Presidente Jair Bolsonaro em ato cívico-militar no 7 de setembro. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil.
Autoritarismo em quatro tempos
Risco à democracia prevê quarteto de movimentos – Bolsonaro cumpre todos
A despeito de avisos, o bolsonarismo novamente foi desprezado. E novamente mostrou sua força.
As campanhas da oposição optaram por se acorrentar à fotografia das projeções das pesquisas de opinião que apontavam para um cenário mais favorável, sem levar em consideração suas limitações metodológicas. A quebra de expectativas foi um choque de realidade.
No entanto, a frustração também atingiu o outro lado. Bolsonaristas mais convictos ficaram inconformados com o segundo lugar. Vários acreditavam que seria possível garantir a reeleição do presidente ainda no primeiro turno.
Logo apareceu o bode expiatório ideal: os institutos de pesquisa. Como seria de se esperar, a campanha de Bolsonaro já se aproveitou do conhecido ponto cego relacionado aos movimentos rápidos de parte do eleitorado para acusar algum tipo de manipulação “esquerdista”.
Curiosamente, o BTG Pactual, herdeiro do banco de investimentos fundado por Paulo Guedes, e insuspeito de qualquer tipo de “esquerdismo”, realizou projeções eleitorais semelhantes.
Tal seletividade não é obra do acaso. A contestação de entidades conhecidas ligadas ao processo eleitoral faz parte das estratégias empregadas por candidatos potencialmente autoritários, como já apontaram os cientistas políticos norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores de Como as democracias morrem.
Com base em uma análise comparada ampla, Levitsky e Ziblatt chegaram a quatro quesitos para avaliar o risco à democracia apresentado por determinadas candidaturas. Se apenas um deles é atendido, já é um grande motivo para preocupação. E Bolsonaro se encaixa com perfeição em todos os quatro.
O primeiro é a rejeição às regras do jogo democrático ou um compromisso fraco com tais regras, isto é, desrespeito à constituição do país, ao processo eleitoral e aos direitos civis e políticos básicos. Daí a insistência de Bolsonaro em afirmar que joga dentro das quatro linhas.
Contudo, sabe-se que o candidato recorre de forma explícita a outros dois expedientes, também apontados pelos autores como cruciais para minar confiança nas regras: ameaças explícitas de golpe e recusa em aceitar resultados eleitorais dignos de crédito. Durante a campanha, Bolsonaro moderou a retórica golpista mas continuou a falar em “eleições limpas”, em referência a toda a contestação que veio sendo realizada pelo governo ao sistema eleitoral do país nos últimos anos.
O segundo quesito é a negação da legitimidade de seus oponentes políticos. Isso significa acusar os rivais de subversivos, afirmar que representam uma ameaça existencial à segurança nacional e ao modo de vida predominante e desqualificá-los como criminosos ou agentes estrangeiros sem qualquer fundamentação. Nesse sentido, o discurso bolsonarista é irretocável. Todas as lideranças progressistas brasileiras seriam comunistas e agentes do “globalismo” que ameaçam o país e os valores da pátria. Petistas contam com o adicional de serem insistentemente taxados de corruptos, criminosos e mentirosos, assim como seu principal líder e rival de Bolsonaro.
O terceiro quesito é o estímulo à intolerância ou encorajamento da violência. Ou seja, laços com organizações envolvidas em violências ilícitas, estímulo de ataques violentos a adversários, apoio tácito à violência praticada por apoiadores, recusa em condenar e punir atos de violência de forma categórica, e elogios a atos significativos de violência política no passado ou em outros lugares do mundo.
Aqui, Bolsonaro também não deixa a desejar. O envolvimento de sua família com milícias já foi amplamente registrado e seu estímulo à violência é inegável. Basta lembrar que Bolsonaro já afirmou não ter “nada a ver” com o assassinato de um militante petista por um de seus apoiadores, e já incitou à violência de forma explícita ao declarar coisas como “vamos fuzilar a petralhada” e sugerir o envio de desafetos à “ponta da praia”, expressão utilizada na época da ditadura para se referir ao local de execução de presos políticos.
A celebração explícita da tortura, da ditadura militar e do legado de Brilhante Ustra, militar que atuou como torturador de Dilma Rousseff, já integram seu repertório político há mais de trinta anos. Inclusive, “nesse tocante”, vale lembrar que, em 1999, Bolsonaro propôs fuzilar Fernando Henrique Cardoso e defendeu uma guerra civil como forma de resolver os problemas do país. Em suas próprias palavras seria necessário fazer “(…) o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”.
Por fim, Bolsonaro também marca pontos no último quesito proposto por Levitsky e Ziblatt: propensão à restrição ou censura de oponentes e da mídia. Para ficar em episódios mais recentes basta lembrar da tentativa de censurar manifestações de artistas em shows e a divulgação de uma matéria do portal UOL sobre uso de dinheiro em espécie por sua família para aquisição de imóveis. Mas nos últimos anos houve também outras ocorrências, como a produção de um mapa de influenciadores classificados como favoráveis, neutros ou detratores em relação ao governo federal, além de inúmeros casos de censura e ataques à cultura mapeados por entidades da sociedade civil.
Diante de uma ameaça autoritária iminente, Levitsky e Ziblatt argumentam que o papel desempenhado pelo sistema político como barreira de contenção é fundamental. Ou seja, o apoio ou rejeição explícitos por parte de lideranças políticas tradicionais são decisivos, sobretudo daquelas que pertencem ao mesmo campo político da candidatura potencialmente autoritária e que possuem cargos políticos relevantes.
Bolsonaro já conseguiu arrebanhar apoiadores de peso no Sudeste, região decisiva para o resultado do segundo turno. Já declararam apoio à sua candidatura dois governadores do Sudeste, Romeu Zema, em Minas Gerais, e Cláudio Castro, no Rio de Janeiro. Tarcísio de Freitas, seu candidato em São Paulo, ao que tudo indica, será o futuro governador do estado. Além disso, Bolsonaro também conta com o apoio de Sergio Moro, e de parte do tucanato, como o atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia.
Enquanto isso, a candidatura de Lula contabiliza o apoio de cinco governadores, FHC, Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) – os dois últimos derrotados no primeiro turno da disputa presidencial.
No entanto, é preciso lembrar que isso não se traduz em uma conversão imediata do eleitorado. E, nesse sentido, há um problema adicional para o caso brasileiro. A alta fragmentação do nosso sistema partidário dificulta movimentos em massa de eleitores a favor ou contra determinada candidatura em comparação com sistemas bipartidários ou que possuam apenas três ou quatro partidos relevantes.
Assim, o posicionamento de lideranças relevantes para além do sistema político pode acabar sendo tão ou mais fundamental no atual cenário. Motivo pelo qual o apoio explícito à candidatura de Bolsonaro por parte do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, deve acender um sinal de alerta para a oposição.
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