As instituições funcionando e o centrão contra as instituições
Semanalmente, os apresentadores mencionam as principais leituras que fundamentaram suas análises. Confira:
Conteúdos citados neste episódio:
Os “normais” e sua hora, coluna de Fernando de Barros e Silva para a piauí_228.
Pai (e eu) acima de tudo, reportagem de João Batista Jr para a piauí_228.
Alta tensão, reportagem de Consuelo Dieguez para a piauí.
O salvamento, reportagem de Consuelo Dieguez para a piauí.
A mão invisível do PCC, reportagem de Allan de Abreu para a piauí.
Melhor que o CDB do Banco Master, reportagem de Arthur Guimarães e Allan de Abreu para a piauí.
TRANSCRIÇÃO:
Sonora: Rádio Piauí.
Fernando de Barros e Silva: Olá, sejam muito bem-vindos ao Foro de Teresina, o podcast de política da revista Piauí.
Sonora: A denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis. Os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada.
Fernando de Barros e Silva: Eu, Fernando de Barros e Silva, da minha casa em São Paulo, tenho a alegria de conversar com os meus amigos Celso Rocha de Barros e Ana Clara Costa, no Estúdio Rastro, no Rio de Janeiro. Olá Ana, bem-vinda!
Celso Rocha de Barros: Oi, Fernando! Oi, pessoal!
Sonora: Informamos a todos os detentores de mandato que devem renunciar a qualquer função que ocupe no governo federal.
Fernando de Barros e Silva: Diga lá, Celso Casca de bala.
Celso Rocha de Barros: Fala aí, Fernando! Estamos aí mais uma sexta feira.
Sonora: Há muito tempo nós estamos acompanhando um fenômeno que é a migração da criminalidade organizada, da ilegalidade para a legalidade.
Fernando de Barros e Silva: Mais uma sexta feira e neste final de semana, dias 6 e 7 de setembro, a gente vai estar no Festival Piauí de Jornalismo, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Sim, a dupla e a Mari vem pra São Paulo. Espiem lá a programação no site da Piauí tem várias conversas muito bacanas com nomes de jornalismo internacional, participação de jornalistas da própria Piauí e de outros veículos da imprensa brasileira. E no domingo, 7 de setembro, justamente no 7 de setembro, teremos edição do Foro ao Vivo. Ana, Celso, Mari e eu e toda a equipe da Piauí esperamos vocês por lá. Agora sim, sem mais delongas aos assuntos da semana.
Fernando de Barros e Silva: As instituições estão funcionando e o centrão está funcionando contra as instituições. Essa, acredito eu, é a síntese da semana em Brasília, semana marcada pelos primeiros dias do julgamento dos mentores e personagens mais graduados da trama golpista. Semana marcada também pelas movimentações de Tarcísio de Freitas na Câmara dos Deputados para colocar em pauta a votação do projeto de anistia aos golpistas. O governador abandonou o serviço em São Paulo e se mandou para Brasília, onde assumiu a articulação para viabilizar a proposta que, na prática, representa a impunidade de Bolsonaro e de seus asseclas. Enquanto o Supremo dava início à fase final do julgamento de Bolsonaro, Tarcísio, no prédio ao lado, conspirava com parlamentares do campo conservador e reacionário pela anistia. O gesto de Tarcísio, acrescido da frase que ele disse no começo da semana “não posso dizer, neste momento, que acredito na Justiça”, explicitam que ele não só está atrás do apoio de Bolsonaro à sua pretensão presidencial, como se comporta mimeticamente como um bolsonarista, afrontando as instituições e a democracia. A gente vai falar no segundo bloco sobre essas movimentações envolvendo os partidos do centrão, o republicanos de Tarcísio e de Hugo Motta, o PP e União Brasil, que agora operam como federação partidária , o PL de Bolsonaro, Sóstenes Cavalcanti e Valdemar Costa Neto e até o PSD de Kassab e o MDB. Essa ofensiva pela impunidade em curso na Câmara enfrenta resistências no Senado, onde Davi Alcolumbre já disse que não apoia a anistia a Bolsonaro. No primeiro bloco, a gente vai repassar a primeira semana do julgamento no STF. O procurador geral Paulo Gonet, disse que não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que quando o Presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar o documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso. Disse também que os eventos da trama golpista não podem ser tratados como devaneios utópicos anódinos, como aventuras a serem reduzidas com o passar dos dias a um plano bonachão. Os advogados de defesa dos oito réus tentaram, em geral, afastar seus clientes do golpe, no melhor estilo “não fui eu”, tão característico do jeitinho brasileiro. Em comum entre as defesas, os esforços para desqualificar a delação de Mauro Cid, que também é réu e reclamações sobre a falta de tempo para analisar as provas. A conclusão do julgamento está prevista para a próxima sexta-feira. Por fim, no terceiro bloco, a gente vai tratar da mega operação policial contra o crime organizado, ocorrida na semana passada. A força-tarefa formada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público de São Paulo e pela Receita Federal, mobilizou 1400 agentes em oito estados, que agiram comandados em 350 alvos para combater a indústria de lavagem de dinheiro do PCC. Desses alvos, nada menos que 42 tinham escritórios na Avenida Faria Lima, em São Paulo, o coração financeiro do país. A conexão entre o crime organizado e o mercado financeiro nunca havia sido escancarada dessa maneira. Ao longo de cinco anos, a estrutura criminosa movimentou em torno de 140 bilhões de reais, segundo as estimativas da PF. Postos de combustível, em torno de 1200, 42 fundos de investimento e usinas de etanol foram usadas para dar aparência legal ao dinheiro arrecadado com o tráfico de drogas e outras atividades criminosas. Segundo a PF, um dos líderes da lavagem de dinheiro era um empresário do setor de combustíveis, Roberto Augusto Leme da Silva, meu xará, conhecido como “Beto Louco”. Curiosamente, Beto Loco, está sendo defendido por Celso Villardi, que é também, coincidência, advogado de Jair Bolsonaro na trama golpista. É o Brasil mostrando a sua cara. É isso. Vem com a gente.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, Celso. Podemos abrir com você. Acho que você pode fazer aí o seu resumo. O que te chamou mais atenção nessa semana?
Celso Rocha de Barros: Vamos começar pelo Gonet. Bom, primeiro, como ficou claro para quem assistiu ao vivo o Gonet, jamais vai poder ser acusado de excesso de carisma, né? Ele não é um cara assim, que vai ser aquele orador assim que vai inflamar as massas. Não tem o menor risco de ter um movimento populista liderado pelo Gonet.
Fernando de Barros e Silva: O Gonezismo, né?
Celso Rocha de Barros: Exato. Não vai acontecer. No atual contexto, eu não sei nem se não é mesmo uma qualidade, mas enfim. Agora, se você lê o que ele apresentou no tribunal, a acusação dele, eu achei bastante boa. Porque nessas horas assim, o que um bom promotor, por exemplo, faria é você acusar o cara daquilo que você realmente tem muito sólido e não dar margem para interpretação. Então, se você quiser, ele o que fez aqui essa semana, você pode falar, “mas faltou não sei o quê que tá lá na investigação da Polícia Federal”. Faltou. Faltou um monte de coisa. Mas ele, naturalmente, é um cara experiente nesse negócio. E ele sabe, “eu vou botar as cartas aqui que o outro cara não tem como se defender. Eu vou na boa, eu vou naquele negócio que eu tenho certeza que o cara não derruba isso aqui no tribunal”. E desse ponto de vista, eu achei muito bem feito. Uma outra coisa que eu achei muito bem feito foi a interpretação que ele fez de que, por exemplo, tem vários advogados falaram “não, não teve grave ameaça de violência”, entendeu? Os caras foram lá, ele falou para os generais, os generais não toparam. Ninguém fez violência nenhuma e isso é bizarro. E o Gonet abordou de uma maneira que eu achei muito inteligente. Ele tá dizendo o seguinte: “se você é presidente da República e você mobiliza o poder do Estado para tentar dar um golpe de Estado, como aconteceu quando você chamou o chefe do Exército, o chefe da Aeronáutica, o chefe da Marinha, para aderir ao golpe de Estado. Você está claramente procurando usar a violência de maneira ilegítima contra seus adversários”. O que o Bolsonaro fez quando se reuniu com os chefes das Forças Armadas foi dizer: “eu tenho essa proposta aqui para vocês, que consiste em vocês roubarem essa eleição para mim e matar quem se opuser a mim”.
Ana Clara Costa: E Forças Armadas. Armadas.
Celso Rocha de Barros: Exatamente. É o Itamaraty, né? “Eu vou chamar o Itamaraty. Vocês vão lá e fazem um monte de discurso a meu favor”.
Ana Clara Costa: Mas essa é uma das principais, um dos principais pontos da defesa do Bolsonaro. Essa tese de dizer que não tem violência.
Celso Rocha de Barros: Mas isso é absurdo. E não só por isso. Mas, por exemplo, o Gonet argumenta com razão o caso da Polícia Rodoviária Federal de tentar impedir que os eleitores do Lula fossem votar. Isso é claramente a utilização de oficiais armados para tentar melar uma eleição para tentar impedir que os eleitores do seu adversário consigam expressar sua vontade através das urnas.
