Bolsonaro teve uma derrota fragorosa no Twitter, com mais de 70% de reações negativas. Lula obteve 77% de reações positivas. Fotos: Reprodução
Lula fura a bolha e bate Bolsonaro nas redes
Após entrevista ao JN, candidato petista chega a 77% de menções positivas e alcança influenciadores de fora da política; Bolsonaro teve 70% de citações negativas
Faltavam 42 minutos para o início da entrevista do presidente Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional quando uma postagem sua deu um prenúncio do que iria ser seu comportamento na bancada do programa. Ao contrário de 2018, quando o então candidato foi – bem ao seu estilo – pra cima de William Bonner e de Renata Vasconcellos, constrangendo a apresentadora com comentários inclusive sobre seu salário, a foto no Facebook (republicada no Instagram) mostrava um Bolsonaro relaxado, tranquilo (341 mil interações no Facebook).
Para quem acha que tudo o que é feito nas redes do presidente é milimetricamente calculado pelo filho Zero Dois, o vídeo publicado pelo ministro Fábio Faria, ainda no fim da tarde do mesmo dia, seria mais um indício de que um Bolsonaro paz e amor entraria em cena.
E foi isso mesmo que se viu durante quase toda a sabatina na emissora carioca. Muita calma do presidente na hora de responder as perguntas, sem grandes rompantes lacradores, como em 2018. Já William Bonner foi “debochado e arrogante”, segundo os bolsonaristas nas redes, que reclamaram muito que os entrevistadores chamaram Bolsonaro de candidato e não de presidente também. Para o cluster governista, foi uma “inquisição”.
Para petistas, o contrário: Bonner e a Rede Globo teriam sido muito brandos (até coniventes) com Bolsonaro ao não abordar temas como rachadinha dos filhos, aumento de patrimônio e envolvimento com a milícia, representada pela relação estreita da família com Fabrício Queiroz e o falecido Adriano da Nóbrega. A escolha de tratar do meio ambiente e não falar sobre a fome também foi criticada.
“Quero ver se vai ser desse jeito com Lula”, disseram os bolsonaristas. “Quero ver se vai ser desse jeito com Lula”, publicaram também os lulistas. A afirmação dos dois grupos tinha o sentido inverso, é claro.
Mas a treinada calma de Bolsonaro e o suposto clima “light” dos entrevistadores não foi suficiente para manter o presidente numa zona de conforto o tempo inteiro. A pergunta de Renata Vasconcellos sobre a imitação que o presidente fez de uma pessoa com “falta de ar” na pandemia foi prato cheio para o cluster de oposição ampliado (não só formado por petistas e lulistas).
Bolsonaro negou ter imitado uma pessoa com asfixia. Em tempos de redes, foi desmentido em tempo real, em todas as plataformas ao mesmo tempo, com os vídeos da imitação como prova. E não foi só uma vez que Bolsonaro imitou a “falta de ar”. A nuvem de palavras extraída do Twitter mostra que essa parte foi o ponto alto da entrevista nessa rede. “Mentiroso da República” também chegou a entrar nos trends, puxado pela “falta de ar”. Uma mentira a cada 3 minutos, segundo cálculos do Estadão Verifica (318 mil interações no Facebook; 36 mil interações no Instagram).
Nuvem de palavras do Twitter sobre a entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional
Entre 20h30 e 22h30 do dia 22 de agosto de 2022
Bolsonaro teve uma derrota fragorosa no Twitter, com mais de 70% de reações negativas no período de 20h30 às 22h30, isto é, coletando reações durante e logo após a entrevista (1,12 milhão de publicações). Mas nem tudo foi perdido para Bolsonaro.
Grafo de menções no Twitter sobre a entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional
Entre 20h30 e 22h30 do dia 22 de agosto de 2022 (menções positivas a Bolsonaro em azul, negativas em rosa)
Apesar do interesse pela “falta de ar” no Twitter, quando analisamos o Google, vemos que as buscas a “Dario Messer” foram ainda maiores. Bolsonaro conseguiu plantar novamente dúvidas nos internautas (e inflamar seus seguidores) sobre a reputação da emissora carioca e seus “reais interesses”. Foi a lacrada sutil do dia.
