, mandando às favas qualquer sutileza.
Caixas de comentário para que o usuário opine nos vídeos são bem-vindas, ele explica. Aliás, a interação com o cliente, de modo geral, é chave para o sucesso. “Se o cara te fala que tá tendo problema com a esposa e, na semana seguinte, você pergunta como está a situação, ele vai achar do caralho que você estava prestando atenção na conversa e que ele não é só mais um”, ensina Pedro Caliente.
O docente assegura que suas dicas são certeiras como “receita de bolo”. Estão distribuídas ao longo de doze aulas, cada uma com duração de até meia hora. A ementa trata também de marca pessoal, marketing e cronograma de trabalho. Até outubro deste ano, 68 pessoas tinham se inscrito no curso; nove haviam terminado.
Um dos slides do curso “A Melhor Profissão do Mundo” — Foto: Reprodução
Pedro Bodnar se formou em engenharia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mas nunca atuou na área. Enveredou pelo mundo empresarial, trabalhando como consultor de negócios, e em 2021 fez um MBA em administração na UCLA, faculdade conceituada em Los Angeles. O OnlyFans já fazia sucesso com os americanos, e Bodnar previu que em pouco tempo cairia no gosto dos brasileiros. “Todo bom consultor de negócios sabe que, se você começa a surfar a onda mais cedo, você tem vantagens”, explicou à piauí. Em 2021, ainda nos Estados Unidos, ele fundou a Santa Caliente (daí o apelido do dono). A empresa, no começo, agenciava mulheres que quisessem gravar vídeos eróticos. Hoje, é mais focada na produção de eventos. Suas principais fontes de receita são bilheteria de festas, bebidas e patrocínios. O curso também contribui para o faturamento. Considerando o número de inscritos, as aulas renderam 20 mil reais desde o ano passado.
Quando teve a ideia de criar o curso, Pedro Caliente estava num emprego nada sensual: era estrategista de negócios de uma grande empresa de tecnologia, em Seul, na Coreia do Sul. Enquanto pensava a ementa, constatou que precisaria contratar um gestor de tráfego para veicular anúncios durante as aulas online. Resolveu então anunciar a vaga no LinkedIn. Não se deu conta da gafe que estava cometendo: todos os usuários conectados a ele podiam ver a postagem, inclusive colegas da empresa onde ele trabalhava. Não deu outra: no dia seguinte, Caliente foi informado de sua demissão. A chefia do RH disse ainda que ele podia ser processado, já que a pornografia é ilegal na Coreia do Sul, mas tentariam aliviar a situação, contanto que ele removesse do currículo qualquer menção à empresa.
“Foi bem traumático. Eu saí do trabalho, era uma sexta-feira, enchi a cara e passei o final de semana inteiro em modo de guerra”, diz Caliente. Ele conta que, na base do carisma, convenceu seus superiores a deixá-lo trabalhar por mais dois meses. Assim, ele completaria um ano de empresa e poderia ganhar algum dinheiro com a rescisão de contrato. Depois de tudo, não foi processado nem alterou o currículo.
Olhando em retrospecto, foi uma mudança para melhor, ele diz. “Eu sinto falta do glamour do mundo corporativo, mas eu era muito infeliz de segunda a sexta. Apesar dos perrengues do empreendedorismo, hoje eu sou uma pessoa muito mais feliz.”
Pedro Caliente é enfático: diz que suas aulas não tratam de pornografia, e sim de “conteúdo adulto independente”. A diferença, ele argumenta, está no fato de que não há grandes produtoras de filmes pornô no universo do OnlyFans. Essa diferenciação não consta nos dicionários. O Michaelis, por exemplo, define pornografia como “qualquer coisa (arte, literatura etc.) que vise explorar o sexo de maneira vulgar e obscena”. O Priberam segue a mesma linha: diz que pornografia é qualquer tipo de produto “de cariz sexual com intenção de provocar excitação”.
A Santa Caliente já agenciou mais de trinta mulheres que atuam no Only Fans. Veio daí o aprendizado que embasa o curso. Tempos atrás, algumas alunas reclamaram: como poderiam confiar nos ensinamentos de Pedro Caliente se ele, um homem, nunca se exibiu na plataforma? O professor resolveu então criar uma conta para produzir, ele próprio, vídeos eróticos. Já recebeu trezentas curtidas no OnlyFans – um desempenho modesto –, mas também divulga seu trabalho no Instagram, onde tem 4,6 mil seguidores. Foi o suficiente para ganhar “uma graninha legal”, ele diz, mas ainda é um trabalho em fase inicial. Caliente cobra 7,90 dólares de seus assinantes (como o número é oculto, não se sabe quantos são).
Quando o curso foi lançado, o professor dizia que iria fazer mentorias individuais por videochamada, o que não acontece mais. O atendimento se dá mesmo é por WhatsApp. Caliente responde dúvidas pontuais das alunas e, quando percebe que uma delas “deu uma vingada” – isto é, começou a deslanchar –, ele a inclui num grupo de conversa chamado Comunidade Caliente. Ali, produtoras de conteúdo mais bem estabelecidas trocam dicas entre si. Conteúdos explícitos são proibidos.
O professor pede às alunas que, depois de conseguirem atravessar o deserto e chegar à “vida dos sonhos”, nunca percam a humildade. Mas o diz num linguajar peculiar: “Não seja cuzona.” Ao final de uma aula, vestindo camiseta regata, Caliente arremata: “Ninguém é melhor do que ninguém, e juntos somos mais.”
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