Ana Clara Costa: E justamente os eleitores mais vulneráveis, que é ainda mais violento.
Celso Rocha de Barros: E ainda mais abjeto. Por isso que eu digo, cara, eu nunca vou deixar de me impressionar com aquela imagem dos caras indo a pé votar na eleição 2022, que eu falei: “cara, são os soldados do Ulysses Guimarães, soldados da democracia brasileira”. Esses caras são os responsáveis por a gente estar aqui fazendo um programa sem censura e ninguém tá na cadeia.
Fernando de Barros e Silva: Só faltou o Villardi dizer que o Bolsonaro chamou os comandantes militares para fazer degustação de leite condensado.
Celso Rocha de Barros: Exato. Uma coisa assim, né?
Fernando de Barros e Silva: “A gente não tava pensando em golpe, a gente tava fazendo…”
Celso Rocha de Barros: Exatamente. E aí que que o Gonet tá dizendo? Ele tá, primeiro, esse negócio de não ter violência é bizarro porque o Bolsonaro justamente mobilizou o aparato do Estado, o aparato do Estado responsável pela aplicação de violência para contribuir no golpe dele. E além disso, ele também fez todas as campanhas de notícias falsas, fez todas as campanhas contra a integridade das eleições. Ele ameaçou o STF de fechamento várias vezes. E aí o Gonet registra todas as vezes que ele fez isso nos anos anteriores. E tem uma coisa que eu achei muito bem bolada é que quando ele lembra do 7 de setembro de 2021.
Ana Clara Costa: Ah, essa é boa! Essa frase é muito boa.
Celso Rocha de Barros: Ele lembra que essa ameaça foi feita ao Luiz Fux, que era o Luiz Fux, que estava presidindo o STF. E ele diz: “Referindo se ao presidente do STF, ministro Luiz Fux. O réu elevou o tom das ameaças e repetiu o ultimato – ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos, sabemos o valor de cada poder da República”. Então, eu achei que ele foi especialmente inteligente, visto que o Fux anda meio vacilante em dizer Fux: “A ameaça do 7 de Setembro foi contra você”.
Fernando de Barros e Silva: É, nessa hora a peruca balançou.
Celso Rocha de Barros: Pois é. Pô, mas o cara falou que ele era atraente, rapaz. O advogado de um outro cara lá falou: “Luiz Fux, sempre atraente, não sei o quê”. Enfim, foi o advogado Mauro Cid que tem todo o direito de achar o Fux atraente. Mas eu não sei se ali era o melhor ambiente para ele expressar essa opinião. Enfim, cada qual com seu cada qual. E finalmente, o Gonet responde ao negócio da violência, lembrando dos fortes indícios de que havia kids pretos no Rio de Janeiro tem várias declarações e a reportagem está na Piauí.
Ana Clara Costa: É, a Piauí deu o furo.
Celso Rocha de Barros: Exatamente.
Ana Clara Costa: O Allan de Abreu, repórter, deu a primeira matéria falando sobre isso.
Celso Rocha de Barros: E os kids pretos estão no processo inteiro. Então, são várias coisas que o goleiro pegou que amarram a história como um processo longo, entendeu? Em que você tem que entender cada passo dentro desse contexto maior. E aí, o que fez a defesa do Bolsonaro? Em primeiro lugar assim cara, você ser advogado do Bolsonaro nesse caso é aquela coisa, né cara, você vai lá, tem que ganhar seu honorário para pagar os seus boletos, mas o que você vai fazer? O cara é culpado e pronto, né cara? As evidências são avassaladoras, entendeu? Pior que o Bolsonaro nessa história só o Braga Netto. O advogado Braga Netto foi lá, falou um monte de besteira, mas o que que ele ia fazer também? O Braga Netto tem as mensagens de WhatsApp lá todas, então são dois caras que assim só com golpe de estado, com Trump, com Centrão fazendo alguma coisa que ele escapa da cadeia, porque as provas são realmente avassaladoras. Então o que que fez a defesa do Bolsonaro? O meu xará Celso Villardi. Primeiro, ele tenta argumentar que não existiu esse processo como um todo. Cada coisa dessas que aconteceu foi um fato isolado. Haja fato isolado, hein xará? Pelo amor de Deus. Então ele vai dizendo que “não, o Bolsonaro tem duas coisas contra ele – a delação do Mauro Cid e a reunião com os comandantes das Forças Armadas. O resto ele não tem nada a ver com isso. É o que diz a defesa do Bolsonaro. Isso é obviamente mentira, né? Porque tem um fato que unifica a reunião com o chefe das Forças Armadas, o 7 de Setembro 2021, o Punhal Verde e Amarelo, a Operação Copa, o atentado ao aeroporto de Brasília, o 8 de Janeiro, que é tudo isso, foi feito por seguidores de Jair Bolsonaro, por inferiores hierárquicos de Jair Bolsonaro, baseados numa versão sobre a eleição que foi difundida pelo Jair Bolsonaro, que não reconheceu a vitória do Lula na eleição. Então, qual o fio que une todos esses eventos? Jair Bolsonaro. Então, a primeira coisa que o Villardi tenta fazer é dizer que não, que isso não existiu. Que cada um desses fez porque tava doidão, sei lá, tem um cara que dá golpe por esporte ou outro, sei lá. O Mercúrio tava retrógrado, alguma coisa dessa. E aí, inclusive, acaba virando aquela velha tese do golpe surpresa, né? Bom, então aqueles cara tava todos querendo dar um golpe para o Bolsonaro sem ele saber. Só por cortesia de arriscar a vida e arriscar ser preso, etc. Para dar golpe por um cara que não era a favor do golpe, não tava articulando o golpe, isso não faz o menor sentido. É como eu falei na coluna: para isso, você tem que acreditar que um dia o Bolsonaro ia chegar em casa, iam acender a luz e falar “surpresa”, ia sair o Ives Gandra vestido de Marilyn Monroe de dentro de um bolo cantando Happy Golpe, Mister President, entendeu? Então, assim, o Villardi está exigindo bastante da nossa credulidade, assim com o argumento dele. E aí, o que que ele vai fazer primeiro? Ele tá mentindo, basicamente, que a acusação contra o Bolsonaro depende muito da delação do Mauro Cid. Não depende nada da delação do Mauro Cid. A acusação contra o Braga Netto depende da delação do Mauro Cid qté certo ponto. O Braga Netto já estava completamente ferrado quando apareceu a delação do Mauro Cid, porque a polícia já tinha pego o celular dele onde tinha ele lá, inclusive.
Fernando de Barros e Silva: As mensagens do Braga Netto.
Sonora: Exato. Totalmente. Acabou. Braga Netto vai ter que inventar um negócio aí de que foi o hacker de, sei lá, invadiram o meu celular. Foi a inteligência artificial, enfim, alguma coisa assim. Porque para ele não ter o que fazer. Mas o Mauro Cid, de fato , piorou a vida dele quando contou aquela história que ele teria dado dinheiro para os kids pretos para fazer a operação Punhal Verde e Amarelo. Isso é muito grave para um cara que já tá ferrado, mas é muito grave. Então eu até entendo o advogado do Braga Neto passar o tempo todo falando da delação do Mauro Cid. Entendo isso. Agora o Villardi aqui tá de sacanagem com a nossa cara, porque o Bolsonaro, a acusação contra ele não depende nada da delação do Mauro CID e o Gonet deixa isso claríssimo na acusação. E aí o Villardi tem que, enfim, é o emprego dele, né? Coitado, todo mundo tem um dia difícil no serviço. Ele tem que arrumar uma explicação para aquela reunião com os chefes das Forças Armadas. E aí, o que ele vai dizer? Assim que não foi apropriado discutir aquilo. Quer dizer, foi apropriado discutir isso? Foi adequado? Foi fazer isso? Não. Mas ninguém fez nada. O que é mentira, porque o Bolsonaro fez a tentativa de golpe ali. Ele chegou e virou para o chefe das Forças Armadas e disse “tenho esse plano aqui de vocês melarem essa eleição, me botarem no poder e matarem meus adversários. Vocês topam?”. Se eles tivessem topado toda a questão de quem vai entrar no golpe, quem não vai, teria mudado de natureza, porque até os caras do exército entrarem no golpe a questão é: quem vai apoiar o golpe? E aí, por exemplo, o centrão não vai apoiar o golpe, centrão não vai se meter nisso, centrão tá lá ganhando dinheiro dele. Deixa quieto. Os políticos que ganharam a eleição, todo esse pessoal vai querer apoiar um golpe, vai querer começar um golpe e arriscar ser preso? Mas se o Exército entra no golpe, se tem tanque de guerra na Praça dos Três Poderes com o comandante do exército dentro, aí a questão passa a ser: quem vai resistir ao golpe? E aí, vocês acreditam sinceramente que o centrão vai resistir ao golpe? Vocês imaginam o Kassab no Congresso Nacional, com aquela metralhadora do Brizola lá nos anos 60, entendeu a corrente pela liberdade, fazendo não sei o que lá? Hugo Motta vai rasgar o terno e falar assim “sou um mártir da democracia”?
Fernando de Barros e Silva: Granadas na mão.