No Facebook, das 20 postagens com maior alcance em língua portuguesa publicadas no dia 22, 12 não trataram de política, das outras 8, 6 foram favoráveis ao “mito”, incluindo 4 postadas no próprio perfil do presidente. No Instagram, das 20 publicações com maior alcance em língua portuguesa, 10 não versavam sobre política, mas Bolsonaro conseguiu emplacar 4 postagens próprias.
Como em outras ocasiões, a estratégia bolsonarista de redes se mostrou atuante. Foram postagens que iam da “explicação” para seu público do que Bolsonaro quis dizer quando respondeu a Renata sobre a “falta de ar” – estava criticando o protocolo do ex-ministro Mandetta – até uma postagem debochada ironizando o fato de William Bonner ter falado muito durante a sabatina. Nas redes, o perfil de Lula preferiu deixar que outros usuários fizessem a crítica a Bolsonaro. Só publicou sobre o assunto no Facebook no dia seguinte. Nas redes, como nas análises de 9 entre 10 especialistas, o presidente saiu no zero a zero ao comentar a entrevista do adversário.
A “preparação” da entrevista de Lula também mostrou o ex-presidente relaxado e sorridente nos perfis proprietários das redes (460 mil interações no Instagram). Na postagem, Lula brincou com o fato de ter ido a uma entrevista como candidato na Globo pela última vez em 2006, eleição em que enfrentou Geraldo Alckmin, que este ano é seu vice e foi escolhido para acompanhá-lo na sabatina. O simbolismo da postagem mostra um Lula comedido, de centro, liderando uma “frente ampla”. Foi o que se viu depois na entrevista.
Até a hora da sabatina, ataques a Lula foram poucos. As redes bolsonaristas estavam entretidas no embate que parece eterno com André Janones, no momento o maior influenciador da oposição (e agora também no Twitter). Também estavam preocupadas (resmungando muito) com a pauta “empresários golpistas” e o bloqueio judicial aos perfis de Luciano Hang nas redes.
Voltando à entrevista no JN, durante os 40 minutos em que Lula esteve no palco mais nobre da tevê aberta, Alckmin não apareceu só na postagem prévia de Lula. Durante a entrevista, as reiteradas menções ao seu vice deram o tom de que Lula queria mesmo conversar com os moderados e indecisos. E conseguiu.
Para começar, comparando o número de menções no Twitter em língua portuguesa, no dia 22 Bolsonaro obteve 1,55 milhão. Lula foi mais relevante, com 2,25 milhões no dia 25. No “falem bem ou mal, mas falem de mim”, o ex-presidente petista passou no teste.
Mas quando analisamos a sentimentalização dessas menções, a diferença com Bolsonaro (ver grafo abaixo) é acachapante. Lula obteve 77% de reações positivas, contra 23% de postagens contrárias, considerando um universo coletado de 1,37 milhão publicações, no período de 20h30 às 22h30 do dia 25 – mesmo recorte feito na coleta do dia 22, data da entrevista de Bolsonaro.
Grafo de menções no Twitter sobre a entrevista de Lula ao Jornal Nacional
Entre 20h30 e 22h30 do dia 25 de agosto de 2022 (menções positivas a Lula em rosa, negativas em azul)
De acordo com todos os indícios das redes, o grande objetivo de Lula (e de Bolsonaro) com a entrevista, qual seja, o de tentar morder um naco dos indecisos, ou o de “furar a bolha”, parece ter sido alcançado pelo petista. O cluster de fora da política, de influenciadores do entretenimento, que há tempos se manifesta contra Bolsonaro, se mostrou “encantado” com Lula. Jornalistas relevantes no Twitter que outrora se manifestaram simpáticos à Lava Jato ou mesmo eram taxados de “antipetistas”, também não hesitaram em elogiar a “postura moderada” do ex-presidente. Na manhã do dia seguinte (26) as análises dos colunistas e especialistas foram quase unânimes em afirmar a “vitória” de Lula.
