Os inimigos do Brasil e o inimigo da humanidade
Semanalmente, os apresentadores mencionam as principais leituras que fundamentaram suas análises. Confira:
Conteúdos citados neste episódio:
“Carla Zambelli estava na casa de brasileira nos arredores do Vaticano“, reportagem de Andrea Palladino para a piauí, que revelou em primeira mão o paradeiro da deputada.
“Lei Magnitsky vs. Moraes”, coluna de Thiago Amparo para a Folha.
“Magnitsky no outro é refresco”, coluna de Conrado Hübner Mendes para a Folha.
“Ninguém desafia Trump como o presidente do Brasil”, entrevista do presidente Lula para o The New York Times.
“A brava posição do Brasil contra Trump”, artigo de Joseph E. Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, para o Valor.
TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO:
Sonora: Rádio Piauí.
Fernando de Barros e Silva: Olá, sejam muito bem vindos ao Foro de Teresina, o podcast de política da Revista Piauí.
Sonora: Então, hoje pra mim é o dia sagrado da soberania.
Fernando de Barros e Silva: Eu, Fernando de Barros e Silva, da minha casa em São Paulo, tenho a alegria de conversar com os meus amigos Celso Rocha de Barros e Ana Clara Costa, no Estúdio Rastro, no Rio de Janeiro. Olá Ana, bem vinda!
Ana Clara Costa: Oi, Fernando! Oi, pessoal!
Sonora: Estou tranquilo, calmo, tranquilo, coração sereno de que aqui buscarei justiça para o meu caso.
Fernando de Barros e Silva: Diga lá, Celso casca de bala.
Celso Rocha de Barros: Fala aí, Fernando! Estamos aí mais uma sexta-feira.
Sonora: Confronted with credible allegations of genocide, international law is not enough.
Fernando de Barros e Silva: Mais uma sexta-feira e antes de entrar nos assuntos da semana, nós três, Ana Celso e eu queremos convidar vocês para o Festival Piauí de Jornalismo, que acontece nos dias 6 e 7 de setembro, final de semana, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Além das mesas com convidados, jornalistas internacionais da Turquia, da China, da Nigéria, da Rússia, de Israel, dos Estados Unidos, a gente vai ter uma edição ao vivo do Foro de Teresina. Vocês podem pegar as informações sobre a programação, os horários e os ingressos no site da Piauí e nas redes da Piauí. Agora sim! Recado dado, vamos aos assuntos da semana.
Fernando de Barros e Silva: Habemus magnitsky! O governo de Donald Trump anunciou na última quarta-feira a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um dos instrumentos de sanções econômicas mais severos dos Estados Unidos e Moraes é o primeiro brasileiro a ser atingido diretamente por ele. A Magnitsky, para quem pergunta por que raios esse nome foi sancionado em 2012 por Barack Obama, visando punir os responsáveis pela morte do advogado e militante russo Serguei Magnitsky, adversário de Vladimir Putin assassinado em uma prisão em Moscou em 2009. Em 2016, a abrangência da lei foi ampliada para incluir, além de quem tenha desrespeitado os direitos humanos, aqueles que sejam acusados de corrupção. No caso de Moraes, o governo americano o acusa de ter atuado de forma arbitrária contra a liberdade de expressão e diz que o ministro usou o cargo para censurar e perseguir Jair Bolsonaro. O secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, disse ainda na sua nota que continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos Estados Unidos e as liberdades dos nossos cidadãos. Nossos, deles. Por trás desse blá blá blá. O que se viu foi a escalada do governo Trump para dar uma mãozinha aos golpistas no Brasil e fragilizar a democracia brasileira, a exemplo do que ele representa e pratica em seu próprio país. Eduardo Bolsonaro se consagra como traidor da pátria, destacando-se, por ora, como pária numa família de párias. Família envolvida há décadas com milicianos, ligadas aos chefes do escritório do crime e adepta de esquemas corruptos como as raspadinhas, para não falar das jóias, etc, etc. O Congresso brasileiro não tem nenhuma desculpa para não abrir o processo de cassação do mandato do 03, que fugiu do serviço para conspirar no exterior contra seu país em benefício da impunidade de seu pai. A mesma coisa vale para Carla Zambelli, outra parlamentar criminosa que era foragida da Justiça e foi presa esta semana na Itália. A gente vai discutir isso e a repercussão da Magnitsky aqui dentro e fora do Brasil, incluindo a resposta do Supremo à arbitrariedade de Trump. No segundo bloco, vamos seguir no rastro da ofensiva trumpista. Vamos falar do tarifaço que entra em vigor não mais no dia primeiro e sim no dia 6 de agosto. O governo americano confirmou nesta semana a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, mas anunciou uma lista significativa de exceções: 694 itens entre os 4000 exportados aos Estados Unidos. Itens que respondem por cerca de 45% das vendas aos americanos. É um alívio e os analistas estão recalculando o impacto negativo das tarifas sobre o PIB brasileiro. Entre os produtos que escaparam da sobretaxa, estão os aviões da Embraer, peças aeronáuticas como turbinas, pneus e motores, o suco de laranja, celulose e minério de ferro, equipamentos elétricos e o petróleo. Por outro lado, café, cacau, carne e frutas, alguns dos principais itens da pauta de exportação brasileira serão tarifado em 50%. A gente vai falar disso tudo. Por fim, no terceiro bloco, a gente volta os olhos para a tragédia em Gaza, as imagens de pessoas famintas, pessoas morrendo de fome, entre elas crianças, chocaram a todos ao redor do mundo. Um médico que trabalha na linha de frente disse à BBC que cerca de 900 mil crianças estão passando fome na região. A desnutrição e os assassinatos perto dos centros de ajuda humanitária marcam essa fase do terror na região, já que as pessoas dependem quase que exclusivamente da ajuda da Fundação Humanitária de Gaza, apoiada pelos Estados Unidos e por Israel, para obter seus alimentos. Segundo o porta-voz do Escritório de Direitos Humanos da ONU, mais de mil palestinos já foram mortos pelo exército israelense enquanto tentavam pegar alimentos em Gaza, desde que essa fundação humanitária começou a operar no final de maio. Três países do G7, o Reino Unido, a França e o Canadá anunciaram que irão reconhecer o Estado palestino na próxima edição da Assembleia Geral da ONU, em setembro. É um revés para o governo genocida de Netanyahu, mas é insuficiente diante da barbárie que ele patrocina. É isso. Vem com a gente!
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Celso, vamos começar com você. Donald Trump, como você disse, está tentando destruir a moeda americana e a democracia americana. Não sei se ele vai conseguir, mas ele está tentando firmemente e está tentando destruir a democracia brasileira também. Vamos falar um pouco da Lei Magnitsky. Como é que você viu essa semana?
Celso Rocha de Barros: Então, Fernando, eu acho que assim é bom a gente ter noção da escala do que aconteceu. O que aconteceu foi muito grande. Foi uma agressão norte-americana ao Brasil gigantesca. É bem provável que seja a crise mais profunda que já teve nas relações entre Brasil e Estados Unidos, porque assim a gente já falou aqui várias vezes do porquê que a Suprema Corte é o grande alvo dos novos movimentos autoritários na Venezuela, na Turquia, na Hungria e no Brasil. É porque a Suprema Corte que decide o que a Constituição diz. Então você leva lá as questões constitucionais para eles decidirem. Se um ditador conseguir neutralizar a Suprema Corte, a Suprema Corte, fazer qualquer coisa que ele queira, a Constituição passa a ser o que o ditador disser que ela é. O que o Trump está querendo fazer, é ele neutralizar a Suprema Corte brasileira e ele dizer o que é a Constituição brasileira. Se o Trump conseguir o que ele está querendo com o STF, é o governo dos Estados Unidos que passa a decidir o que é legal e o que não é no Brasil. Dizer que qual é a lei que se aplica dentro de um território e governar esse território é mais ou menos a mesma coisa. Então, se o Trump ganhar essa briga contra a Suprema Corte brasileira, o Trump governa o Brasil. O Trump vai decidir o que vale, o que não vale. Se o Congresso brasileiro aprovar uma lei, isso ou tomar uma medida. Enfim, o Brasil basicamente perde a condição de país soberano, se o Trump ganhar essa briga. E o que o Trump está propondo, basicamente, é que os brasileiros são obrigados, segundo ele, a seguir a lei que ele quiser. Mas se os brasileiros quiserem ir para os Estados Unidos morar lá, pensando “bom, já que eu sigo a lei dos Estados Unidos, então vou ser americano, vou morar lá, vou ser rico, etc”. Não. Aí ele vai te mandar para um campo de concentração El Salvador. Então, enfim, o negócio que o Trump está oferecendo para o Brasil é muito, muito ruim. Assim, eo Brasil teria que ser uma república de bananas absolutamente vagabunda para ceder nessa questão da Suprema Corte. E aqui vai dizer um negócio a Lei Magnitsky, foi criada para fazer o contrário disso que o Trump…
Fernando de Barros e Silva: Exato.
