Dinheiro, dinheiro, dinheiro
O presidente da Sky e vice-presidente de Marketing do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, não tem o que reclamar de mim: sou assinante da Sky e sócio-torcedor do Flamengo. Estou em dia com o homem. Mas eu e a torcida do Flamengo temos o que reclamar de Luiz Eduardo Baptista.
O presidente da Sky e vice-presidente de Marketing do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, não tem o que reclamar de mim: sou assinante da Sky e sócio-torcedor do Flamengo. Estou em dia com o homem. Mas eu e a torcida do Flamengo temos o que reclamar de Luiz Eduardo Baptista.
Outro dia vi um artigo que grifava a seguinte declaração do Bap: “O Flamengo não vai viver dos pobres, jogar um futebol pobre e ser um time pobre, porque o negócio futebol mudou”. A frase é tão infeliz que só podia ser uma adaptação sensacionalista, e não dei muita bola. Mas por algumas atitudes posteriores da diretoria do clube, creio ter me enganado.
Como é sabido por quem já passou os olhos pelo canto direito desse blog, logo abaixo do banner superior, sou redator de propaganda. E há uma coisa na profissão que sempre me incomodou. O cara trabalha numa agência pequena – e esses caras costumam ser os que mais trabalham, por causa das estruturas reduzidas – e faz de tudo. Tamanha dedicação acaba ajudando a agência a produzir coisas bacanas, pegar contas mais rentáveis e crescer. Nesse momento, o CCO e o CEO (mesmo que seja um lugar com meia dúzia de gatos pingados, os executivos têm esses cargos) chegam à conclusão de que, por ter subido na vida, agora a agência precisa de uma equipe mais qualificada. E o pessoal que ajudou a agência a crescer não serve mais. Alguém pode dizer: ora, ora, seu Murtinho, trabalhas em agência de propaganda e não sabes o que é capitalismo? Sim, sei, mas isso aí também é uma bela de uma cretinice.
Parece que está acontecendo o mesmo com a torcida do Flamengo. Aliás, com o torcedor de futebol em geral. Peguem as imagens da final da Copa das Confederações. Peguem as imagens da final da Libertadores 2012, entre Corinthians e Boca Juniors, ou a desse ano, entre Atlético Mineiro e Olimpia. É provável que se encontrem mais negros dentro de campo do que na torcida, como se não estivéssemos no Rio, São Paulo ou Belo Horizonte, mas em Reykjavik. O torcedor que vai aos jogos do Flamengo passou o ano roendo osso, foi a Volta Redonda acompanhar os eletrizantes duelos contra o Clube do Remo e o ASA, e com seu apoio e entusiasmo ajudou o limitado time rubro-negro a chegar a uma impensável final da Copa do Brasil – eliminando, entre outros, o Cruzeiro. Aí, na hora do jogo mais importante do ano, esse torcedor pede o cardápio e constata que o prato de menor custo sai por 250 reais. Bem mais do que um dos abastados biógrafos brasileiros, Mário Magalhães, pagou por um jantar no restaurante chinês de Eike Batista – e que deve estar com preços salgados, para compensar a falta de petróleo.
Ah, mas tem o programa sócio-torcedor, e os descontos oferecidos aos associados servem para os outros aprenderem as vantagens de aderir. Trata-se de um didatismo meio perverso, mas, mesmo que o aceitemos, o ingresso mais barato para o sócio-torcedor custa 150 reais. Cerca de um quarto do salário mínimo nacional.
O presidente do clube, Eduardo Bandeira de Mello – único representante da diretoria que consegue dizer alguma coisa sem parecer arrogante –, ainda tenta ser bonzinho, reconhece que o preço do ingresso está alto, mas reforça que o Flamengo precisa da grana (previsão de 8 milhões de renda bruta, para ficar com 5 milhões líquidos). E aí uma grande questão se apresenta: para onde vai todo esse dinheiro que vem girando no futebol moderno? Desculpe, Bap: no negócio futebol.
Desde que cheguei a São Caetano, há oito anos e meio, vejo torcedores do São Paulo orgulhosos do planejamento, da política de teto salarial e do rigor administrativo do clube. Quando o São Paulo vendeu Lucas, pensei: agora, ninguém segura. O clube vai pegar essa grana e montar um time imbatível. Entretanto, para minha surpresa, pouco depois o presidente Juvenal Juvêncio declarou que o dinheiro da venda do Lucas serviria para pagar dívidas e pôr as contas em dia. Juvenal estava certo: se não tem dinheiro, não tem; se está devendo, paga. Mas, que diabo: se havia planejamento e controle, de onde brotou essa dívida?
Corinthians e Flamengo vivem se vangloriando de suas cotas megablaster de patrocínio, dos tamanhos de suas torcidas, dos milhões e mais milhões para um lado e para o outro. Essa semana, o diretor executivo de Marketing do Flamengo, Fred Luz, declarou que não há exagero em projetar o faturamento anual do clube para algo próximo das cifras barcelônica e real madrilenha. (Ainda não tinha saído a notícia de que a receita do Bayern de Munique na temporada 2012/2013 chegara a 432 milhões de euros e batera o recorde do clube.) Descontando-se a bravata e a típica mania de grandeza rubro-negra, futebol é isso? Sai a medalha, medalha, medalha do Mutley e entra o dinheiro, dinheiro, dinheiro do negócio futebol?
Ninguém está aqui para pregar a falta de estrutura ou salários de fome. Não sei quanto Neymar ganhava no Santos; qualquer que fosse o valor, merecia. Quando voltou ao Flamengo, em 2009, Adriano foi artilheiro do Campeonato Brasileiro, principal nome do time na campanha do título e ajudou o clube a vender 1,5 milhão de camisas. Adriano ganhava 600 mil reais por mês, e saiu barato. Dênis Marques também fazia parte daquele elenco, recebia três vezes menos que Adriano e saiu caríssimo.
É certo que nossos clubes precisam de bons centros de treinamento e de recuperação física, jogadores ganhando bem e em dia, mas será que a cura para as incontáveis mazelas do nosso futebol está nessa obsessão enfurecida, capaz de fazer um grande clube se afastar da massa de torcedores que construiu a sua grandeza?
Algumas outras perguntinhas: com muito mais dinheiro, nossos gramados terão padrão inglês de qualidade? Nossas arbitragens deixarão de ser pavorosas? Nossos melhores jogadores permanecerão no Brasil? Foi por falta de grana que Neymar saiu do Santos ou Paulinho do Corinthians? Estamos preocupados em cuidar do nosso futebol, ou apenas em ganhar rios de dinheiro? Parece que o negócio futebol é faturar cada vez mais, fazer cada vez mais dívidas e aumentar o descontrole.
Atual auxiliar-técnico do Real Madrid, Zidane declarou outro dia que “nenhum jogador vale 100 milhões de euros” – quantia que o clube para o qual trabalha pagou pelo atacante galês Gareth Bale. Não satisfeito, Zizou arrematou: “Mas assim é o futebol, infelizmente. É incompreensível o que acontece hoje em dia.”
Tudo indica que este é o caminho que escolhemos: arrecadar tanto quanto o Barcelona e o Real Madrid, e dever tanto quanto o Barcelona (331 milhões de euros) e o Real Madrid (541 milhões de euros). Peço licença a Caetano Veloso para encaixar aqui os versos de sua “Americanos”: olhando para o que vem sendo feito em matéria de objetivos e gestão no futebol brasileiro, tenho a impressão de que algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando.
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