Celso Rocha de Barros: Ah! Pelo amor de Deus, quem é que vai ser o mártir da democracia? O Fufuca? Não, meu amigo. Então, assim, ali, o Bolsonaro propôs um golpe para os caras, claramente dizendo: “vamos lá, vamos começar agora botar o tanque de guerra na rua”. E aí a defesa do Bolsonaro com aquele papo furado “não, não, mas eles estão discutindo coisas que existem na Constituição, como estado de sítio, o estado de defesa, aquelas coisas”. Sim, existe e não é para nada disso, porque isso tudo serve para, por exemplo, se tiver uma guerrilha numa parte do território brasileiro. Aí você isola aquele território, fala “aqui o Exército manda”. Se tiver uma célula da Al-Qaeda em território brasileiro, você vai lá, isola aquilo, fala “aqui o Exército manda”. Eles iam fazer isso na sede do Tribunal Superior Eleitoral. Cara, é muita sem vergonhice. E, por exemplo, agora na Coreia do Sul, teve um golpe que foi internacionalmente reconhecido como golpe e o cara foi preso que era isso. Era uma tentativa picareta de decretar estado de sítio. E aliás, para quem não quiser, o pessoal acha citar nazismo é apelação, mas o Hitler virou ditador assim. Ele decretou um negócio de emergência lá e que foi o que ficou valendo até acabar a guerra. Então, assim, o fato de existirem esses instrumentos na Constituição não quer dizer que você discutir esses instrumentos seja sempre legítimo. Inclusive tem aquele outro advogado do Bolsonaro, o Paulo Bueno, que, ao contrário do Villardi, é muito ruim. Ele chegou a falar, por exemplo, que quando você mesmo se fosse fazer mesmo estado de sítio, essas coisas, consultar o Conselho da República, Conselho de Defesa, aquelas coisas. Filho, isso é um argumento da acusação, cara. O fato do Bolsonaro, ao invés de fazer isso, estar lá falando com o chefe das Forças Armadas, mostra que não era nada disso que ele queria fazer. Ele não queria fazer nada que estava na Constituição. Eu entendo totalmente que é impossível bolar uma defesa convincente para o Bolsonaro nesse caso. Imagino que os caras fizeram o seu melhor, mas evidentemente é tudo mentira.
Fernando de Barros e Silva: Muito bom. Inspirado o Casca de bala. Vamos lá. Ana, Você estava lá. Você estava em Brasília.
Ana Clara Costa: Eu estava lá, mas eu prefiro acompanhar pelo Celso do que ter passado o que eu passei. Semana que vem eu vou acompanhar pelo Celso.
Fernando de Barros e Silva: Conta aí o que você passou, vai.
Ana Clara Costa: Bom, começando na parte do Alexandre. No relatório dele você vê uma clara intenção de se defender antecipadamente das críticas que viriam, das defesas que foram críticas já localizadas em outros momentos de, enfim, ele disse que todos tiveram direito a ampla defesa ao contraditório. Ele fala que a impunidade deixa cicatrizes traumáticas, né? E de fato, a defesa, é um dos pontos de praticamente todas as defesas, foi o de que eles não conseguiram, eles tiveram muito pouco tempo para acessar os arquivos da acusação, que eram muito grandes, que comprimidos eram de 70 terabytes e tal e que isso prejudicou muito, porque foi muito rápido o processo e eles não conseguiram acessar tudo. E reclamaram que havia coisas que estavam na acusação e que eles não achavam ali no processo. Então assim, o Alexandre fez esse preâmbulo para fazer de certa forma uma vacina ali ao que viria por parte da defesa. No caso do Gonet, eu queria lembrar uma frase que ele disse que eu tinha me esquecido completamente, que também é de 2021 que ele fala assim “eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza que a primeira alternativa não existe”. Então, assim, em 2021, ou seja, auge da pandemia, estava acontecendo tudo aquilo. Você vê que já está tudo ali, né? Ele só cumpriu a profecia depois, né? Forçar a vitória, tentar evitar a prisão. Toda essa estratégia do Trump, por exemplo, né? É isso. E é muito curioso porque aparentemente, se você olhar todas as teses das defesas ouvidas naquele momento, houve uma tentativa de golpe, mas nenhum dos clientes dos advogados foi culpado. Assim foi feito um holograma ou uma inteligência artificial ali, né?
Celso Rocha de Barros: Cármen Lúcia foi muito boa nessa hora.
Ana Clara Costa: Muito! Até tem gente que acha que o advogado do Paulo Sérgio falou aquilo para justamente tentar livrar a cara do Paulo Sérgio. O advogado do Alexandre Ramagem, que era o chefe da Abin. Não só ele, mas acho que todas as defesas, de uma certa forma, jogaram um pouco na conta do Bolsonaro. Então, o Alexandre Ramagem, segundo o advogado dele, ele era o compilador oficial da República. Então, o papel dele era compilar o que o Bolsonaro já dizia. Ou seja, ele não estava articulando nada por escrito, ele apenas estava compilando o que o Bolsonaro já dizia publicamente para deixar aquilo guardado. E o advogado ele usou essa expressão: compilador oficial da República. O advogado do general Heleno disse que o Heleno não tinha influência nenhuma, que inclusive ele tinha perdido influência por causa do centrão. E aí ele usa reportagens na imprensa para dizer que o Centrão tinha ganhado poder ali no núcleo presidencial e o Heleno tinha perdido o poder. E agora eles dão crédito à imprensa, coisa que não acontecia naquela época.
Fernando de Barros e Silva: Naquela reunião que foi divulgada, reunião do Moro, né? Ele dizendo que ia ter que virar a mesa e que as palavras não iam bastar a partir de determinado momento, lembram?
Ana Clara Costa: Exato. Agora eu queria me deter num ponto que eu acho complicado, que é a delação do Mauro Cid. Assim, eu acho que é uma ponta solta desse caso e que, a depender dos rumos políticos do país, daqui a alguns anos, não sei quantos, eu acho que é uma questão ali que pode servir como subsídio para…
Celso Rocha de Barros: Ou pelo menos como desculpa.
Ana Clara Costa: Uma tentativa de reversão. É, porque eu acho que eu já falei aqui, em algumas ocasiões, de uma conversa que eu tive com uma fonte da PF em que eu questionava muito essa figura gelatinosa que era o Cid, porque ele só abria a boca sob demanda. O computador dele tinha arquivos da magnitude do vídeo da reunião ministerial que o Bolsonaro discute melar a eleição. E o Cid jamais entregou esse vídeo. Esse vídeo a polícia conseguiu resgatar do computador dele. Ele jamais falou sobre a operação do punhal verde amarelo. Eles descobriram isso achando o arquivo e aí chamaram o Cid para falar sobre isso. Então, assim, ele sempre era acionado quando a polícia já tinha descoberto as coisas. Apesar de ser um delator, um suposto colaborador, nada foi feito assim por espontânea vontade dele.
Fernando de Barros e Silva: Ele foi delatando a conta-gotas, sempre com contrariedade.
Ana Clara Costa: Sempre demonstrando o interesse de ser leal ao Bolsonaro. Isso era muito claro no que ele, na forma como ele falava, né? Então isso eu questionei muito a PF em vários momentos dessa investigação sobre essa questão do Cid. Como é que você confia num colaborador assim, né? E eles me explicavam que isso é comum de colaborador, que é uma relação até meio tóxica, entendeu? A partir do momento que você acaba com o acordo de colaboração, você também está se privando de obter uma informação que pode ser importante para você. Só que tem aquela reportagem da revista Veja mostrando que o Cid além de ser um colaborador complicado e ele não podia, na verdade, ter relação com as pessoas que ele estava delatando. Então ele tentou, segundo essa reportagem, falar com o Bolsonaro, com a defesa do Bolsonaro por meio de uma conta no Instagram, né, que foi o que a Veja publicou. E aí a meta foi acionada pela Justiça para entregar os dados dessa comunicação do Cid com a defesa do Bolsonaro. E aí a gente chega no julgamento. O que acontece? A defesa do Cid diz que “tudo mentira, que não encontrou nada, que na verdade essa conta foi criada por um hacker, que um hacker que hackeou o e-mail do Cid e a partir desse e-mail do Cid ele criou uma conta no Instagram e tal”. Então, quem sabe se foi um hacker mesmo, né? A gente não sabe. Enfim, a palavra da defesa dele. E a Meta, por sua vez, enviou dados para a justiça dizendo que a geolocalização dessa mensagem enviada era a geolocalização do condomínio do Cid, dando a entender que ele teria enviado essa mensagem. Inclusive isso a defesa do Bolsonaro diz lá durante o julgamento. Então, assim, a delação do Cid, você disse Bem, Celso, tem muita coisa que tá dentro da investigação, que não tem a ver com a delação do Cid, que eles descobriram que independe. Questão do Braga Neto, do Bolsonaro, etc. Você tem uma quantidade de provas imensa que independem da delação do Cid. Eu fico pensando até que ponto essa delação do Cid não é, na verdade, mais tóxica para o processo do que o contrário, entendeu? Porque para você manter uma delação como essa dentro do processo e depois isso te dá um problema lá na frente, porque vão descobrir que ele não foi tão, digamos, colaborador assim. Não sei, entendeu? E claramente os advogados do Cid não tinham argumentos para sustentar a integridade do seu cliente. Agora, o que eu acho curioso é que as defesas acham que na verdade tinha que ter um documento escrito registrado em cartório do Bolsonaro dizendo que quer dar um golpe. Essa seria a única prova que a defesa aceita como válida. Aparentemente, se não tem algo escrito assinado por ele, isso não é prova. Então, tudo que ele falou eles consideram como narrativa, como liberdade de expressão. Então foi meio que essa a tônica, sobretudo da defesa dele, né? E eu acho curioso que o próprio Celso Villardi, advogado do Jair Bolsonaro, assinou duas cartas anos atrás, dois manifestos, na verdade contra o Bolsonaro, um na época da pandemia e o outro em 2022, quando os advogados fizeram aquele evento na USP, que era um evento de defesa do Estado Democrático de Direito, no dia 11 de agosto, que é o nome do Centro Acadêmico do Direito da USP, né? E foi um evento assim, eu estava lá inclusive, estava todo Direito Penal brasileiro naquele evento e o Villardi estava lá e ele assinou essa carta. E aí, como que ele assina a carta?
