Ato contra Lula na Avenida Atlântica, na orla de Copacabana, na terça-feira, 3 de abril FOTO: CAMILA ZARUR
Deus e o diabo na volta das camisas amarelas
Manifestantes vão às ruas de 17 capitais na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF
“Deus quer que Lula vá para a cadeia”, berrava ao microfone Alexandre Santos, o “Salsicha”, um dos líderes do Movimento Brasil Livre, num ato pela prisão do ex-presidente Lula, nesta terça-feira em São Paulo. Apontando para o céu, Santos comemorava uma trégua da chuva. “Se Deus não quisesse, ia estar um dilúvio aqui, mas isso [a prisão de Lula] é o que Ele quer”, prosseguiu, exaltado. No Rio de Janeiro, o temporal que caiu no meio do protesto na avenida Atlântica, em Copacabana, provocou a invocação da entidade oposta: “Sabe por que choveu? Lula tem um acordo com Satanás”, dizia um manifestante antipetista, encharcado, enquanto espremia o guarda-chuva na porta da estação Cantagalo do metrô, no fim do protesto.
Para além dos apelos para estimular manifestantes ou justificar a baixa adesão, a véspera do julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal marcou a volta das camisas amarelas da CBF em atos em Brasília e em pelo menos dezessete capitais. Foram cerca de 48 mil manifestantes nessas cidades, segundo estimativas dos organizadores locais. Nada comparável aos atos pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016 – encabeçados pelo MBL, Vem Pra Rua e Endireita Brasil, todos também presentes nesta terça-feira –, quando 1 milhão e 1,4 milhão de pessoas, respectivamente, se reuniram em atos somente em São Paulo, conforme estimou à época a Polícia Militar.
Presente no ato desta terça-feira na capital paulista, o pré-candidato apoiado pelo MBL, Flávio Rocha, disse, sem citar o nome de Lula, que “o líder da organização criminosa não pode voltar ao poder”. “A gente achava que bastava tirar o PT do governo, mas não bastou, a jararaca era maior do que imaginávamos”, disse. Kim Kataguiri discursou enquanto uma retrospectiva do processo do ex-presidente era projetada no prédio do Masp. Ao som de gritos como “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”, um dos líderes do Vem Pra Rua berrava palavras de ordem contra o STF: “Se o STF não cumprir a Constituição, vai enfrentar o povo nas ruas.”
No Rio de Janeiro, cerca de 5 mil pessoas se reuniram na orla de Copacabana, segundo os organizadores. A manifestação, na altura do Posto 5, contava com dois carros de som: um do Vem Pra Rua, outro do MBL. Os movimentos afirmaram terem organizado o ato em conjunto, mas, na prática, havia uma separação clara entre manifestantes dos dois grupos. A maior concentração ficava em frente ao veículo do Vem Pra Rua, com os dois sentidos da avenida Atlântica ocupados. Já no lado do MBL, havia apenas algumas dezenas de pessoas.
Durante o protesto, a revolta se misturava a um clima de festa. Entre gritos de “cadeia sem Lula é fraude” e “Lula na Papuda, o Brasil não é igual a Cuba”, os organizadores tocavam músicas populares como Meu Erro, do Paralamas do Sucesso, e Tempo Perdido, da Legião Urbana. Manifestantes dançavam, bebiam e compravam camisas, bonés e outros acessórios verde e amarelos na feira da orla. “Já vendi três cangas do Brasil hoje”, disse a vendedora Dina Oliveira, de 49 anos.
Um telão foi colocado na calçada oposta à praia, mostrando uma retrospectiva do processo judicial contra Lula. Faixas também foram distribuídas pelos organizadores, com os dizeres “fim da impunidade”, “renovação política” e “todo apoio à Lava Jato”. A exemplo dos protestos de 2015 e 2016, a operação foi homenageada com uma grande bandeira verde e amarela, estendida pelos manifestantes, que também serviu de proteção para o tempo ruim.
Veterano de manifestações, o casal de aposentados Carlos e Rosa Costa, de 68 e 67 anos, explicam por que compareceram ao seu quinto protesto desde 2015. “É para demonstrar a insatisfação com o governo e a situação do país”, disse a professora aposentada da rede municipal, que chegou a viajar a Brasília para participar dos atos pelo impeachment de Dilma, antes de deixarem a orla da praia, por causa da chuva.
Camila Zarur é jornalista. Trabalhou na piauí e no jornal O Globo
Foi repórter da piauí e produtora da rádio piauí
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