Durante a sabatina, o ex-ministro de Bolsonaro Sergio Moro, que o destino parecia que iria carregar para aquela mesma bancada, publicou uma série de tuítes ao melhor estilo “react” – modalidade que está sendo testada por uma porção de “cringes”, gente que usa as redes de modo um tanto ultrapassado. Moro se alinhou de vez ao bolsonarismo para tentar salvar sua candidatura ao Senado. No mais, de acordo com as “reações aos reacts”, o ex-juiz precisa urgentemente de alguém que revise o vernáculo em suas postagens.
A reação bolsonarista à entrevista de Lula era esperada. Foi tímida, desanimada e focada muito mais nos entrevistadores e na Rede Globo do que no próprio Lula e suas respostas à sabatina.
As buscas do Google também confirmaram a vantagem do petista sobre o capitão. A fala de Lula sobre o MST provocou uma avalanche de procura sobre o movimento, superando os easter eggs que Bolsonaro levou anotados em sua mão (Nicarágua, Argentina, Colômbia e Dario Messer). Outro termo que ganhou atenção no debate digital foi Paulo Freire, citado por Lula para justificar alianças.
No Facebook, território dominado amplamente por Bolsonaro há vários anos, Lula, se não foi quase unânime como havia sido o presidente no dia 22, conseguiu emplacar duas postagens de seu perfil próprio dentre as vinte com maior número de interações em língua portuguesa (Bolsonaro emplacou três). E ele agora tem um aliado de relevância nessa plataforma: Janones falando sobre o Auxílio Brasil para mães solo produziu a publicação de maior alcance (no total foram duas postagens de Janones dentre as vinte de maior alcance). Outros perfis de petistas, como Lindbergh Farias e Humberto Costa, com publicações sobre Lula no JN, também entraram no Top 10 do dia 25 de agosto.
No Instagram, que hoje possui mais relevância que o Facebook, a lavada foi épica. Foram quatro postagens de Lula no top 20 em língua portuguesa. O petista ainda contou com a ajuda de “perfis de fofoca” (a fofoca no Instagram é muito mais representativa que a política) como o Choquei (17,3 milhões de seguidores), que emplacou seis postagens sobre o tema – simpáticas a Lula – na lista e o perfil “Alfinetadas nos Famosos” (21,3 milhões de seguidores) com duas postagens favoráveis ao petista. Bolsonaro e demais perfis bolsonaristas não figuraram com postagens dentre as vinte.
Esses perfis que não fazem parte da campanha e do mundo político, que se engajam espontaneamente na defesa a Lula, são cada vez mais relevantes num momento de transformação profunda das redes sociais online. Impulsionadas pela revolução iniciado com o algoritmo do TikTok, as plataformas têm privilegiado cada vez mais o “interest graph” em detrimento ao “social graph”. Isto é, as redes antes privilegiavam o conteúdo das conexões do internauta, das pessoas que ele segue – agora, privilegiam conteúdos de qualidade, que desperta interesse dos usuários e, consequentemente, alto número de interações. As redes estão mudando – mas isso é assunto para outro artigo.
De volta a Lula e Bolsonaro, é preciso dizer que a campanha ainda está em seu início. Hoje começa o horário eleitoral na tevê e as entrevistas dos presidenciáveis no Jornal Nacional confirmaram o que já se sabia. Não existe separação entre televisão e digital. Ambos caminham juntos. A mobilização das redes é estratégica na condução das pautas da campanha, incluindo aquilo que se discute na tevê. Bolsonaro e Lula mostraram suas cartas. O primeiro tem uma minoria muito bem coordenada, enquanto que o segundo aposta numa maioria difusa, na frente ampla. As duas estratégias têm vantagens e desvantagens. Likes e compartilhamentos não são votos – o que definirá o sucesso delas será a capacidade de integração com outros instrumentos eleitorais decisivos.
Advogado, mestre em Ciências Sociais pela UnB e pesquisador associado do Cepesp/FGV
Sócio da Arquimedes, consultoria de análise de mídias sociais. É mestre e graduado em administração pela Fundação Getulio Vargas.
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