Fernando de Barros e Silva: Ele falou também, falou isso contra o Bolsonaro e dizendo que era clara tentativa de golpe tudo isso. O Villardi antes e depois, a epifania dele na estrada de Damasco, quando ele é convertido, é a estrada do cacau, no caso dele, a estrada do cacau.
Ana Clara Costa: É que eu acho que assim… E no caso do Juca também, que é o advogado Braga Netto, ele também assinou esses mesmos documentos, né? Eu acho que fica muito difícil você sustentar sua defesa de que a narrativa do Bolsonaro era apenas narrativa, era apenas falatório, que não existem provas se você assinou um documento anos atrás concordando que essa narrativa era golpista. Juridicamente, você fala “pô, o cara entende, né? Das filigranas do direito, ali ele manja para caramba”. Mas cara, esse passado é complicado, né?
Fernando de Barros e Silva: É feio. Bom, fica claro por esse bloco, muito bom aliás, vocês falaram coisas muito boas. Nem a questão jurídica vai ser resolvida, conforme você falou, com o resultado do julgamento, muito menos a questão política. A gente vai ter o julgamento, vai ter, muito provavelmente, a condenação desses golpistas. Mas ainda ficaram pontas soltas e politicamente, isso está longe de ser resolvido. A gente encerra o primeiro bloco do programa por aqui e vamos falar de Tarcísio de Freitas, do Centrão e da Anistia no segundo bloco. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Estamos de volta. Ana Clara, vamos começar com você. Você foi para Brasília para acompanhar o julgamento, mas não esperava que Tarcísio também fosse para Brasília para conspirar na casa ao lado pela anistia do seu padrinho ou quem quer que seja o padrinho para a Presidência da República. Vamos começar por aí, né? Essa mobilização toda do centrão, tendo o Tarcísio como maestro desse consórcio centrão-bolsonarismo.
Ana Clara Costa: Exato. Mas eu acho que a gente precisa olhar para isso com cautela, Fernando. Assim, o que tá acontecendo hoje com o centrão e com a direita, que muitas vezes são a mesma coisa, né? A gente tem que olhar um pouco pela lente da dramaturgia assim, porque é tudo meio que um jogo de cena. Perdão, Eduardo Coutinho aqui por trazer o seu filme nessas circunstâncias, mas é um jogo de cena mesmo. E qual que é o jogo? Nós precisamos viabilizar o Tarcísio com o apoio do Bolsonaro.
Fernando de Barros e Silva: A gente do centrão.
Ana Clara Costa: Exato. Para isso, eles precisam que o bolsonarismo apoie, queira o Tarcísio, que para muitos deles é um traidor, né? Como a gente bem viu nas mensagens que a Polícia Federal conseguiu capturar algumas semanas, né? Porque senão, o que acontece? Que é o muito provável que aconteça, né? Chega na véspera da eleição, aparece outro cidadão ali, mais tilelê na corrida presidencial e eles começam a sabotar o Tarcísio a favor desse cara aos 48 do segundo tempo. Então, a primeira coisa eles já conseguiram. Centrão já conseguiu, né? Que foi o aval do Bolsonaro para o Tarcísio começar a se movimentar, né? Agora o momento é “precisamos conquistar essa ala mais radical que hoje está com o Eduardo”. Aí o Tarcísio desembarca em Brasília, coincidentemente no dia do início do julgamento do Bolsonaro e assim, num passe de mágica, em 48 horas, ele parece que ele resolve tudo. Ele consegue, do dia para a noite os votos para a anistia, né, supostamente. Se reúne com Hugo Motta, procura o STF para tentar um acordo pela anistia e cada passo dele é informado para a imprensa, né? Ele fala com o Marcos Pereira, presidente do Republicanos, a imprensa noticia. Ele vai falar com o Suprema, a imprensa noticia. Fala com Hugo Motta, a imprensa noticia. Então assim, isso é uma jogada de comunicação.
Fernando de Barros e Silva: Mas isso, de qualquer forma, é notícia, certo? O que o governador de São Paulo…
Ana Clara Costa: É notícia, mas eu não estou falando que a imprensa não deveria noticiar, mas eu to… O que eu quero dizer é o seguinte…
Fernando de Barros e Silva: Além disso, o cara tá recebendo o salário de maneira indevida porque matou o serviço para ir conspirar lá em Brasília.
Ana Clara Costa: Exato. Exato. E é a quarta semana, se eu não me engano, que ele vai para Brasília. E assim, na verdade, quando você tá costurando um acordão, né, com o Supremo, com tudo, né? Já diria o Romero Jucá, você não fica noticiando, né? Você vai tentar fazer alguma coisa ali. Quando chegar a hora do bote, a coisa acontece e você ir a cada passo dando publicidade a isso, claramente é porque você quer ser visto como alguém que que é o porta-voz dessa ideia. Então, assim, o cara primeiro fala do indulto, depois ataca o Judiciário, depois arregaça as mangas pela anistia. E aí eu fico pensando Sóstenes Cavalcanti, né? Ele acorda e vai dormir todo dia falando em anistia, as pessoas veem o Sóstenes no Congresso, os parlamentares já saem correndo porque ele vai chegar para falar da anistia e ninguém aguenta mais. E aí é o Tarcísio que em 48 horas consegue uma maioria avassaladora. Fechamento de questão nos partidos, Centrão todo unido, né? Pô, Centrão unido numa ideia?
Fernando de Barros e Silva: Agora é aquela coisa do Fernando Pessoa. Tarcísio é um fingidor. Finge tão completamente que não sabe dizer se é bolsonarismo bolsonarismo que deveras sente. Ele já não sabe mais se ele é bolsonarista.
Celso Rocha de Barros: Rapaz, acordou inspirado mesmo.
Ana Clara Costa: Não há dúvida de que ele seja bolsonarista, né? Eu acho que ele tá agarrado nessa ideia, né? E aí eu acho que tem uma questão covarde do Centrão e do Tarcísio em tudo isso, que é o seguinte. É claro que é mais fácil se você for junto com o apoio da extrema direita, dos bolsonaristas, do cara que quer o Eduardo, etc. Facilita a tua vida, né? Mas assim, você poderia fazer uma campanha mais digna defendendo o liberalismo econômico, a segurança pública, suas pautas ali, sem necessariamente precisar se curvar desse jeito. E aí você briga pela vaga no segundo turno e aí tenta ganhar, cara. Agora sim, eles querem já entrar na disputa com esse apoio. E para isso eles estão totalmente submetidos às vontades dessa franja radical.
Fernando de Barros e Silva: É oportunista e é um pacto com o diabo. Você realmente está rasgando a fantasia de democrata e está aceitando fazer o jogo de quem está sendo julgado no outro, do outro lado da rua, por golpe de estado.
Ana Clara Costa: Por que esse movimento precisava acontecer essa semana? Porque tanto o centrão quanto a direita, quanto enfim, essa turma, eles não querem ficar presos a um discurso de derrota, de condenação. Sobretudo porque o centrão anunciou o desembarque essa semana e desembarca para onde? Para ser oposição junto com os condenados pelo golpe. Eles não querem. Eles querem ser oposição com quem Eles enxergam a possibilidade de uma disputa pau a pau ali em 2026. Então, essa oposição, ela não pode ficar submersa na pauta da condenação. Eles precisam se sustentar em outra coisa. E aí eles podiam se sustentar em alguma coisa, não sei, um pouco mais edificante, né? Reforma administrativa, algum projeto de lei que beneficie algum setor imoral, tipo bets que eles gostam, mas eles preferem se sustentar na anistia, que é o projeto do Bolsonaro, né? E aí numa tacada só, eles agradam o Bolsonaro, o bolsonarismo e também fustigam o governo e o Supremo, sobretudo. Então, é uma pauta que serve para muitos fins a anistia. Agora, não parece estranho para vocês que na semana passada que a gente falou aqui, eles não tenham conseguido acordo para pautar a PEC da Blindagem, que é muito mais palatável ao Congresso do que a anistia. E essa semana o gênio Tarcísio conseguiu essa proeza de ter essa maioria pela anistia? Vocês não acham estranho isso?
