Marina Silva e o presidente eleito Lula durante uma coletiva de imprensa em São Paulo, em setembro Foto: Danilo Verpa/Folhapress
Com Marina ministra, Lula busca repetir sucesso do primeiro governo na área ambiental
Depois de idas e vindas, ambientalista é anunciada para o cargo e será fiadora da prioridade que Lula prometeu dar à questão climática
O nome da ambientalista acreana Marina Silva (Rede), eleita deputada federal por São Paulo, foi enfim confirmado para assumir o Ministério do Meio Ambiente a partir de janeiro. Com a indicação, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva busca repetir o êxito da primeira gestão de Marina à frente da pasta, entre 2003 e 2008. Durante sua gestão, foi lançado um plano interministerial que conseguiu reduzir em 83% a taxa de desmatamento na Amazônia ao longo de oito anos, entre 2004 e 2012.
Embora a indicação de Marina fosse tida como certa no fim de dezembro, seu nome não estava nas duas primeiras levas de ministros anunciadas pelo presidente eleito. A pasta do Meio Ambiente chegou a ser aventada como opção para Simone Tebet (MDB-MS), e o impasse em torno do lugar que Tebet ocupará no novo governo contribuiu para retardar a definição sobre o lugar destinado a Marina.
A ambientalista deve ser uma figura central do terceiro governo Lula como fiadora do compromisso que o petista assumiu com a pauta climática e ambiental. Na Conferência do Clima das Nações Unidas realizada em Sharm el-Sheikh, a COP27, o presidente eleito afirmou que o combate à mudança climática terá “o mais alto perfil” na estrutura de seu governo, e que não vai medir esforços para zerar o desmatamento na Amazônia e nos demais biomas até 2030.
A futura ministra declarou seu apoio à candidatura de Lula a três semanas do primeiro turno, por enxergar nele as “maiores e melhores condições para derrotar Bolsonaro e a semente maléfica do bolsonarismo que está se implementando no seio da nossa sociedade”, conforme declarou à imprensa na ocasião. Em troca do apoio, Lula reforçou seu programa de governo com políticas climáticas e ambientais propostas por Marina. Com a chegada da ambientalista, sua campanha deu à Amazônia, à crise climática e aos povos indígenas um protagonismo inédito numa eleição presidencial.
A adesão foi significativa porque a relação entre Lula e Marina estava estremecida havia anos. A ministra decidiu sair do governo em 2008 diante das resistências que vinha encontrando ao seu trabalho no governo e na sociedade – uma de suas principais antagonistas na Esplanada era a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Um ano depois, Marina deixou o PT, ao qual estivera filiada por quase trinta anos, para se juntar ao PV, pelo qual disputou a presidência em 2010. O desgaste com Lula aumentou em 2014, quando Marina e Dilma se enfrentaram na eleição presidencial em que a petista buscava seu segundo mandato. Marina atribui sua derrota à campanha de desinformação sobre sua candidatura promovida pelo então marqueteiro do PT, João Santana, que ela anos depois chamou de “pai das fake news”.
A demora do anúncio de Marina levou ambientalistas a questionar a prioridade que Lula afirmou que dará à pauta climática e ambiental em seu governo. Para Carlos Rittl, da Rainforest Foundation, o atraso sinalizou que o MMA é um ministério negociável para o presidente eleito. “Cadê aquela convicção ambientalista toda da campanha e da COP27?”, questionou Rittl no Twitter.
Ainda assim, a nomeação foi recebida com otimismo. “A Marina é a melhor resposta que o Brasil tem para dar aos desafios que estão postos para a Amazônia e uma sinalização pública do interesse em de fato enfrentar a questão do aumento da criminalidade e do desmatamento”, disse à piauí a ambientalista Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental. “As mudanças climáticas são a agenda destes tempos, e Lula tem em Marina a pessoa com o olhar mais estratégico, cuidadoso e aprofundado para ajudar a pautar esse processo.”
“Por tudo que fez em sua carreira, Marina seria um nome natural para o Ministério do Meio Ambiente e seria assim em qualquer lugar do mundo”, disse o ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, coalizão que reúne dezenas de ONGs da área ambiental.
O contexto, porém, é muito mais espinhoso do que aquele da primeira gestão de Marina. Ela vai encontrar uma Amazônia em pé de guerra, em que o crime organizado se aliou ao crime ambiental e fez explodir a violência – a região Norte é a única do país em que as mortes violentas aumentaram no ano passado, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Vai enfrentar ainda um congresso mais hostil às causas ambientais, e deve sofrer resistência vinda de setores da grande aliança que Lula montou para derrotar Jair Bolsonaro – tanto de nomes fortes do ruralismo quanto da ala desenvolvimentista do PT.
“Vai ser um governo de muitas disputas internas, por se tratar de uma ampla aliança, mas acredito que a Marina traz um debate muito consistente da relação das mudanças climáticas com as questões sociais dos nossos tempos”, disse Adriana Ramos. Para a ambientalista, essa perspectiva pode ajudar a lidar com a explosão da violência e do acesso às armas na região. “Esse entendimento vai contribuir para que sejam pensadas soluções mais criativas, mobilizadoras e que gerem alternativas para as populações que mais precisam”, afirmou.
Mas também há fatores positivos dentre as diferenças de contexto entre 2003 e 2023, conforme notou Marcio Astrini. “Nunca houve tanto apoio internacional quanto agora para a questão do desmatamento e do clima, há vários países querendo dar dinheiro para o Brasil”, afirmou.
Marina Silva sabe que vai encontrar desafios maiores do que os que ela enfrentou na primeira década do século, mas aposta na experiência bem-sucedida para contorná-los. “Naquele momento nós estávamos chegando no governo, e era preciso fazer o diagnóstico, pensar e implementar o plano e torcer para que as estratégias dessem certo”, disse Marina à piauí durante sua passagem pela COP27. “Agora nós já sabemos que elas deram certo, mas que, diante da gravidade do problema, precisarão ser atualizadas”, continuou, sem dar mais detalhes. A transversalidade das políticas de combate ao desmatamento é um dos fatores do sucesso do plano que Marina pretende repetir. “Naquele momento, uma das chaves foi ter uma política integrada e transversal, que envolveu treze ministérios.”
Nessa conversa, Marina já sinalizava que, entre a atuação no Congresso ou no Ministério, preferia o segundo, pela possibilidade de fazer mais. E deu pistas de algumas prioridades que devem nortear a sua futura gestão. “O primeiro passo é recompor as equipes, trabalhar para que o orçamento do próximo ano já contemple essas novas prioridades e evitar que o pacote da destruição mude a legislação no Congresso Nacional”, disse Marina, referindo-se a uma série de projetos de lei que enfraquecem proteções ambientais e tramitam na Câmara e no Senado.
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