Celso Rocha de Barros: Como bem notou o Thiago Amparo, ela foi feita para ser aplicada ao Bolsonaro, não ao Alexandre de Moraes. Ela foi feita para ser aplicada para gente que faz violações grosseiras de direitos humanos. Gente que ameaça a democracia…
Fernando de Barros e Silva: A Ustra, que é o ídolo do Bolsonaro.
Celso Rocha de Barros: Exatamente. O Ustra seria o caso clássico de ser sancionado pela Magnitsky ou pelo Tribunal de Nuremberg. Enfim, como você disse aí, o Magnitsky, foi um cara, um advogado russo que denunciou um grande esquema de corrupção, enfim, foi preso, assassinado, etc. E aqui vale notar uma coisa, o investidor britânico William Browder, que era cliente do Magnitsky e foi um dos que mais militou para que a lei fosse aprovada nos Estados Unidos, Foi lá no falecido Twitter dizer o seguinte… Traduzindo aqui, “eu passei anos lutando pela Lei Magnitsky ser aprovada para acabar com a impunidade, contra violações grosseiras de direitos humanos e para acabar com os cleptocratas. E tanto quanto eu sei, o juiz brasileiro Moraes não se encaixa em nenhuma dessas categorias”. Então o pessoal de direitos humanos que brigou pela Magnitsky está chocado com o que o Trump está fazendo, não só porque é uma violação bizarra da soberania brasileira, etc. Mas porque é uma esculhambação completamente da Lei Magnitsky.
Fernando de Barros e Silva: Sim, está desvirtuando completamente o sentido da lei.
Sonora: O que eu acho que para o Trump é um bônus. Assim, o Trump não quer combater abusos de direitos humanos ao redor do mundo, muito pelo contrário. Então, se essas coisas todas forem desmoralizadas, para ele, é bom, entendeu? Eu acho que ele até acha que tá saindo no lucro. E se alguém por acaso tiver pensado assim “cara, sei lá se os Estados Unidos sancionou a gente com isso aí, será que não tem alguma questão real? Será que o Alexandre Morais não se excedeu?” Alguma coisa assim… Se você realmente quiser cavar esse assunto, eu sugiro que você compare a nota do Brasil com o de outros países sancionados com a Magnitsky usando instituições internacionais que classificam a qualidade da democracia. Tem, por exemplo, os estudos, V-DEM da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. A nota do Brasil no V-DEM, inclusive, anda melhorando nesses últimos anos, depois da ofensiva golpista do Bolsonaro. Uma outra instituição costuma monitorar esse tipo de coisa, a Freedom House mantém a classificação do Brasil como país livre, que já é há muito tempo e com a mesma nota do ano passado. E é interessante que a Freedom House, que tá longe de ser um negócio de esquerda ou coisa que o valha, eles tem um item específico no relatório dele, que é as leis e a estrutura eleitoral são justas e implementadas imparcialmente pelos órgãos relevantes de gestão eleitoral e o Brasil recebe a nota máxima. Quatro de quatro. Então, assim, se você não quiser ficar só no debate subjetivo, “ah será que o Alexandre Morais é autoritário ou não sei o quê?” Tem gente que estuda essas coisas e a conclusão é óbvia. E aí você compara isso com outros países em que a Magnitsky foi aplicada, com a Rússia e outros lugares desse tipo, o Brasil destoa completamente dos outros países em que essa lei foi aplicada até hoje. Enfim, é uma esculhambação completa. E é bom dizer que o Trump já vem usando sanções, embora nem sempre a Magnitsky contra adversários políticos ao redor do mundo. Por exemplo, ele já sancionou juízes da Corte Criminal Internacional que investiga crimes de guerra na Faixa de Gaza. Então, o Tribunal Criminal Internacional começou a apurar os crimes do Netanyahu, que a gente vai falar no último bloco, o Trump sancionou os caras, os juízes do Tribunal Internacional, porque eles estavam investigando os crimes do Netanyahu e, ao mesmo tempo, olha que beleza, ele retirou da lista Magnitsky um cidadão de bem chamado Antal Rogan, que é ministro do ditador da Hungria, o Viktor Orban, que é um dos poucos dignatários estrangeiros que veio à posse do Bolsonaro, né? E o Eduardo Bolsonaro, por exemplo, sempre deixou claro que o Orban é uma das inspirações para o bolsonarismo, etc. A estratégia de corrosão da democracia que foi implementada na Hungria. O tal Rogan tinha entrado na lista Magnitsky, acusado de comandar um mega esquema de corrupção que basicamente usava fundos públicos da Hungria para alimentar os oligarcas que apoiam o Orbán e influenciar o processo institucional como um todo e corromper o sistema político da Hungria como um todo. Esse cara, o Trump, mandou tirar ele da lista Magnitsky esse ano, poucos meses antes de colocar o Alexandre de Moraes. Então o Trump resolveu realmente inverter completamente o propósito da lei para aliviar para os caras que cometem crimes contra a democracia, contra os direitos humanos e punir quem quiser investigar esses crimes. Quem quiser levar esses caras a julgamento. A eleição do Trump para o mundo foi uma tragédia inacreditável. Bom, a gente ainda não sabe qual é o nível do impacto que a Magnitsky vai ter sobre a vida do Alexandre de Moraes. O Conrado Hübner Mendes notou bem que em território brasileiro, prevalece a lei brasileira. Empresas que atuam no Brasil que se recusarem a atender Alexandre de Moraes, o cartão de crédito ou coisa que o valha, vão sofrer consequências legais no Brasil. Você não pode chegar aqui, e, por exemplo, digamos que uma empresa saudita venha operar no Brasil e não queira atender, por exemplo, clientes LGBT, porque, falando na Arábia Saudita, não pode fazer isso. O Supremo Tribunal Federal, dane-se a Arábia Saudita, se você quiser aplicar essa lei da Arábia Saudita, você vai para a Arábia Saudita. Aqui no Brasil vale a lei brasileira. Então, acho que se as empresas de cartão de crédito, de software ou qualquer coisa que o valha, resolverem boicotar mesmo o Alexandre de Moraes, a gente pode contar que vai ter uma batalha legal aí. E os caras basicamente vão comprar uma batalha contra o Supremo Tribunal Federal como um todo, né? O que não vai…
Fernando de Barros e Silva: Exato.
Celso Rocha de Barros: Não vai ser tranquilo. Agora, e aí eu acho, só uma última coisa. Eu acho que a aplicação da Magnitsky contra o Alexandre de Moraes é completamente ilegal pela lei americana. O Alexandre Moraes não se encaixa em nenhuma das categorias que a Lei Magnitsky que foi feita para enquadrar. Até eu gostei, a The Economist veio fazer umas matérias meio dúbias aí sobre a situação do Brasil e tal. Escreveu uma muito boa nesse caso, dizendo que tudo que o Alexandre Moraes fez e previsto na lei brasileira. Eles são críticos do inquérito da fake news, mas eles dizem isso tudo que o Alexandre Moraes fez está previsto na lei brasileira e ele não se encaixa em nenhuma das categorias da Magnitsky, que ele é completamente diferente dos outros caras que foram acusados até agora. Então, assim, há uma ampla margem para contestar essa aplicação nas cortes americanas que o Brasil provavelmente vai fazer, entendeu? Da mesma forma, as tarifas do Trump são completamente ilegais pela lei americana. Ele está implementando essas tarifas sem consultar o Congresso, usando uma lei que permite a ele a usar poderes emergenciais durante crise de segurança.
Fernando de Barros e Silva: Crise de segurança, alegando ameaça à segurança americana.
Celso Rocha de Barros: Exatamente. Então essa lei é para quando tiver uma guerra, entendeu? Ou, por exemplo, se tiver uma crise no fornecimento de urânio. Estados Unidos é uma potência nuclear, então precisa de urânio. Aí eles tomam as medidas lá para garantir que não vai se vender urânio para fora. Ou se tiver uma crise do petróleo, por exemplo. O exército americano depende do petróleo, então pode ter alguma coisa para garantir o fornecimento de petróleo. Ela foi feita para isso. Agora você lê um documento dizendo “não deixem o meu amigo Jair ser preso”, que começa com “há uma crise de segurança nacional nos Estados Unidos”, é bizarro, né, cara? Se o Jair for preso, tem uma crise de segurança nacional nos Estados Unidos. Pelo amor de Deus. Então deve ser muito fácil ganhar desse país, né cara? Até o Jair em cana ameaça a segurança dos Estados Unidos até, pô, São Cristóvão e Neves, no Caribe, deve ser capaz de invadir os Estados Unidos. E aí é que eu acho que o caso brasileiro vai ser também um teste para a democracia americana e para o Estado de direito nos Estados Unidos. Em tese, as empresas brasileiras vão entrar na Justiça americana para contestar as tarifas e o Alexandre Moraes ou a AGU vão entrar nas cortes americanas para contestar o Magnitsky. São casos muito simples do ponto de vista legal. Nos dois casos, o Brasil ganha muito fácil. Se você simplesmente quisesse até a letra da lei. Mas ali ainda vale? Os Estados Unidos ainda é um Estado de direito? Se subir para a Suprema Corte, que é aparelhado pelos republicanos, eles vão aplicar a lei ou vão fazer o que o Trump quer? Então, eu acho que isso também é um teste para o funcionamento institucional dos Estados Unidos.