Fernando de Barros e Silva: É um pouco estranho, mas ao mesmo tempo, a correlação de forças mudou ali. A gente não sabe se isso vai de fato se consumar. Se Hugo Motta vai, parece que vai, pôr em pauta o projeto e se pondo em pauta, se o projeto vai ser aprovado. E daí a questão é que o Senado já disse que o Alcolumbre não está disposto a bancar isso. Tem um projeto alternativo de revisão das penas dos dos pop corners lá do Rio de Janeiro.
Ana Clara Costa: Que é uma coisa que já aconteceu, né? Quando a gente falou da anistia aqui, lá atrás, foi exatamente isso.
Fernando de Barros e Silva: De qualquer forma, se esse projeto vamos supor que esse projeto passe na Câmara e no Senado, que não é absolutamente provável, é improbabilíssimo que passe nas duas casas. O Lula poderia vetar, o Congresso poderia derrubar o veto, provoca o Supremo, e, de qualquer forma, a constitucionalidade desse movimento do Congresso vai ser julgado pelo Supremo. Tudo vai desembocar no Supremo, que vai se criar um ruído político, uma tensão política imensa.
Ana Clara Costa: Mas esse é o objetivo. Para o centrão e para a direita, é melhor você se sustentar na tensão política, porque aí você tem poder do que você se sustentar numa pauta de condenação do seu principal cabo eleitoral. Então, para eles, essa tensão é fundamental. Eu não estou dizendo também que a anistia não vá ser aprovada, que não existe menor chance e tal. Enfim, a gente nunca sabe o que pode acontecer, principalmente porque a articulação política do governo está apática, né? Tanto que eles não conseguiram articular nem a CPI de interesse total do governo, que foi a CPI do INSS. E tem ainda a votação da isenção do IR para quem ganha até 5 mil reais, que também é de total interesse do governo e que agora o centrão está querendo melar porque não quer que o Lula colha benefícios eleitorais disso. Então assim, futuro a Deus pertence, né? Eles podem conseguir. Agora, o desembarque do centrão nessa semana, justamente nessa semana. Ele tem um componente desse timing de você criar essa narrativa, mas tem um fator que acelerou as coisas. Ou talvez tenha dado uma justificativa para o centrão desembarcar, pelo menos interna, nos bastidores, que foi essa operação do PCC. O Ciro Nogueira foi alvo de uma reportagem do site ICL que citava um depoimento anônimo envolvendo ele nesse caso do PCC. E ele, como um dos jornalistas que assinou essa reportagem, também trabalha na EBC, que é a estatal de comunicação do governo, ele calculou que isso foi um ataque contra ele. Inclusive, a resposta que ele dá a essa reportagem, ele dá a resposta para o Ministério da Justiça. Ele manda um ofício para o Ministério da Justiça. Ele não dá a resposta para o jornalista ou para o veículo, né? Já supondo que o Ministério da Justiça possa estar querendo investigá-lo, então essa situação tornou as coisas bastante desagradáveis para o Ciro ali dentro. Entre ele, o Rueda, o Rueda era o que queria ter saído mais rápido e ele estava meio que querendo ficar mais, a gente sabe o porquê, já falamos disso no programa passado.
Celso Rocha de Barros: Encher o cantil.
Ana Clara Costa: E aí essa situação agora meio que foi a gota d’água.
Fernando de Barros e Silva: A gente tem só que localizar para o ouvinte que não tem saudavelmente, não tem que saber de onde são exatamente essas pessoas. Rueda, presidente…
Ana Clara Costa: Do União Brasil.
Fernando de Barros e Silva: Ciro Nogueira.
Ana Clara Costa: Presidente do Progressistas.
Fernando de Barros e Silva: Progressistas que agora estão em casório, né? Estão federados, não é isso?
Ana Clara Costa: Isso. Então essa operação teve um papel em tudo o que aconteceu essa semana também.
Fernando de Barros e Silva: Perfeito. Nós vamos falar dela no terceiro bloco. Celso, eu quero te ouvir sobre o Tarcísão.
Celso Rocha de Barros: Então, gente, no último programa a gente tava comentando aqui a matéria da The Economist e tanto eu quanto a Ana Clara expressamos um certo ceticismo com relação ao quanto o Congresso estava mesmo disposto a colaborar nessa história toda de salvar a democracia. Pois é, essa semana é o que o Fernando falou na abertura, enquanto as instituições estavam funcionando, o Centrão estava lá no Congresso tentando impedir que elas funcionassem. Por isso que eu digo sempre se quiser discutir o Alexandre de Moraes discutir assim, será que ele se excedeu? Será que não? Olha para essa semana, olha o que o Supremo estava fazendo e olha o que o Congresso estava fazendo. Digamos que Alexandre Moraes pare de ir atrás dos golpistas. Digamos que o Supremo pare de fazer isso. Quem é que vai fazer? Esses caras lá do Congresso vão fazer isso? Esses caras que estão tentando salvar os golpistas? Então, de fato, assim é meio complicado. Assim, a principal pergunta que faço para o cara que vem com essas críticas muito duras ao Supremo, mas tem algum outro cara disposto a fazer alguma coisa? E quem deveria ter feito era, sem dúvida o PGR, que era o Aras, que obviamente não ia fazer nada. E o Congresso, mas olha aí o Congresso cara. Esses caras aí que você acha que deviam assumir essas responsabilidades, que foram do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos… É difícil, né? E eles fizeram um negócio particularmente, um gesto meio sem-vergonha essa semana. A União Progressista, a Federação entre o PP e o União Brasil saiu do governo, mas como a União Progressista, além de não ser nada progressista, também não é muito uma união, boa parte do pessoal deles vai ficar lá no ministério mesmo. E é isso aí. Entendeu? Então o Fufuca tá lá no Ministério dos Esportes, ficou lá. “Você viu que o seu partido saiu do governo?” “Não vi.”
Fernando de Barros e Silva: Não vem me tirar daqui.
Celso Rocha de Barros: “Não tenho lido o jornal essa semana”.
Ana Clara Costa: Tem 30 dias para sair.
Celso Rocha de Barros: Pois é…. Então assim… Não sei até onde isso vai, não, para falar a verdade.
Fernando de Barros e Silva: Dilema de Fufuca: ser ou não ser?
Celso Rocha de Barros: É muito triste eles fazerem isso durante o julgamento.
Ana Clara Costa: É porque não são só os ministérios, são também os cargos em estatais.
Celso Rocha de Barros: Na Caixa Econômica, gente! O PP vai largar a Caixa Econômica Federal, pelo amor de Deus? Duvido. Então, assim foi um gesto simbólico na prática, quer dizer, a adesão da União Progressista ao PL e o Novo como uma bancada do golpe, né? Os parlamentares desses partidos, basicamente são os caras, como se fossem caras do 8 de janeiro, que nunca foram expulsos e passaram a ganhar salário de deputado. São os caras que entraram lá para quebrar tudo. A polícia não mandou ir embora. Estão sentados lá de terno, fazendo discurso até hoje e a gente paga o salário deles pra eles fazerem a mesma coisa que os caras do 8 de Janeiro estavam fazendo. Agora, por que os caras estão fazendo isso tudo? Como a Ana Clara bem disse, é para a articulação da campanha do Tarcísio, porque eles querem dar um gesto para o Bolsonaro, que o Tarcísio vai anistiar o cara. Isso aqui é porque eles querem essa entrada com tudo do Bolsonaro na campanha do Tarcísio. A primeira coisa que eu queria dizer é o seguinte: o pessoal que tá animado com isso, o pessoal do mercado, essas coisas, eu não sei se vocês não estão com expectativas demais com relação ao governo Tarcísio, porque nessa mesma semana em que o Centrão tentou aprovar essa anistia, o Centrão também propôs que o Congresso tenha direito de demitir os diretores do Banco Central sem mais nem menos. E vejam só essas coisas da história, quem saiu em defesa da autonomia do Banco Central, foi Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores. Então, assim, quem vai eleger o Tarcísio se ele ganhar são esses caras aqui que estão no Congresso propondo que o Congresso vai poder demitir diretor do Banco Central quando, enfim, alguém do Congresso tiver um motivo ou outro que eu mal posso especular qual seja, para querer demitir um diretor do Banco Central. Eu realmente não tenho a menor ideia de qual seria esse motivo.
Ana Clara Costa: Pode ser quando o diretor tiver votando algo que contrarie os interesses do Centrão.
Celso Rocha de Barros: Tô que nem o Fufuca. Não li jornal essa semana.
Fernando de Barros e Silva: A gente está nesse movimento balão de ensaio do Tarcísio. Se ele vingar, ele vai ser o candidato. Pode existir também esse tilelê que a Ana Clara falou do bolsonarista. Isso é provável que exista.
Ana Clara Costa: Até agora Vocês viram que o Kassab tá quietinho, né?
Celso Rocha de Barros: Tá quietinho.