Fernando de Barros e Silva: Mas a gente entrou numa zona cinzenta aí, né?
Celso Rocha de Barros: Sem dúvida.
Fernando de Barros e Silva: Justamente…. A democracia americana é justamente…
Celso Rocha de Barros: Bem mal das pernas.
Fernando de Barros e Silva: Ana Clara, vamos com você continuar falando de Magnitsky que a gente imaginava que ia falar esse nome aqui tantas vezes no programa.
Ana Clara Costa: Bom, tem uma questão que o Celso levantou sobre essa aplicação, de certa forma, cheia de incongruências dessa lei. E além do episódio em que foi retirada a sanção do ministro húngaro, a Transparência Internacional, que soltou uma nota sobre esse assunto na quarta-feira, no dia que foi anunciada, levantou também o exemplo do Nayib Bukele, que é um presidente na América Latina, presidente de El Salvador, que vem cometendo violações constantes de direitos fundamentais, mas que, por ser de direita, curiosamente, essas violações de direitos fundamentais não sensibilizam o Trump. Ele é sequer mencionado como possível alvo de Magnitsky.
Fernando de Barros e Silva: Sensibilizam ao contrário.
Ana Clara Costa: Exato.
Fernando de Barros e Silva: Agradam.
Ana Clara Costa: Vão tirar a exigência de visto do pessoal de El Salvador que nem querem fazer com a Argentina.
Celso Rocha de Barros: Agora El Salvador é o campo de concentração terceirizado.
Ana Clara Costa: Exato, exato.
Celso Rocha de Barros: Ele que ele manda lá.
Ana Clara Costa: Bom, eum outro exemplo de aplicação da Lei Magnitsky pelo Trump, muito controverso, é o seguinte: quando aquele jornalista saudita, o Jamal Khashoggi, foi assassinado dentro do consulado da Arábia Saudita em Istambul, em 2018, lembrando que esse jornalista trabalhava para o Washington Post e vivia nos Estados Unidos. Ele tinha a permissão legal para viver nos Estados Unidos. Quando esse crime aconteceu, levou um tempo para que o Trump fizesse qualquer coisa contra os assassinos ou suspeitos de assassiná-lo, que na verdade são membros do governo da Arábia Saudita. Por que? Porque ele não queria prejudicar as vendas de armamentos para a Arábia Saudita. Então teve uma pressão do Senado americano para que ele enquadrasse essas pessoas na lei, Magnitsky que ele não estava querendo. Aí o Senado mandou um ofício para a Casa Branca pedindo oficialmente o enquadramento dessas autoridades e só aí que ele decidiu atender, né? E aí, digamos, o que aconteceu com o Jamal naquela, enfim, naquele episódio horroroso, foi uma violação à liberdade de expressão dele, que aparentemente não sensibilizou o Trump naquele momento. Ele foi assassinado pelo que ele falava, pelo que ele escrevia no Washington Post.
Celso Rocha de Barros: Esquartejado.
Ana Clara Costa: Esquartejado.
Celso Rocha de Barros: Exatamente.
Ana Clara Costa: Então, assim, quando o bolsonarismo celebra esse tipo de sanção, isso que eles estão celebrando, né? É a escolha de punir um brasileiro fora de qualquer parâmetro de aplicação prévia dessa lei. Agora eu queria contar os bastidores dessas últimas semanas em relação à Lei Magnitsky. Em maio desse ano, o Marco Rubio, pela primeira vez, aventou a possibilidade da Magnitsky porque, na verdade, o que o Eduardo gostaria que tivesse acontecido desde o princípio, desde que ele foi para o Estados Unidos, era Magnitsky. Ele não estava fazendo lobby pelas tarifas, as tarifas vieram como um plus, né? O que ele queria mesmo era a aplicação da Magnitsky para o Alexandre de Moraes. E óbvio que era isso que ele ficava martelando ali em Washington, nas vezes que ele ia para lá com os interlocutores do MAGA, com o Steve Bannon e tal. E o Olavo de Carvalho já falava quando era vivo… Óbvio, né? Eu não soube de nada psicografado.
Celso Rocha de Barros: Não se pronunciou sobre esse assunto, Olavo. Tô aqui aguardando.
Ana Clara Costa: Ele chegou a mencionar que o Trump deveria usar Magnitsky no outro governo contra a esquerda brasileira, né? Que na época o Alexandre de Moraes, enfim, não existia ainda esse processo, né? Ou ele não tava tão avançado. Então assim ele sugeriu o uso da Magnitsky. Então aí a gente já vê de onde vem, né? O fato de o Eduardo Bolsonaro conhecer essa lei. E aí em maio desse ano, o Marco Rubio falou pela primeira vez sobre isso. E o Itamaraty, a diplomacia brasileira, fez todo um trabalho bem sigiloso de diplomacia na época, em maio, para tentar dissuadir a Casa Branca de prosperar com essa ideia. Porque pareceu, e é, completamente absurda. Mas assim, houve um trabalho da diplomacia brasileira muito forte para que esse assunto fosse esquecido naquele momento e que começou ali. Assim, o Brasil vinha tratando essa questão das tarifas de uma forma profissional, com a Secretaria de Comércio e tudo mais. Não estava tendo resposta dos Estados Unidos, mas até aí estava achando que o negócio estava, enfim, dentro do campo do comércio. Quando Marco Rubio fala da Magnitsky, eles começaram a ficar preocupados e fizeram um trabalho ali que naquele momento eles acharam que tinha dado certo e o trabalho era basicamente de explicar para o Departamento de Estado que o que o Alexandre de Moraes estava fazendo no Brasil, seguia a Constituição brasileira não era uma violação em nenhum aspecto e que eles estavam mal-informados sobre isso. E aí, por um momento, achou-se que estava bem explicada a situação. E aí a situação se agravou em junho e julho e aconteceu o que aconteceu. Quando o Alexandre de Moraes manda colocar a tornozeleira no Bolsonaro no dia 18 de julho, depois do anúncio da tarifa, aconteceu um Deus nos acuda na Casa Branca. Assim, o Trump ficou totalmente fora de si. Achou que aquilo era uma provocação e naquele momento ele queria não só Magnitsky, como escalar num nível jamais visto, as sanções ao Brasil. Foi um momento assim, um dia de muita tensão, que aconteceu no dia 18 de julho… E de novo Itamaraty, é um dia que eu não li ainda, não li nenhum relato sobre esse dia, sobre o que aconteceu na Casa Branca, mas aparentemente a temperatura na Casa Branca nesse dia chegou num grau que não tinha chegado e teve todo um trabalho da diplomacia para tentar acalmar os ânimos ali, para que ele não fizesse tudo o que ele gostaria de ter feito naquele dia. E foi na esteira dessa coisa do dia 18 que ele revogou os vistos dos ministros do Supremo. Então, tudo isso foi um dia importante de toda essa história, o dia 18 de julho. E desde então tem havido um trabalho ali sigiloso de diplomacia. Por que? Porque como Eduardo é um inimigo interno do Brasil que está lá e com acesso, com algum acesso a interlocutores do Trump. Esse trabalho de diplomacia não pode ser feito às claras, entendeu? Porque você tem uma pessoa que está lá tentando minar. Um exemplo novo disso é essa reunião que teve essa semana, na quarta feira, entre o Marco Rubio e o chanceler Mauro Vieira. O Mauro Vieira tinha ido para Nova York para essa conferência sobre a Palestina. A solução de dois Estados para a Palestina, avisou que gostaria, se houvesse chance, que ele estaria nos Estados Unidos, então ele gostaria de se encontrar com alguém da Casa Branca, se fosse possível, porque ele já estaria lá. Ou seja, eu não estou indo para Washington só para isso, para bater com a porta na cara. Eu já estou nos Estados Unidos para um evento, então se tiver uma disposição em conversar, eu estou disposto a conversar. Mas eu estou disposto a ir até Washington conversar, se eu for recebido. Se eu tiver uma confirmação de que eu vou ser recebido. Aí, enfim, essa expedido, essa sugestão ou o que quer que seja, circulou ali na Casa Branca, quando foi na terça-feira à noite, eles não tinham recebido confirmação ainda e o Mauro Vieira ia voltar para o Brasil na terça-feira à noite. E aí ele acabou recebendo a confirmação de que o Marco Rubio ia topar falar com ele. E esse encontro foi secreto mesmo. Assim, não foi no Departamento de Estado, não foi na embaixada brasileira, não foi em nenhum lugar. Eu não sei onde foi. Enfim, se alguém souber, inclusive manda aqui pra gente. Mas isso aconteceu na quarta-feira. Na terça feira ele recebeu a confirmação e eu até soube por uma fonte que me contou “olha, o Mauro Vieira tá indo para Washington e ele deveria estar voltando para o Brasil. Então pode estar acontecendo alguma coisa. E de fato aconteceu”. E uma das razões de essa reunião ter sido feita nesses termos sigilosos… Uma das razões, não é só essa razão, mas uma das razões é o fato de você ter esse inimigo interno lá. Que se ele soubesse dessa reunião, talvez pudesse tentar melar ali de alguma forma e tal. Então esse é o nível do Eduardo Bolsonaro hoje. As tratativas diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos estão tendo que ser feitas em sigilo para esse cara não saber e não tentar acabar com isso, expor de alguma forma. A gente está assim, vivendo realmente com uma anti brasileiro ali, um cara que não é só contra o Alexandre de Moraes, que ele está atuando, ele está atuando fortemente para que o problema que foi criado não seja resolvido, não haja resolução e não haja diálogo entre as duas partes, porque qualquer menor sinal de diálogo, a intenção dele é tentar melar, que é o que ele fez com os senadores que foram para Washington.
Fernando de Barros e Silva: Sim, ele é claramente um sujeito lesa pátria. Ele está agindo para fazer isso. E eu volto a dizer o que eu mencionei na abertura, o Congresso brasileiro tem a obrigação de tomar uma atitude diante do que está acontecendo.
Celso Rocha de Barros: Se não cassar, ele vai cassar quem?
Fernando de Barros e Silva: Ou se o Hugo Motta vai prevaricar mais uma vez, ou vai prevaricar nessa dimensão, o Congresso tem obrigação de dar satisfação para a sociedade brasileira e a direita teria uma oportunidade… Não vou ser tão Poliana, não vou ser tão otimista, mas eria uma oportunidade de isolar essa família ou de enquadrar essa família. Porque o Bolsonaro vai ser preso e o Eduardo Bolsonaro, se voltar ao Brasil, também deve ser preso, né?
Ana Clara Costa: É réu confesso. Ele é réu, confesso, réu confesso.
Fernando de Barros e Silva: A Câmara tem… Eu acho que existe muito pouca pressão sobre o Congresso brasileiro, que vem se omitindo dessas questões, porque é um congresso mais do que lamentável. Um congresso de uma direita vagabunda que flerta com o golpismo quando não está com os dois pés no golpismo. Enfim, tem uma continuidade, uma indiferenciação entre o PL e esses outros partidos. O PL, que é a casa dos Bolsonaro, etc, não está sozinho no Congresso. Não existe uma divisão clara entre o PL e esses outros progressistas, republicanos, etc. O país teria uma chance de estabelecer alguma distinção entre esses golpistas declarados e as pessoas que são contra a democracia e claramente contra o Brasil e a direita, digamos assim, liberal ou o que seja. Eu não acredito que isso vá acontecer, mas acho que é uma obrigação da gente cobrar que isso aconteça, né? Bom, gente, eu não quero terminar esse bloco sem fazer pelo menos uma menção à nossa querida Carla Zambelli, inclusive porque foi um furo da Piauí quem deu a notícia do paradeiro da Zambelli foi o furo da revista Piauí, certo Ana Clara?
Ana Clara Costa: Certíssimo.
Fernando de Barros e Silva: Foi um furo do jornalista Andrea Palladino para a Piauí. Ana Clara, para arrematar mais alguma coisa?
Ana Clara Costa: Acho que só para concluir essa questão do Eduardo, desse perigo que ele representa, eu não sei se vocês se lembram do Eduardo Tagliaferro. Ele foi assessor-chefe do gabinete do Alexandre de Moraes no TSE e ele foi demitido, exonerado depois de ser preso em flagrante, batendo na mulher e tentando matar ela com uma arma e ele foi exonerado no mesmo dia. Bom, ele foi solto né? Ele se tornou, desde então, um inimigo público ali do Alexandre de Moraes, criticando ele. Enfim, se diz injustiçado e foi para a Itália, né? Porque ele é cidadão italiano. Então, o pessoal gosta de fugir para a Itália. Ele disse que ele não está em fuga, que ele só está aguardando na Itália. Mas enfim, o fato é que o Eduardo está querendo levá-lo para os Estados Unidos para que ele supostamente colabore numa investigação contra o Alexandre de Moraes. Eles querem levar o cara da Itália para os Estados Unidos para que ele conte todas as violações que ele viu acontecer no gabinete e tal. E ele tá disposto a ir. Então aí a última do Eduardo é essa. Ele quer levar esse cara que foi do gabinete para tentar encorpar o caldo ali contra o Alexandre.
Celso Rocha de Barros: Não, porque é o seguinte, a gente tá falando aqui de traição à pátria, etc. Uma história que eu gostaria de ver esclarecida é a do senador Marcos do Val, que tá com essa confusão que ele saiu do país sem autorização. Agora que eu queria ter um esclarecimento aqui, é porque o Durval disse que ele tem o visto Categoria S para entrar nos Estados Unidos. Esse visto é para quem colabora com as autoridades americanas em investigações ou outras coisas de inteligência, coisa desse tipo. Eu queria saber o que que ele anda fazendo lá, cara, o que que ele anda colaborando com o governo estrangeiro no meio de uma crise como essa, entendeu? Isso aí eu acho que é de algum interesse saber o que esse cara tá fazendo por aí.
Fernando de Barros e Silva: Bom, com essa pauta, pedido, curiosidade do Celso, a gente vai então encerrando o primeiro bloco do programa por aqui. Vamos fazer um rápido intervalo. Na volta, vamos falar das tarifas. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, Ana Clara. Estamos de volta. Vou começar com você. Não vou falar que boa notícia das exceções, porque não tem boa notícia nesse pacote. Enfim, foi um alívio, uma surpresa positiva dentro de uma situação bastante ruim que foi criada pelo governo americano. Vamos começar pelas exceções?
Ana Clara Costa: Sim, as exceções e as não exceções.
Fernando de Barros e Silva: Vamos lá.
Ana Clara Costa: Bom, embora tenha havido mais de 700 exceções, 700 itens ali dentro da lista de exceção.
Fernando de Barros e Silva: 694 pelo que estão falando, né?
Ana Clara Costa: 694.
Fernando de Barros e Silva: Enfim, 700,.
Ana Clara Costa: Em grande parte são exceções que beneficiam a indústria americana, né? Sim, porque a gente sabe que tem uma instituição nos Estados Unidos que continua funcionando é a força da grana, né? Insumos químicos de construção civil, minério de ferro, derivados, além do suco de laranja, que é um produto fundamental da mesa do americano e que o Brasil é o principal fornecedor com 50% do mercado. Mas ainda assim, apesar dessas exceções, eu acho que tem algumas sinalizações políticas que eu queria destacar, com exceção do suco de laranja e da castanha de caju, que eu acho que o Trump deve gostar de comer tomando whisky e que só o Brasil produz. Todo o setor agrícola foi tarifado e o setor agrícola agropecuário, no caso, é um grande apoiador do Bolsonaro, né? Todo mundo sabe. Então, nessa ideia de que essas tarifas são políticas e não comerciais, ele claramente quer pressionar para que o Bolsonaro seja anistiado por meio dessa pressão no agronegócio, porque nada como você atingir o setor que pode se mobilizar para te ajudar a conseguir o que você quer. E esse setor é o agronegócio. Aliás, essa pressão já está acontecendo. Não digo que está acontecendo uma pressão ao governo ou ao Supremo sobre isso, mas representantes do agronegócio já estão vocalizando que, poxa vida, vamos liberar o Bolsonaro porque daí resolve o problema de todo mundo. Isso está acontecendo. Uma fonte minha esteve na última reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária e disse que alguns representantes ali dentro do agro estavam concordando que o STF tinha que entregar o que o Trump pede. Então as exceções nem tinham saído ainda, ou seja, eles ainda não sabiam se eles iam ser contemplados e já estavam pedindo.
Fernando de Barros e Silva: Isso é um disparate, né? Não faz nenhum sentido. Mas enfim, é a sua apuração .O que estou falando disparate é a atitude deles, não a sua apuração.
Ana Clara Costa: Sim.
Fernando de Barros e Silva: É um disparate.
Ana Clara Costa: Bom, isso parece ser estratégico. A estratégia do Brasil, num primeiro momento, não foi pedir para os empresários pressionarem os lobbies dos seus setores em Washington para que eles pressionassem a Casa Branca?
Fernando de Barros e Silva: Isso aconteceu, né, Ana?
Ana Clara Costa: Sim, aconteceu.