Fernando de Barros e Silva: Mas ele vai ser o candidato oficial da direita. Se ele não for, a tendência é de que, por exemplo, o Caiado e o Ratinho saiam. Ou sei lá, você pode ter uma fragmentação maior. O Tarcísio seria um fator de unificação. Acho que o Tarcísio, saindo, inibiria qualquer outra candidatura do mainstream da direita.
Ana Clara Costa: E o Caiado hoje disse que o primeiro ato do governo dele vai ser a anistia ampla, geral e irrestrita.
Fernando de Barros e Silva: Eles estão disputando quem é mais golpista agora. Estão fazendo essa gincana. Aliás, eu escrevo sobre isso na Piauí deste mês e queria recomendar a reportagem do João Batista Júnior, nosso amigo, colega da Piauí, sobre as andanças do Eduardo, sobre a conspiração do Eduardo Bolsonaro lá nos Estados Unidos.
Ana Clara Costa: A reportagem é um inventário de tudo que o Eduardo fez nos Estados Unidos contra o Brasil e ele contando em on tudo isso, ele está dizendo tudo o que ele fez.
Fernando de Barros e Silva: Vale muito a pena.
Ana Clara Costa: Impressionante.
Fernando de Barros e Silva: Deixa eu aproveitar aqui, gente, vocês falaram do Hugo Motta de passagem. Eu preciso fazer um pequeno desagravo aqui porque ao comentar no programa anterior a fraqueza do Hugo Motta, eu falei que ele parecia um personagem infantil e fiz uma analogia infeliz dizendo que ele estaria na prateleira da literatura infantil, editado pela Companhia das Letrinhas. Um amigo me chamou a atenção para o fato de que literatura infantil é coisa muito séria. E ele tem toda a razão. Então fica aqui o meu pedido de desculpas aos editores, escritores e leitores. E o registro de que a infantilidade do Hugo Motta é de outra natureza, como nós sabemos. Seguimos. Celso para arrematar o bloco, por favor.
Celso Rocha de Barros: Eu só queria concordar com a Ana num negócio que, em tese, o Tarcísio poderia fazer uma campanha decente, entendeu? Poderia concorrer como um candidato de proposta liberal. Ele ia ter um apoio razoável desse mesmo jeito. Aí tudo bem, ia ter que brigar para ir para o segundo turno com o tilelê lá? Provavelmente. Mas pô, briga, cara, pô! Tem alguma coragem, né, amigo? Mas não tenho nada… Não to falando aqui. A gente não tá fazendo esse negócio porque tem alguma coisa pessoal contra Tarcísio. Inclusive, vou dizer, por exemplo, eu sempre digo isso. Eu assisti o debate do Tarcísio e Haddad pelo governo estadual de São Paulo. Cara, foi o melhor debate que eu já vi. Tem um universo paralelo em que o Tarcísio teve coragem de brigar com o Bolsonaro e se tornou um quadro importante da política brasileira. Infelizmente nós não vivemos nesse universo paralelo, entendeu?
Fernando de Barros e Silva: É, essa versão aí, esse Tarcísio não contaminado pelo bolsonarismo não existe. Na vida real não existe. Não vai existir.
Ana Clara Costa: Agora, nessa nova, nesse projeto Tarcísio, o centrão e o Valdemar Costa Neto, que é o presidente do PL, eles vão ter esse desafio de convergir para um plano nacional, partidos que sempre foram fisiológicos. A primeira vez que eles estão entrando numa empreitada como essa, porque o PL em 2022 era a figura do Bolsonaro, não era uma convergência de interesses, né? E todos esses partidos têm interesses muito individuais e estão acostumados. Eles nasceram de satisfazer esses interesses individuais. Então, assim a gente vai ver um novo momento, se eles vão conseguir ter o interesse nacional, né? E sobretudo, Valdemar, que é um cara que queria anular a eleição passada, né? Tentou anular a eleição passada dizendo que as urnas estavam fraudadas. Foi poupado pela PGR na denúncia. Não virou réu. Se tem alguém que assinou e lavrou em cartório que queria melar a eleição, foi Valdemar, porque no pedido para o TSE para denunciar que as urnas estavam violadas, ele assina, né? Então se tem alguém que assinou foi Valdemar. Não virou nem réu. E aí tá aí agora querendo fazer o novo presidente, né? A PGR, ao poupar o núcleo político, nesse caso, ela abriu espaço para esse tipo de coisa.
Fernando de Barros e Silva: Perfeito. Bom, com isso a gente encerra então o segundo bloco do programa. Na volta, nós vamos falar da mega operação contra o crime organizado. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Celso, eu vou começar com você. Essa operação da Polícia Federal, junto com o Ministério Público de São Paulo e com a Receita, expôs aí os vasos comunicantes do crime organizado e pega setor financeiro, tem política, enfim, tudo que a gente suspeita, de certa forma se materializa nessas revelações que ainda tem muita coisa para surgir. Foi um primeiro impacto dessa investigação. Enfim, uma coisa muito grande. Você, como é o nosso, tem o compilador geral da República e tem o Celso, que é explicador geral do Foro de Teresina.
Celso Rocha de Barros: Quando tem um bandido, um marginal assim de secretário, ele explica.
Fernando de Barros e Silva: Mas vamos lá, vamos tentar traduzir um pouco o que veio à tona.
Celso Rocha de Barros: É isso mesmo, Fernando. Como você disse, é provavelmente a maior operação contra crime organizado da história do Brasil. Foi uma coisa no ambiente atual da política brasileira que a gente escreveu no último bloco. Foi um negócio legal assim, porque foi uma coisa bem articulada entre o governo federal e o governo de São Paulo, entre as autoridades. Aí, é claro, o Lula vai dizer que foi ele, o Tarcísio vai dizer que foi ele. E os dois têm o direito de reivindicar crédito desse negócio, entendeu? E tudo bem. Se o político fizer um troço que funciona, ele pode ficar aí fazendo propaganda, não tem problema. O importante é que, lá vamos nós de novo, as instituições funcionaram. Quer dizer, conseguimos pegar, como você disse, uma coisa que todo mundo sempre suspeitou, que, evidentemente, um negócio bilionário como tráfico de drogas, não era tocado só pela aquele carinha que é o dono do morro ali fica com um caixote ali vendendo cocaína e recebendo dinheiro vivo, certo? Agora eu admito que eu, por exemplo, não imaginava que o esquema era tão grande. Como é que era o esquema? Bom, todo mundo já tinha ouvido falar, já tinha saído a reportagem sobre esse tal de que o PCC usava posto de gasolina para lavar dinheiro. Então que o PCC ganhava uma grana preta com cocaína. E aí, como é que você faz para fazer esse dinheiro circular pelo sistema bancário sem chamar a atenção? Você tem que ter alguém para lavar aquilo para você. Então você compra um posto de gasolina. E por que posto de gasolina? Porque o posto de gasolina é um negócio que ainda recebe muito dinheiro vivo. Então ali você vai desovar aquele dinheiro vivo que você ganhou vendendo cocaína. E aí, o que eles faziam no posto de gasolina era adulterar a gasolina com metanol.
Fernando de Barros e Silva: O famoso “batizar”, né?
Celso Rocha de Barros: Exato. E inclusive fraudar também a a bomba. Enfim, é o PCC, né gente? Vocês vão esperar que eles sejam os comerciantes super idôneos, né? E aí com isso parece que você tá de fato.
Ana Clara Costa: Vendendo mais ou menos gasolina.
Celso Rocha de Barros: Desse jeito você tá ganhando aquele dinheiro todo.
Ana Clara Costa: Você vende menos gasolina e faturam muita grana por fora, né?
Sonora: E aí, inclusive, cada etapa desse processo tinha uma picaretagem pra sonegar imposto sim, separada, entendeu? Então, era um troço muito bem, bem bolado.
Ana Clara Costa: E eles são os grandes conhecedores do nosso sistema tributário. É impressionante.
Celso Rocha de Barros: Não, deve ter gente boa que manja de tributação assessorando os caras.
Fernando de Barros e Silva: E agora também surgiu nos últimos dias aí que o envolvimento de padarias também, né?
Celso Rocha de Barros: Olha só!
Fernando de Barros e Silva: Não aguento a piada infame: as melhores farinhas.
Celso Rocha de Barros: Pois é, exatamente. Esse cara tem experiência no ramo, ao contrário de gasolina. Agora então esse negócio do posto de gasolina, a gente já tinha essa noção de que isso existia, mas o que a operação mostrou? Primeiro, que isso é imenso, é muito posto de gasolina, é muita coisa.
Fernando de Barros e Silva: É, 1200, a PF fala, né?
Celso Rocha de Barros: É, exatamente com 1200 postos. Quer dizer, é uma coisa gigante. E o que surpreendeu todo mundo dessa vez é que vai muito além de posto de gasolina. Então, por exemplo, o PCC já está atuando na entrada do Metanol no Brasil pelo Porto. Eles já estão agindo ali. Aí eles pegam esse negócio, usam o Metanol lá para batizar lá a gasolina deles, lava o dinheiro com o posto de gasolina. Aí para você gerar o etanol, que é o álcool, eles compraram refinarias de etanol.
Ana Clara Costa: Usinas, né? Quatro usinas.