Fernando de Barros e Silva: O CEO da Embraer foi para os Estados Unidos e fez reuniões lá. E enfim, isso aconteceu e é bom que tenha acontecido.
Ana Clara Costa: E uma fonte estava comentando comigo que você tem escritórios de advocacia lá em Washington que são especializados nisso e que já têm uma relação com o Lutnick, que é o Secretário de Comércio, e que você contratar esse escritório parece que já é meio caminho andado ali para o negócio, entendeu? Dependendo do escritório, já é uma parte da história. Então as empresas brasileiras de fato foram atrás, entendeu? Mas assim, tem também a pressão das empresas americanas que iam se ferrar se esses insumos que elas precisam tivesse uma tarifa de 50%. Mas o fato é que, assim, essa atitude de você tarifar o agronegócio, praticamente sem nenhuma exceção, basicamente, eles atingem a agropecuária para que eles indiretamente pressionem na outra ponta. Se vai funcionar, eu acho muito difícil o governo tá taxativo, o Supremo mais ainda, assim, não sei. A não ser que a coisa escale, não sei no nível que a gente não prevê ou não, não tem ideia do que pode acontecer. Mas, a princípio, não há uma possibilidade de que o agronegócio consiga mover essas placas tectônicas, né? O fato é que tem muita gente achando que essas tarifas, embora elas tenham sido atenuadas pelas exceções, elas são o começo que o Trump está agindo com a perspectiva de que o Brasil vá ceder em algum momento, porque ele está arriscando coisas que ele não tem como suprir se o Brasil não fornecer. O café, é uma das principais, o Brasil tem 34% do mercado americano, a Colômbia tem 20%. O Brasil vendeu 8 milhões de sacas de café para os Estados Unidos no ano passado, egundo o Ccafé, a Colômbia vendeu 12 milhões para o mundo inteiro. O Brasil oito só para os Estados Unidos. Ou seja, a Colômbia não tem terra para produzir um excedente de 8 milhões de sacas para suprir a falta do produto brasileiro. Eles vão ter que comprar o nosso café com tarifa mesmo. Então, tudo leva a crer que essa ofensiva na verdade, é porque o Trump de fato acredita que ele vai poder resolver as coisas aqui e rápido. E agora tem uma questão assim na ordem executiva, que é muito curiosa, né? Ele coloca o governo e o Supremo como um mesmo órgão. Então ele fala que o governo não tem cometido arbitrariedades contra o Bolsonaro, que o governo tem prejudicado as big techs, quando na verdade foram decisões do Supremo e sendo que o governo a gente se lembra que a gente falou muito disso, o governo nem sequer agiu para barrar a urgência do PL da Anistia no Congresso, Mas ele coloca todo mundo no mesmo pacote, É óbvio que há interesses convergentes entre o Supremo e o governo, mas não há dúvida da independência dos dois, né? E pelas palavras do Trump, nessa ordem executiva, você vê que ele é assessorado por pessoas que não têm esse entendimento do funcionamento das instituições. Aqui você vê que tem um lapso estratégico, porque talvez, se ele entendesse, ele pudesse até pensar numa solução em que ele tivesse mais chance de ter sucesso. Ainda bem que ele não pensou. E ele não pensou também que esse massacre que ele quer promover com essas tarifas, isso é um componente que une dois poderes que estão sendo atacados. Esse espírito de corpo que é tão presente na política brasileira. O Trump não entende e ele não está sendo assessorado de forma a entender. Ele não entende, inclusive, que tudo isso que ele está fazendo une uma parcela da população que estava bastante descontente com o governo e agora já não está mais tão descontente assim. Agora, tem muita gente que acha que o governo devia ter sido mais aberto ao diálogo. O que que é ser aberto ao diálogo, na visão dessas pessoas? É o Lula ligar para o Trump, pedir para falar com Trump, levar para o Trump uma lista de coisas que o Brasil pode conceder e que não envolvam o Bolsonaro. E aí cabe ao Trump atender ou não, aceitar ou não conversar ou não. Mas que essa atitude do Brasil, mesmo que ele levasse um telefone na cara, seria um sinal de que a gente não quer brigar. Tem muita gente defendendo isso, principalmente do setor privado. Eu acho que gente com histórico de três Lulas na presidência sabe quando que isso ia acontecer? Nunca. Nem o Lula, nem o Itamaraty.
Fernando de Barros e Silva: Nossa amiga Renata Lo Prete fez um comentário preciso no Jornal da Globo, falando que é uma falsa questão, porque essas conversas não são feitas assim, de afogadilho, elas são muito preparadas e que não havia o menor sentido de fazer uma conversa dessa nesse quadro, sabendo qual ia ser a resposta.
Ana Clara Costa: Exato.
Fernando de Barros e Silva: O governo brasileiro só tinha a perder. Ao contrário do que escreveu o Joel Pinheiro, essa conversa não tinha a menor chance. Zero. Não tinha grandeza nenhuma. Esse gesto, para mim, no meu entendimento, não fazia nenhum sentido.
Ana Clara Costa: E assim, a estratégia foi clara. Você viu o Lula dando entrevistas em veículos americanos… Ele deu para a Christiane Amanpour, na CNN. Ele deu para o New York Times, justamente para marcar a posição e de se dizer aberto ao diálogo dentro da imprensa americana, para que justamente o Trump tenha acesso a isso e faça um movimento também. Agora, assim, o Itamaraty devolveu a carta do Trump porque ela não tinha sido enviada pelos meios corretos. Qual que é a chance de se o Itamaraty nem sequer aceitou a carta? Qual é a chance?
Fernando de Barros e Silva: Fez muito bem.
Celso Rocha de Barros: Fez muito bem.
Ana Clara Costa: Exato. E outra, o Itamaraty é formado majoritariamente por uma turma que é a turma da política externa ativa e altiva do Celso Amorim. E o primeiro aluno dessa turma, inclusive, é o Lula, né? Então, assim, acho até compreensível que quando você pode perder bilhões, você esteja desesperado para que o governo faça qualquer coisa, o que for possível e impossível para te livrar dessa. Mas é muito mais a cara do Lula negociar um auxílio para esses setores, enquanto a coisa não se resolve, do que ele se submeter. Fora que, no aspecto diplomático, é a chance que ele tem. E aqui eu não estou falando nem de eleição. Estou falando de história. Depois de três mandatos em que o Lula tenta se colocar nas grandes disputas, nos grandes contenciosos globais internacionais e muitas vezes ele é criticado por isso. Porque as grandes potências acham que ele não tem que se meter na briga que não é dele. Hoje, ironicamente, ele se tornou alvo de um inimigo que é considerado o vilão do mundo ocidental, um grande opressor, opressor de todos os direitos. Já deu todos sinais que quer usar o Brasil de bode expiatório. Então, quando você olha para o aspecto do que vai entrar na história, o retrato de hoje é que, enquanto o mundo todo capitulou ao Trump, o Lula não. É isso que vai ficar nos registros. Você esperar que a China não capitule, é óbvio, porque é uma potência mundial em todos os aspectos. E não precisa ceder para os Estados Unidos em nada, já se esperava. Agora o Brasil é a décima economia do mundo. Não é uma potência bélica. Está numa posição muito mais vulnerável. Por exemplo, essa entrevista do Lula para o New York Times vai entrar para os registros assim, até da própria narrativa do governo Trump para os Estados Unidos, que foi o primeiro presidente que se posicionou ali contra, que valorizou a soberania do próprio país. Porque todo o resto, assim, Europa com essa questão das tarifas dos 15%, a Europa, enfim, entregou tudo. O Japão. Enfim… eu acho que talvez na fotografia de hoje tudo pode, gente, né? Cada dia acontece alguma coisa. Mas assim, na fotografia de hoje, e essa é a maior vitória diplomática de todas as gestões dele e coloca ele num patamar assim de biografia, que o Trump deu um presente para ele, basicamente.
Fernando de Barros e Silva: É, eu acho que essa condução do Lula e essa entrevista específica para o New York Times são muito adequadas, muito positivas, assim como a resposta do Supremo, também institucional, diante da Lei Magnitsky, que também foi uma resposta muito adequada. Quem escreveu a respeito disso, Celso, foi o Stiglitz. A gente estava falando disso aqui antes de gravar.
Celso Rocha de Barros: Grandes Stiglitz. Um dos grandes economistas modernos.
Fernando de Barros e Silva: Elogiando a atitude do Lula. É um artigo que saiu, foi publicado pelo jornal Valor Econômico. O Trump, na verdade, não quer só que o Brasil seja bode expiatório. Mais do que isso, ele quer que o Brasil seja um sócio da cruzada antidemocrática, cruzada de extrema direita, cruzada enlouquecida que ele está fazendo no mundo. Vamos lá, Celso.