Celso Rocha de Barros: Exatamente, quatro usinas de etanol. Cara, isso são empresas muito grandes, assim movimentam muito dinheiro e isso assim é muito economia real, de verdade, sabe? Não é ali a periferia da economia real que sabe como posto de gasolina é. São grandes empresas. Todo mundo conhece alguém. O dono da empresa, pelo menos o cara que você botou ali para ser de laranja. Um negócio gigantesco. Então, para você ver um nível, a quantidade de dinheiro que esses caras fizeram nessa história toda foi o suficiente para eles comprarem a refinaria de etanol, onde eles também batizavam etanol com metanol, e as autoridades disseram que eles chegaram a achar posto de gasolina em que 90% do etanol sendo vendido era metanol. A mistura tinha 90% de metanol, que não só é muito pior para o meio ambiente, como é muito ruim para o motor de seu carro. E aí, se você acha que essa cadeia não está sofisticada o suficiente, esse circuito produtivo, essa grana entrava nas fintechs. O que são as fintechs? São essas empresas financeiras que ganharam impulso com o advento da internet. Essas empresas que operam basicamente em ambiente virtual. Elas são um fenômeno novo que nasceu ali espontaneamente pela dinâmica do mercado. Os reguladores correram atrás para regular, mas até a emergência desse escândalo, elas eram menos fiscalizadas que o resto do sistema financeiro. Então era mais fácil para o cara que queria lavar dinheiro, usar as fintechs para lavar esse dinheiro. E eu imagino que essa operação seja só o começo de um esforço para tentar descobrir quem mais já fez isso. Quem mais já usou fintech para circular dinheiro sujo? E por que dá para fazer isso com as fintechs? Porque as fintechs, você vai lá e bota seu dinheiro numa fintech lá que você vê na internet. Na verdade, aquela fintech tem uma conta num banco tradicional. Tem que ter. Mas essa conta da fintech lá é a chamada ‘conta Bolsão’. Quer dizer, todo dinheiro que você joga lá na fintech, ela joga nessa conta lá, sem separar o que é de quem. Essa conta o banco tem que prestar contas para Receita Federal e para o Banco Central e para todo mundo de tudo que ele faz. Mas nesse caso específico, só vai a informação “entrou esse dinheiro dessa fintech” porque o dinheiro lá dentro não está discriminado.
Fernando de Barros e Silva: A identidade do sujeito fica oculta, né?
Celso Rocha de Barros: E a fintech não é obrigada, como as outras instituições financeiras mais tradicionais, a ficar reportando o tempo todo essas coisas para as autoridades. Mas aqui é importante dizer um negócio: embora a regulação das fintechs seja mesmo frouxa e, felizmente, isso já está mudando, já começaram a ser adotadas normas para mudar isso. Mesmo assim, o que os caras fizeram era ilegal, dentro da legislação frouxa mesmo porque qualquer tipo de instituição financeira tem uma obrigação legal que se chama ‘know your client’, que é assim se aparece um cara lá, você é o dono de uma fintech ou de uma corretora de um banco e chega um cara e fala para você e fala: “eu vim depositar 10 bilhões”. Você diz: “Tá bom, preenche aqui a ficha aqui”. Mas me explica aí, quem é o cara? Ele vira e fala: “não, eu sou sociólogo”, entendeu? Ou algum outro emprego que não dê dinheiro nenhum?
Ana Clara Costa: Jornalista.
Celso Rocha de Barros: Na hora tem que acender uma luz vermelha na sua cabeça. Como é que o sociólogo tem 10 bilhões, cara? E aí se você identificar qualquer indício de lavagem de dinheiro, aliás, lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo, você tem que informar as autoridades. Mas se você achou um negócio que não dá, não é suficiente para você informar as autoridades, mas já é esquisito, tipo um cara que não era para ter tanto dinheiro assim, ou, por exemplo, 500 depósitos de valor quase igual indo para o mesmo lugar que indica provavelmente o uso de laranja, inclusive em geral laranja involuntário, né cara? Um cara que pega compra uma base pirata de CPF, sai botando o nome das pessoas naquilo. Em geral, por isso que é ‘know your client’, quer dizer que você mesmo se você não tiver subsídio para dizer que aquilo é fraude e reportar às autoridades, você deve pelo menos não fazer negócio com esse cara. Você deve dizer: “Desculpa, não vou abrir conta para você”, entendeu? “Você procura outra, outra instituição para fazer”. E, no caso do PCC, cá entre nós, não é assim. A menor violação que esses caras fizeram foi não respeitar ‘know your client’ e o mais provável é que eles know your client muito bem e tivesse de sacanagem, né? Entendeu? Então, assim, a responsabilidade de cada uma dessas instituições financeiras que foram citadas, isso vai ser apurado. É provável que algumas tenham falhado só no ‘know your client’, mas certamente teve umas outras que não. Pelo que a polícia diz, tinha umas ali que know your client muito bem e estavam ganhando o dinheiro do client ali, feliz da vida. Então esse era o sistema. Agora eu queria só fazer uma rápida comparação puxando para o primeiro bloco, o cara do PCC que tá citado nessa história é um sujeito, um ser humano maravilhoso chamado Beto Louco.
Fernando de Barros e Silva: Beto Louco. Falei na abertura.
Celso Rocha de Barros: Exato, que deve ser realmente uma figura humana realmente admirável. O advogado do Beto Louco é o Celso Villardi, o mesmo advogado do Bolsonaro. Então, no julgamento do Bolsonaro a gente já teve um spoiler do que vai ser o julgamento do Beto Louco, certo? Porque eu imagino que o que o Villardi vai dizer é que tudo isso aqui foram atos isolados, que o PCC nunca existiu. Ou se existiu, foi a despeito do conhecimento do Beto Louco que o Beto Louco só discutiu com seus comparsas do PCC se valia a pena a gente entrar no ramo de etanol, entendeu? E não é culpa dele se os cara depois fizeram essas barbaridades todas, entendeu? Isso aí não tem nada a ver com o que o cliente dele tinha proposto lá no início, né?
Fernando de Barros e Silva: Celso, você podia ganhar como advogado, viu?
Celso Rocha de Barros: Viu, já sou xará do cara.
Fernando de Barros e Silva: E o Beto Louco é meu xará também. É Silva. Ana, vamos colocar a sua colher nesse tempero.
Ana Clara Costa: Quando o Celso disse sobre a questão das refinarias das usinas de etanol que eles estão comprando, eu só queria fazer um complemento. Que parte dessas usinas ela foi comprada por meio de coação, segundo a investigação. Algumas estavam quebradas e foram vendidas, outras não. E uma das estratégias de coação que o PCC fazia, segundo as reportagens que foram publicadas com base na investigação, é colocar fogo nos canaviais. Então, a polícia desconfia que as queimadas em São Paulo no ano passado, que foram surreais justamente nesse período do ano que a gente está agora, tem a ver também com o PCC botando fogo no canavial para forçar a venda das usinas. Bom, a gente se lembra, né, do vídeo que o Nikolas Ferreira fez no início do ano.
Fernando de Barros e Silva: Sim, bem lembrado.
Ana Clara Costa: Para tentar derrubar aquela norma que tinha sido editada pela Receita Federal, que forçava as fintechs a informar para a Receita as transações acima de um determinado valor. Nessa mesma norma também havia necessidade de informar pix a partir de 2 mil reais. Por quê? Porque os bancos já eram obrigados a cumprir essas normas e as fintechs não. Então, essa nova regra acabava enquadrando as fintechs. E na época já se falava que parte disso também era para coibir a ação do crime organizado. Isso foi uma das explicações dadas na época que o nosso digníssimo Nikolas Ferreira ignorou completamente. Fez aquele vídeo que implodiu o governo naquele momento, né? Eles ficaram totalmente sem ação e tomaram uma atitude errada, a meu ver, e que o próprio Haddad não queria que eles tivessem tomado. Mas o Lula acabou acatando a visão do Sidônio de que tinha que acabar com essa norma, porque eles não tinham mais como reverter o dano de imagem. Então, a norma que o Nikolas Ferreira ajudou a destruir naquele momento era justamente para tentar trazer mais regulação para esse tipo de empresa. E além de tudo, uma outra coisa que eu depois, conversando com fontes do governo, ouvi que essa norma também seria usada é para buscar fraude em programa social, porque quando você coloca o limite de 2 mil reais no pix, quem recebe o programa, Bolsa Família ou qualquer outro tipo de auxílio BPC, etc e também recebe mais 2 mil reais de pix de alguma outra fonte. Provavelmente estava fraudando o programa social, porque se ela não tem dinheiro e precisa daquele dinheiro, por que ela estaria recebendo esse valor de outras fontes, né? Então, um dos objetivos dessa norma também era ajudar a coibir fraudes em programas sociais que o Nikolas Ferreira também ajudou a destruir. Agora, o governo está tentando retomar isso de uma outra forma, criando novas regras para as fintechs e tal. Mas assim, eu acho que a gente não pode esquecer a contribuição do Nikolas para isso que está acontecendo.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem lembrado.
Ana Clara Costa: E eu acho que o que essa operação também trouxe que é relevante são as conexões do Banco Master com as fintechs e gestoras de recursos que foram pegas nesse esquema, né? Uma das principais delas é a Reag. Uma das maiores gestoras de recursos do país e o principal sócio dessa reage, que é o João Mansur, é sócio do Daniel Vorcaro, do Banco Master, que era aquele banco que cresceu vertiginosamente ninguém entendia muito bem o porquê. Na verdade, a Consuelo Dieguez, que é repórter da Piauí, tentou esquadrinhar um pouco isso em duas reportagens que ela publicou na Piauí. Acho que vale a pena ler, mas…
Fernando de Barros e Silva: Vale a pena.
Ana Clara Costa: Parte do problema, aparentemente, tem a ver com a Reag e esse indivíduo, João Mansur, viu o patrimônio pessoal dele crescer 73 vezes nos últimos quatro anos, que foi o período em que o fundo dele cresceu exponencialmente. Os fundos da gestora dele e coincidentemente, o período que o Banco Master explodiu e também acabou acontecendo, coincidentemente, nessa semana, a venda do Banco Master foi vetada pelo Banco Central. A venda para o BRB, né? Então, foi uma feliz coincidência que a operação tenha saído também nesse momento. E tanto sobre a Reag quanto sobre outra gestora, também da Faria Lima, muito enrolada em toda essa investigação, é uma gestora chamada BK Bank. Os problemas envolvendo e essa gestora BK Bank estão muito bem explicados numa reportagem do Allan de Abreu, publicada na Piauí no dia 3 de setembro. O título é ‘A Mão Invisível do PCC’. Eu acho que vale a pena também ler para entender um pouco melhor essas conexões, porque ali está bem detalhado.
Fernando de Barros e Silva: Excelente matéria.
Ana Clara Costa: Ele fez duas matérias essa reportagem sobre a BK e ele já havia antes da investigação ter sido a operação na verdade ter sido deflagrada, ele tinha, poucas semanas antes, revelado um outro esquema da Reag, ou seja, do envolvimento do Daniel Vorcaro com a Reag. E aí, semanas depois, veio a operação expondo tudo isso. Então vale a pena dar uma olhada.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Bom, o resumo da ópera de tudo isso é que as fronteiras entre a legalidade e a delinquência são bem tênues no capitalismo. No Brasil, eles estão se desmanchando. Isso vale tanto para o consórcio PCC, Faria Lima, o Fintechs, como para o consórcio Centrão Bolsonarismo, pra gente amarrar o programa inteiro. Com isso, a gente encerra o terceiro bloco do programa. Rápido intervalo e Kinder Ovo na volta. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bom. Estamos de volta. Mari Faria, o seu momento de alegria. Momento do Kinder Ovo. Solta aí, diretora!
Sonora: Vivi para ver essa cena triste, infeliz. Mas os avós dos Bolsonaros foram sequestrados, né? Esse final de semana em Resende, agora que a água bateu na bunda de vocês, que os avós de vocês viraram alvo e que vocês viram que a PF também está cometendo crime? Então escuta: hipocrisia tem limite. Se agora, só agora, vocês viram o monstro que vocês alimentaram, tenham vergonha na cara de vocês. Façam o certo. Peçam desculpas para todo mundo que tá preso graças a omissão do pai de vocês.
Celso Rocha de Barros: Caralho, é alguém que…
Fernando de Barros e Silva: Alguém cobrando…
Celso Rocha de Barros: Apoiava o Bolsonaro.
Fernando de Barros e Silva: E tá cobrando.
Ana Clara Costa: Eu acho que a gente vai se ferrar muito. Vai ser humilhante.
Celso Rocha de Barros: Acho que vai ser humilhante.
Fernando de Barros e Silva: É algum desses desses da órbita, algum agregado que foi deixado de lado, traído e está descontando agora.
Ana Clara Costa: A filha do Roberto Jefferson, Cristiane Brasil.
Fernando de Barros e Silva: Não acredito! Não acredito!
Celso Rocha de Barros: Caraca! Essa era difícil.
Ana Clara Costa: Deus é bom o tempo todo comigo.
Fernando de Barros e Silva: Ana Clara!
Sonora: Caraca!
Fernando de Barros e Silva: Aos 47 do segundo tempo, vai pro VAR. Quem fala é a ex-deputada Cristiane Brasil, filha do Roberto Jefferson, nas suas redes sociais. Caramba, viu? Agora que você tá vendo que a água tá batendo na bunda de vocês. Bom, encerramos então este Kinder Ovo vencido pela Ana Clara. Não acredito, Ana Clara.
Fernando de Barros e Silva: Vamos para o melhor momento do programa o Correio Elegante, momento das cartinhas de vocês. E eu vou começar aqui com uma postagem da Laura: “Primeiramente prometi que ao passar em um concurso público, me tornaria assinante da Piauí. Promessa feita, promessa cumprida. Mas o motivo do meu correio elegante é mandar um grande abraço para minha tia Cecília, a matriarca de duas gerações de ouvintes do Foro, mãe de Bárbara, minha prima e avó de Lira, que ainda não fez um aninho, mas já é uma ouvinte culposa que temos fé, em breve escolherá esse caminho por conta própria. Recentemente, Cecília passou por uma operação no quadril e há boatos de que foi justamente para poder dançar a musiquinha de abertura do Foro. Então deixo meu pedido para que mandem um abraço especial para minha tia para acelerar seu processo de recuperação e vida longa ao Foro”. Um abraço carinhoso para Cecília e logo você estará dançando novamente a musiquinha de abertura do Foro.
Ana Clara Costa: Melhoras Cecília! Um abraço
Celso Rocha de Barros: Melhoras Cecília. Abraço para você.
Ana Clara Costa: A Michelle Medeiros também pediu beijos para a família. Ela escreveu: “dia 14 de setembro, aniversário da minha mãe. Por favor, mandem um beijo para a Ângela Massaroni, ouvinte que ama muito vocês e acerta mais Kinder ovo que o Celso. Todo sábado ela arruma a casa ou lava o cabelo ouvindo vocês. Depois vem toda cheia de si me perguntando se eu acertei também o Kinder Ovo. Mari Faria, aperta porque a Ângela vem achando fácil”. Eu discordo da Ângela, Mari. Nossa, eu acho.
Celso Rocha de Barros: Caraca.
Celso Rocha de Barros: Pra mim tá difícil, entendeu? Um beijão, Michele. Um beijão pra Ângela também.
Fernando de Barros e Silva: Ângela, um beijo pra você. Mas não pode apertar não.
Celso Rocha de Barros: O Flávio Itajubá mandou o seguinte: “meu barbeiro, fala pra caramba”. Qual o barbeiro que não fala pra caramba, né Flávio? “Inclusive conta umas piadas, uma pior que a outra, mas ele tem um senso crítico e político muito bom. Então resolvi levar minha caixinha de som e colocar o Foro para ouvirmos enquanto ele trabalhava. Resultado: ele proferiu pouquíssimas palavras durante o corte e elogiou profundamente o programa. Muito obrigado por me livrarem das piadas do mexicano. Abraço e parabéns pelo programa”.
Ana Clara Costa: Muito bom.
Celso Rocha de Barros: Um abraço pra você e um abraço pro mexicano também.
Fernando de Barros e Silva: Flávio, a gente só quer ver o resultado desse corte de cabelo com Foro. Se fosse eu cortando essa, ia dar tanta risada com o Celso. Imagina. É um perigo esse negócio de cortar o cabelo ouvindo Foro. Mas gostei. Gostei. Muito bem. O que é bom dura pouco, que não é tão bom também e acaba. Assim, a gente vai encerrando o programa de hoje por aqui. Se você gostou, não deixe de seguir e dar five stars para a gente no Spotify. Segue no Apple Podcast, na Amazon Music. Favorita na Deezer e se inscreva no YouTube. Você também encontra a transcrição do episódio no site da Piauí. Foro de Teresina é uma produção do estúdio Novelo para a revista Piauí. A coordenação geral é da Bárbara Rubira. A direção é da Mari Faria, com produção e distribuição da Maria Júlia Vieira. A checagem é do Gilberto Porcidônio. A edição é da Bárbara Rubira, da Carolina Moraes e da Mari Leão. A identidade visual é da Amanda Lopes. A finalização e mixagem são do João Jabace e do Luís Rodrigues, da Pipoca Sound. Jabace e Rodrigues, que também são os intérpretes da nossa melodia tema. A coordenação digital é da Bia Ribeiro, da Emily Almeida e do Fábio Brisola. O programa de hoje foi gravado na minha Choupana, em São Paulo, e no Estúdio Rastro do Danny Dee, no Rio de Janeiro. Eu me despeço dos meus amigos. Tchau, Ana. Até amanhã, né, Ana? Vocês estão ouvindo e a gente já tá junto.
Ana Clara Costa: É. Essa semana tem overdose de Foro.
Fernando de Barros e Silva: É só amor.
Ana Clara Costa: Até breve, Fernando. Até breve, pessoal.
Fernando de Barros e Silva: Celso! Até amanhã também, Celso.
Celso Rocha de Barros: Até mais, pessoal. É esse fim de semana aí.
Fernando de Barros e Silva: É isso gente! Então, uma ótima semana a todos e até semana que vem! Quem for pro Festival da Piauí, a gente se vê no domingo.
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