Celso Rocha de Barros: Então Fernando, o tarifaço não veio tão ruim quanto a gente pensava que seria, né? Porque ficou de fora avião, petróleo e suco de laranja, que são boa parte da pauta de exportações brasileiras para os Estados Unidos. A estimativa varia um pouco pela metodologia que cada um usa e também pelo fato que, aparentemente, os Estados Unidos têm um código diferente para classificar os diferentes itens de comércio internacional do usado no resto do mundo. Mas, em geral, a estimativa de mais ou menos 43% das exportações brasileiras ficou fora do tarifaço. E algumas dessas, não é só a questão de olhar 43, algumas desses setores que ficaram de fora, como a Embraer, por exemplo. Eram bem críticos. Assim, eram setores que dependiam bastante do mercado americano e basicamente se safaram. Isso foi uma vitória da diplomacia brasileira. O Alckmin saiu muito bem nessa foto assim, foi meio o craque da rodada aqui, mas também não só pela atuação do Alckmin e de outras autoridades brasileiras, mas também pela mobilização dos empresários americanos que seriam afetados pela tarifa. Então, por exemplo, mais ou menos 1/3 dos voos regionais nos Estados Unidos, assim, voos lá dentro dos Estados Unidos, usam os aviões da Embraer. Então, assim, se você basicamente botar 50%, é proibir de comprar. Então, se você proíbe as pequenas empresas aéreas dos Estados Unidos de comprar avião da Embraer, eles não têm onde repor isso. A Embraer encontrou um nicho de aviões pequenos no mundo em que ela tem uma posição global muito favorável. Então a Embraer foi beneficiada e provavelmente por isso que o presidente Embraer estava razoavelmente tranquilo, pelo fato que houve um fortíssimo lobby lá das empresas aéreas americanas para dizer “cara, se você quebrar a Embraer, cê quebra a gente”. E é a mesma coisa com o suco de laranja, com outras coisas desse tipo. Tem algumas das coisas que entraram nas exceções, que é o material que é usado em construção civil. E o Trump não quer aumentar o preço de construir casa nos Estados Unidos, tendo eleição de meio de mandato ano que vem. O suco de laranja e o café da manhã lá dos americanos. Quer dizer, o Trump não quer aumentar o preço do café da manhã com a eleição de meio de mandato ano que vem. Então o Brasil acabou sendo beneficiado por isso também. E dentro das negociações, eu já tinha adiantado aqui, eu acho que faz sentido conversar com as big techs, o que o Brasil vem fazendo…. A minha interpretação da decisão do STF, aquela foi justamente uma decisão muito dura, que é para forçar o Congresso a legislar, porque o Congresso não ia legislar, porque as big techs convenceram eles a legislar. Então o STF lançou uma proposta bem dura, porque você obriga o Congresso a fazer uma legislação que provavelmente vai ser mais branda, mas vai ter legislação. E eu acho que esse é o caminho para resolver essa questão com as big techs. Chega para os caras e fala isso vai ao Congresso, vamos negociar entre a gente já o que vai para o Congresso. A gente manda e passa, entendeu? Isso não é excepcionalmente complicado. Agora, eu acho que acordo com big tech só pode sair se reverter a Magnitsky do Alexandre Moraes. Assim, eu acho que o Brasil tem que botar as big techs para pressionar o Trump dizendo isso. Porque aí, inclusive é uma saída para o Trump, porque o Trump foi primeiro, foi o Alexandre Moraes falando de Bolsonaro e de censura a empresas americanas.
Fernando de Barros e Silva: Sim.
Celso Rocha de Barros: Então se você entregar para ele as empresas americanas “não, não, já resolvemos nosso problema lá”. Você dá uma certa porta de saída para ele dessa história, entendeu? Dizendo assim “não, não, não perdi. Ganhei la. Consegui que as empresas americanas consigam alguma coisa” e dá para negociar coisas que não são contrárias ao interesse brasileiro. O país que foi mesmo taxado nessa história foi o Bolsonaristão. Então foram essas regiões do Brasil em que o Bolsonaro tem muito voto. O caso mais clássico que eu achei foi o da empresa Taurus, a grande fabricante de armas brasileira, que se ferrou nessa nesse tarifaço e que eu sinceramente não sei o que eles vão fazer. Se
Celso Rocha de Barros: vão ter que deslocar a produção para os Estados Unidos ou alguma coisa dessa, porque.
Fernando de Barros e Silva: Eu quase to soltando rojão, viu?
Celso Rocha de Barros: Pois é. E não, e quem é patrocinador eterno da bancada da bala desses caras todos? E a Taurus se deu muito mal no tarifaço, então a gente não sabe como é que isso vai ser resolvido. Mas isso eu achei simbólico, porque não tem uma empresa que, tirando a HAVAN, enfim, não tem uma empresa que você possa associar mais ao bolsonarismo. E foi talvez a empresa que mais se ferrou individualmente nesse tarifaço. E os militares também sempre apoiaram a Taurus, o que faz um certo sentido de dizer assim bom, tem que ter uma empresa de armas no Brasil, né? Bom, o que foi taxado mesmo, além da Taurus, foi a agricultura brasileira. O agronegócio foi o grande perdedor desse tarifaço até agora. Quem vai pagar esse imposto que o Bolsonaro conseguiu aprovar sobre os brasileiros, mesmo depois de ter saído do mandato, é justamente o setor que mais apoiou Bolsonaro e justamente nos estados que mais apoiaram Bolsonaro. Então, o Café de Minas vai ter que pagar mais tarifa porque o Zema apoiou Bolsonaro. A carne de Goiás vai ter que pagar mais tarifa porque o Caiado apoiou o Bolsonaro, produtores rurais de São Paulo, Paraná, etc. Vão ter que pagar mais tarifa porque o Tarcísio e o Ratinho Jr apoiaram o Bolsonaro. O aço de Volta Redonda, provavelmente vai ter que pagar mais tarifa porque o Claudio Castro apoiou o Bolsonaro. Então veja só que espetáculo são os governos estaduais brasileiros. Agora, eu acho que esses setores ainda têm uma carta na manga. Em vez de ficarem tentando pressionar o STF que não vai dar certo e eles obviamente não tem capacidade grande de influenciar o Trump, eles podem influenciar o Bolsonaro. Eles podem convencer os políticos bolsonaristas a se posicionarem contra as tarifas do Trump, se posicionarem a favor do fim das tarifas e dizer que essa questão do Alexandre de Moraes é uma questão interna que vai ser resolvida aqui dentro, como o Mourão disse, por exemplo, no começo. Ele disse: ” não, eu sou contra o processo com o Bolsonaro, mas o Trump não tem que se meter nisso”. Eu acho que o agronegócio pode começar e o agronegócio tem, evidentemente, poder sobre os políticos bolsonaristas. Vários foram eleitos por eles. E se eles não querem pagar mais tarifa, a saída mais óbvia e mais ao alcance deles é botar pressão nos políticos bolsonaristas para quebrar o Eduardo ao meio e quebrar essa articulação internacional do Bolsonaro. Assim, se eles preferirem continuar votando no Bolsonaro a ganhar dinheiro também, aí deixa de ser problema meu.
Ana Clara Costa: Eu acho que eles vão preferir.
Fernando de Barros e Silva: Quebrem os dois neurônios do Eduardo. Um para o lado, para o outro.
Celso Rocha de Barros: Exato. Rachou.
Fernando de Barros e Silva: Rachou.
Celso Rocha de Barros: Agora, uma coisa que eu acho em todo esse processo, cara, eu acho que essa história podia servir para o Brasil parar e avaliar se todas as medidas protecionistas em vigor no Brasil são mesmo de interesse brasileiro. A indústria provavelmente deve precisar de protecionismo, mesmo porque até a reforma tributária que o Lula aprovou outro dia, ou seja, durante décadas, o sistema tributário brasileiro penalizava a indústria, que é uma coisa que pouca gente sabe, mas basicamente a gente ficou 40 anos aí, desde a ditadura militar até o primeiro ano do governo Lula, com o sistema tributário que prejudicava a indústria. Não por acaso, o Brasil se desindustrializou. Veja só que fenômeno interessante. Então, bom, se o sistema tributário ferrava com a indústria, era mais que justo que tivesse protecionismo, então tudo bem. A indústria vai demorar mais, a reforma tributária vai ter que entrar em vigor plenamente. Tá certo. Deve ser mais difícil de mexer de uma hora para outra. Agora, se você pensar nos incentivos tributários que existem, aquelas isenções fiscais todas que o Congresso aprova e que grande parte é sacanagem, eu duvido que não tem uns protecionismo aí que também não seja. Então, assim, eu achava que era uma hora da gente de repente fazer uma auditoria nisso. Parar para pensar esses protecionismos todos que a gente têm, valem a pena. O Brasil tá ganhando com isso? Entendeu? Assim, agora que o Trump ameaçando o livre comércio e ficando claro o problema que isso pode ser, eu acho que a gente podia pensar lentamente, com cuidado, ouvindo a opinião das pessoas que conhecem o assunto e que conhece cada indústria específica, etc. Não sou eu que vou decidir qual medida protecionista tem que passar ou não. Mas ir pensando num processo de redução mesmo de tarifa para o longo prazo… Não é para fazer hoje, não. É fazer o que o Trump mandou.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Fica aí a dica do Celso. Temos esse momento dica também.
Celso Rocha de Barros: Pois é.
Fernando de Barros e Silva: Então, a gente encerra o segundo bloco do programa. Vamos para um rápido intervalo. Na volta, vamos falar de Gaza. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Celso, vou começar com você. Esse assunto a gente estava querendo já falar na semana passada. Acabamos não falando na semana passada. Vamos falar hoje. Nem sei por onde começar, Celso, para falar a verdade. É uma desolação completa.
Celso Rocha de Barros: Pois é, a primeira coisa que é bom a gente chamar a atenção dos ouvintes é que assim você certamente está há meses e anos, enfim, ouvindo notícias ruins lá do Oriente Médio e da Faixa de Gaza, etc. E aí o seu reflexo provavelmente deve ser bom. Isso aí é a mesma coisa de sempre, não é a mesma coisa de sempre. Piorou muito. Basicamente, Israel limitou o acesso da população de Gaza, a ajuda humanitária e a população depende inteiramente de ajuda humanitária, porque a economia de Gaza foi destruída. Não tem onde as pessoas trabalharem, não tem. Ninguém ganha salário em Gaza, não tem ninguém que possa contratar outra pessoa para fazer alguma coisa, entendeu? Você não pode sair na rua para comprar coisas em Gaza, senão você vai ser bombardeado. Então, Gaza não tem mais economia. A economia foi destruída pelos bombardeios israelenses e o pessoal só depende de ajuda humanitária, já que não pode trabalhar e Israel passou a limitar o acesso a ajuda humanitária. Ou seja, Israel tá usando a arma da fome na Palestina. Estava tentando deixar a população com fome para fazer com que ele se renda. E é especialmente bizarro porque quem teria que se render seriam os militantes do Hamas, que eu duvido que estejam passando fome. E aí, qual seria a ideia? Fazer com que a população de Gaza se desespere e derrube o governo do Hamas? Cara, olha para as fotos dessas pessoas com fome. Você acha que esse cara está em condição de participar de uma revolta contra uma milícia bem armada? Então é uma crueldade por crueldade, por um lado, mas ao mesmo tempo é muito flagrantemente parte de um processo de limpeza étnica. Porque a ideia é justamente transformar Gaza num lugar tão inabitável que essas pessoas aceitem ir embora, que essas pessoas desistam de ter um país e se tornem uma minoria étnica no Egito, na Jordânia, alguma coisa como os setores da direita israelense mais radical sempre quiseram. E assim, isso é muito crime no direito internacional, não é pouco crime não. Quem quiser chorar, o Washington Post publicou o nome de todas as crianças de Gaza que morreram durante a guerra com o nome Idade. Tem no site do Washington Post e você vai ver lá, cara. Criança de seis meses, criança recém nascida, criança de dois anos, enfim, é muita criança. E aí vai todo mundo ficar achando que normal? O mundo é ruim mesmo? Não é possível. E aí é que eu acho que é importante a iniciativa de países como Canadá, França, Reino Unido, que já disseram que vão reconhecer o Estado palestino ou, no caso do Reino Unido, vão reconhecer se Israel não acabar com essa pouca vergonha. Porque o que eles estão dizendo é o seguinte: a gente não vai aceitar a limpeza étnica. Então, se você quiser obrigar os palestinos a desistir de serem palestinos com a arma da fome, a gente vai reconhecer a Palestina. A gente vai tratar a Palestina como Estado. Para deixar claro que não deu certo isso que você tá tentando fazer, entendeu? Porque justamente o que esses países estão reconhecendo é que a estratégia do Netanyahu é essa. É basicamente expulsar as pessoas, tornando a vida delas impossível. E, aliás, biologicamente impossível, proteicamente impossível. O que é, enfim, um daqueles crimes de guerra, daquela prateleira de crimes de guerra especialmente ruins. Enfim, e aqui vale lembrar outra coisa o Trump disse que se o Canadá reconhecer a Palestina, isso dificultará o acordo comercial com os Estados Unidos. Então, voltando ao tema dos outros blocos, uma das funções que o Trump está usando essas tarifas é para garantir que essas crianças de seis meses de idade vão continuar morrendo de fome no colo da mãe na Faixa de Gaza. Isso que o Trump tá fazendo com esse negócio, entendeu? Afinal, ele quer construir um hotel na Faixa de Gaza e o Netanyahu está limpando a área para ele.
Fernando de Barros e Silva: É, a participação dos Estados Unidos nesse processo, desde o governo Biden, com o Trump só assume contornos ainda mais patéticos e mais horripilantes.
Celso Rocha de Barros: Desde sempre, né?
Fernando de Barros e Silva: É, desde sempre, mas que não é desde sempre o Netanyahu, essa escalada…
Celso Rocha de Barros: Nãp é desde sempre que o cara querer fazer um resort americano na Faixa de Gaza.
Fernando de Barros e Silva: É isso aí é…
Celso Rocha de Barros: É, esse limite da indecência, ninguém tinha cruzado até o Trump.
Fernando de Barros e Silva: Ana, quero te ouvir sobre isso.
Ana Clara Costa: Fernando, a gente falou aqui já muitas semanas atrás que haveria essa reunião na ONU, que seria em junho, mas acabou sendo postergada para agora, para a última semana, que foi inclusive em razão dessa reunião que o Mauro Vieira foi para Nova York, né? Foi uma reunião de chanceleres sobre o reconhecimento do Estado palestino. E a França estava já faz um tempo, alguns meses ela estava ali em cima do muro, se ia reconhecer ou não, se ia reconhecer ou não, porque também tem todo esse contexto de covardia desses países europeus em relação aos Estados Unidos, né? Então, a França chegou um momento em que ela estava prestes a anunciar que ia reconhecer e voltou atrás. E o Reino Unido teve um momento que ele estava trabalhando para a França não reconhecer, porque senão ele ia ficar sozinho no Conselho de Segurança da ONU, junto com os Estados Unidos como não reconhecendo o Estado palestino. e ele não queria isso. Ele queria a companhia da França. Então, para vocês verem o nível de covardia desses países hoje. E o Reino Unido, ele ameaçar Israel de que se você não parar com isso, eu vou reconhecer. Eu acho que assim é indigente.
Celso Rocha de Barros: Já é uma vergonha.
Fernando de Barros e Silva: O Reino Unido, ele tem dado assim demonstrações desde a vitória do Trump, de uma indigência diplomática e de Estado mesmo, né? Realmente bizarro. E aí queria colocar que, curiosamente, a França decide anunciar que ela vai reconhecer o Estado palestino quando saem as fotos atrozes das crianças pele osso, enfim, a remete à Somália, para não dizer que remete a outros crimes de guerra contra as crianças.
Fernando de Barros e Silva: Remete aos campos de concentração. Tem gente que vai achar essa comparação…
Ana Clara Costa: Exatamente isso que eu queria dizer.
Fernando de Barros e Silva: Absurda. Mas é isso. Enfim, teve gente que fez essa comparação. Faz sentido. As imagens são inacreditáveis, né? São inomináveis.
Ana Clara Costa: E aí você vê como esses países são hipócritas, porque daí fica insustentável, diante dessas imagens, você sustentar o não reconhecimento, embora, no fim das contas, esses países reconhecerem o Estado da Palestina, não significa que vai haver um reconhecimento pela comunidade internacional, pela ONU, porque só há um reconhecimento pela ONU, se o Conselho de Segurança aprova e os Estados Unidos jamais aprovariam, então é mais uma coisa pró forma, né? É mais um constrangimento para os Estados Unidos e para Israel do que uma coisa de fato eficaz. E tem um outro ponto, que é o seguinte. Por exemplo, essa conferência em Nova York foi uma conferência que debate a solução de dois estados ali. Depois de uma atrocidade como essa, como que um palestino vai aceitar negociar com israelense? Em que termos, na hipótese tão distante de uma solução de dois Estados? Assim, o nível de retrocesso que esses últimos anos proporcionaram nessa questão, é uma coisa que inviabiliza qualquer tipo de solução negociada. Depois de vetarem ajuda humanitária, vetarem comida para te deixar morrer de fome. Assim, qual é a possibilidade de você depois querer sentar numa mesa para negociar com esses caras? E quem vai negociar? Quem tá vivo, entendeu? E as reportagens, enfim, dos poucos jornalistas que estão na Faixa de Gaza e que estão passando fome também. Inclusive os relatos são esses. Os próprios jornalistas estão completa privação. Nessas reportagens, os médicos que estão atendendo as crianças estão morrendo de fome. As enfermeiras estão passando privação de alimento. Todo mundo que está trabalhando no socorro também está sendo privado de alimentação. E depois que essas fotos foram reveladas, Israel disse que ia retomar a ajuda humanitária. A questão é que os relatos são de que nada foi retomado. Continua a mesma coisa.
Fernando de Barros e Silva: Mas o Netanyahu disse que não há fome, nem política de fome em Gaza. O que é para falar de indecência, como disse o Celso. Então, tem gente que vai argumentar e eu entendo essas pessoas, a comparação com o campo de concentração etc. O que é inaceitável é ouvir o primeiro ministro de Israel, governante de Israel, falar isso que não tem forma em Gaza. Diante do que as imagens estão mostrando, todo o mundo está relatando.
Ana Clara Costa: Não. E, exato. Mas houve um comunicado de que eles iriam retomar a ajuda e não foi retomada. Eles não estão conseguindo receber. Então, assim, é uma mentira atrás da outra o tempo todo, entendeu? Enfim, eles disseram também… Isso tudo depois das imagens e você vê que é tudo muito hipócrita, né? Você dar uma resposta pública, porque as imagens são amplamente públicas, mas na verdade você não faz nada do que você está prometendo publicamente. E quem vai te cobrar por isso, né? E só para concluir assim, a situação é tão dramática e as crianças estão tão desnutridas, bebês, sobretudo, que eles não têm força nem para receber os fluidos. A pouca coisa que têm nos hospitais, os fluidos de alimentação, o soro para alimentar. Eles não têm condição nem de receber o soro, tamanha a fragilidade física desses bebês, tamanha a desidratação. Então eles estão num nível em que nem a salvação médica é possível mais, assim é realmente esperar morrer. Então assim, é… Enfim.
Celso Rocha de Barros: É uma daquelas coisas que né, vão perguntar para todo o mundo: o que que você fez quando isso aconteceu?
Ana Clara Costa: É, como, como você deixou, né? Isso aconteceu na sua época? Como é que você deixou? Como é que ninguém fez nada?
Fernando de Barros e Silva: Então a gente vai encerrar o terceiro bloco do programa. Vamos para um rápido intervalo, reciclar, tentar mudar a chavinha. Kinder ovo na volta. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Estamos de volta. Mari, aí direto da Flip, neste frio de Paraty, vamos ver o que você nos reservou.
Sonora: “Aqui no Brasil. Se eu tiver que consertar uma escada de dez degraus, eu começo o primeiro degrau, coloco ali o ladrilho, arrumo, subo na primeiro passo, o segundo, até chegar o décimo. Americano não. Americano vem, tira o telhado da escada e já traz pronto os dez degraus.”
Ana Clara Costa: Parece o Sóstenes Cavalcante.
Sonora: “De cima pra baixo, coloca um guincho e resolve um problema.”
Celso Rocha de Barros: Putz.
Fernando de Barros e Silva: Celso, perdeu essa. Essa na minha tava na sua…
Celso Rocha de Barros: É, no meu nicho.
Ana Clara Costa: Eu reconheci a voz dele. Me senti agora uma vitoriosa, porque foi realmente pela voz, não foi por outras sinapses.
Fernando de Barros e Silva: Assim, para os anais, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, entrevista Jovem Pan News.
Fernando de Barros e Silva: Bom, depois deste momento glorioso de Ana Clara, que está indo também para a Flip, com o troféu nas mãos, Ana vai levar o troféu do Kinder Ovo. Vamos para o melhor momento do programa. Vamos para o Correio Elegante, o momento de vocês, das cartinhas. Eu vou começar.
Fernando de Barros e Silva: Então eu começo com o recado do Walter Cancella: “Sou ouvinte assíduo do programa e tenho tentado convencer minha noiva Lorena a escutar também. Desde que o Jair passou a usar tornozeleira. Ela vive me perguntando “o pessoal daquele teu programa não sabe quando ele vai ser preso?” Eu disse que não, mas que com certeza no dia que isso acontecer, eles vão abrir uma cerveja igual a gente.” Isso, disse o Walter Cancella para Lorena. Lorena, ouve o tal programa que vale a pena. Você pode ouvir e a gente abre uma cerveja junto.
Celso Rocha de Barros: Pô, isso aí Lorena.
Ana Clara Costa: O Sérgio Bogão postou: “Pessoal, sou biólogo e quase toda semana me enfio no meio da Mata Atlântica, onde me alienoudo serpentário que é Brasília. Com todo respeito às serpentes reais, as quais amo tanto. Mas todo fim de semana ouço Foro para me inteirar das crocodilagem da nossa política. Ana Clara clareia as ideias. E casca de bala com suas tiradas sarcásticas sobre o submundo da política, mergulhando no esgoto para não termos que fazer isso. E Fernando com sua serenidade frente ao caos em Brasília. Um grande beijo.” Pô, Sérgio, valeu!
Celso Rocha de Barros: Valeu, Sérgio! Olha, manda um abraço para as cobras.
Ana Clara Costa: Sim, ele respeita as serpentes.
Fernando de Barros e Silva: Eu adoro que as pessoas, as pessoas identificam em mim uma serenidade que eu mesmo quando olho para o espelho, não consigo ver. Mas tudo bem.
Celso Rocha de Barros: É que o Brasil tá tão maluco, né cara?
Fernando de Barros e Silva: Mas eu gosto disso.
Ana Clara Costa: Tá tão maluco que a gente entrou para o time dos serenos.
Celso Rocha de Barros: Quando eu comecei a ser chamado de moderado, falei “caraca, o Brasil tá ferrado”.
Fernando de Barros e Silva: Tá ferrado.
Celso Rocha de Barros: A Michelle Medeiros também quis fazer o trocadilho da Ana Clara Clareou que nós já tocamos aqui. Quem é ouvinte fiel, lembra. Diz a Michelle: “Eu sou apaixonada pelo Foro. Ana Clara clareou sempre com as apurações quentes. Celso Casca de bala, o cabeção do Foro, com análises embasadas. Fernando, meu Othon Bastos, um querido com seus comentários apimentados. Gente, eu anoto no bloco de notas do celular a genialidade de vocês. Um beijo.” Valeu, Michele! Excelente!
Ana Clara Costa: Maravilhosa! Othon Bastos hein…
Celso Rocha de Barros: Esse é o fodão.
Fernando de Barros e Silva: É, Nossa Senhora agora…
Celso Rocha de Barros: Tirou onda.
Fernando de Barros e Silva: Ego inflado.
Celso Rocha de Barros: É isso aí.
Fernando de Barros e Silva: É isso. Vou terminar assim, de ego inflado. Não ganho Kinder ovo, mas ganho o carinho dos ouvintes.
Celso Rocha de Barros: Boa!
Fernando de Barros e Silva: Assim a gente vai encerrando então, o programa de hoje. Se você gostou, não deixa de seguir e dar five stars para a gente no Spotify. Segue no Apple Podcast, na Amazon Music. Favorita na Deezer. Se inscreva no YouTube. Você também encontra a transcrição do episódio no site da Piauí. O Foro de Teresina é uma produção da Rádio Novelo para a revista Piauí. A coordenação geral é da Paula Scarpin. A direção é da Mari Faria, com produção e distribuição da Maria Júlia Vieira. A checagem é da Marcella Ramos. A edição é da Carolina Moraes, da Mari Leão e da Paula Scarpin. A identidade visual é da Amanda Lopes. A finalização e mixagem são do João Jabace do Luís Rodrigues, da Pipoca Sound. Jabace e Rodrigues que também são os intérpretes da nossa melodia tema. A coordenação digital é da Bia Ribeiro, da Emily Almeida e do Fábio Brisola. O programa de hoje foi gravado na minha Choupana, em São Paulo, e no Estúdio Rastro, do Danny Dee, no Rio de Janeiro. Eu me despeço dos meus amigos. Tchau, Ana Clara.
Ana Clara Costa: Tchau, Fernando. Tchau pessoal.
Fernando de Barros e Silva: Boa viagem. Boa Flip. Comporte se um pouco, pelo menos.
Ana Clara Costa: Pode deixar.
Fernando de Barros e Silva: Celso, não vai para a Flip essa semana.
Celso Rocha de Barros: Não vou. Pois é, nem eu, nem você, né? Ninguém chama a gente para nada.
Fernando de Barros e Silva: Ninguém chama a gente para nada.
Celso Rocha de Barros: E qualquer maneira, valeu aí, Fernando. Até semana que vem.
Fernando de Barros e Silva: Eu vou ficar quietinho aqui na minha Choupana, lendo um pouco.
Celso Rocha de Barros: Isso aí.
Fernando de Barros e Silva: Subindo escada, fazendo essas coisas…
Ana Clara Costa: Cultivando a sua serenidade.
Fernando de Barros e Silva: Cultivando a minha serenidade.
Ana Clara Costa: Muito bem.
Fernando de Barros e Silva: Sêneca.
Fernando de Barros e Silva: É isso, gente! Uma ótima semana a todos e até semana que vem!
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