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    Marici e cenas dos encontros de seus familiares com o clã Bolsonaro, com quem cultivam uma relação próxima

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A socialite, as rezadeiras e o 8 de janeiro

Suspeita de ajudar a financiar os atos golpistas, Marici Junqueira diz que só ajudou a pagar um ônibus de "senhoras" para orar em Brasília

André Borges | 20 set 2023_07h50
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“Nem tudo que a gente ouve, houve.” A frase publicada no Instagram pela fazendeira Marici Junqueira Bernardes, que mora em Araçatuba, parecia se antecipar a alguma novidade iminente. Quatro dias depois do post, a confirmação. Marici foi informada que agentes da Polícia Federal haviam batido à sua porta. Era a manhã do dia 5 de setembro, e a PF cumpria ali um dos mandados de busca e apreensão da 16ª fase da Operação Lesa Pátria, deflagrada para identificar os financiadores dos atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília.

Marici não estava em casa naquele momento. Havia viajado para São Paulo, onde passava por tratamento em uma clínica de estética, conforme apurado junto a membros da Polícia Federal. Em sua casa, os agentes cumpriram a missão e recolheram itens que podem colaborar com as investigações. Bastaram minutos para que se espalhasse pela imprensa e pelas redes sociais que a PF agia contra uma “socialite de Araçatuba”, município próspero da região noroeste de São Paulo, onde o cotidiano de boa parte de seus 200 mil habitantes está ligado à máquina do agronegócio, uma estrutura que tem, na família de Marici, engrenagem central. Restava saber por que ela foi escolhida como alvo.

O mandado da PF se baseia na suspeita de que Marici deu apoio financeiro para bancar a viagem de grupos golpistas até Brasília, segundo fontes ligadas à operação. A investigação procura os nomes que aportaram recursos, por exemplo, no aluguel de ônibus para percorrer os 860 km de estradas que separam a cidade paulista dos acampamentos montados por pessoas que ficaram amotinadas por até 63 dias em frente ao quartel general do Exército, de onde saiu parte dos autores do quebra-quebra.

Marici nunca se manifestou sobre ter sido alvo da ação. Sua advogada, Carla Rahal Benedetti, afirmou à piauí que, desde a deflagração da operação contra a sua cliente, pediu acesso aos autos do processo, mas não foi atendida até o momento. “Esperamos que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes acolha nosso pedido nos próximos dias”, disse Benedetti.

Questionada se Marici financiou a ida e a permanência de pessoas em Brasília para participar dos atos golpistas de 8 de janeiro, Benedetti disse que Marici atendeu a um pedido de colaboração que foi feito por um grupo de aproximadamente 25 “senhoras rezadeiras católicas”, que saíram de Araçatuba com destino a Brasília, “para rezar pelo país”.

Marici, de acordo com sua advogada, tratou de centralizar, em sua conta bancária, os valores repassados por cada membro desse grupo de orações. “Algumas pessoas depositaram na conta da Marici, para que ela repassasse para o motorista”, afirmou Benedetti.

A fazendeira, segundo a defesa, fez dois depósitos na conta do motorista que levou as senhoras católicas a Brasília, sendo um no valor de 6.400 reais e outro de 600 reais. Destes 7 mil, afirma a advogada, apenas 1 mil reais foram doados diretamente por Marici.

Uma vez em Brasília, as mulheres religiosas, conforme o relato da advogada, se limitaram a orar na Catedral de Brasília, na Esplanada dos Ministérios, e não chegaram a ir para a Praça dos Três Poderes naquele dia, onde se consumou a destruição generalizada dos prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. Marici não estava entre elas.

Antes de indicar a advogada para falar sobre a suspeita, Marici respondeu a um e-mail da piauí, no qual diz que não tem relações próximas com o ex-presidente e seu clã. “Não temos proximidade com a família Bolsonaro, politicamente, nenhuma. Minhas filhas são blogueiras de moda e conheceram uma das noras do senhor Jair Bolsonaro, pelo trabalho delas. Isso é o que temos a dizer. Grata, Marici e família”, declarou.

Não é bem assim.

 

Marici é esposa de Edson José Bernardes, fazendeiro reconhecido na elite da pecuária. Há anos, a família Bernardes cultiva proximidade com expoentes do bolsonarismo. Um deles é o ex-secretário de Assuntos Fundiários, o pecuarista Nabhan Garcia. Ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan foi homem forte de Bolsonaro, escolhido para travar as lutas mais caras ao ex-presidente, como o enfrentamento aos movimentos sociais no campo e a paralisação absoluta das demarcações de terras indígenas. É um dos melhores amigos de Edson Bernardes, assim como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), grande apoiador de Bolsonaro, que entre outras coisas juntou, em outubro de 2022, uma turma heterogênea de sertanejos (Gusttavo Lima, Zezé di Camargo, Chitãozinho, Sula Miranda) para manifestar apoio ao então presidente.

Os vínculos com a turma do governo vão além da velha guarda da agropecuária. A família Bernardes mantém especial relação com bastiões da extrema direita, como Ricardo Salles, o ex-ministro do Meio Ambiente.

Salles foi colega de escola na capital paulista e é até hoje um amigo do genro de Marici, o fazendeiro Victor Xandó, casado com Marina Junqueira Bernardes Xandó, uma das três filhas de Marici e Edson.

O estreitamento da família Bernardes com o clã presidencial ganhou força a partir das relações que as filhas de Marici passaram a ter com Heloísa Bolsonaro e seu marido, Eduardo Bolsonaro.

Em julho de 2021, Eduardo e Heloísa estiveram em Araçatuba com a família e se hospedaram na casa de Marina Xandó, a filha de Marici. A esposa do “zero três” celebrou publicamente a acolhida. “A gente veio passar o fim de semana aqui, em Araçatuba. Estou super surpresa, positivamente, com a cidade, com as pessoas. Estão nos recebendo super bem. A Marina é uma excelente anfitriã. A gente se sente super em casa. Todo mundo é acolhedor, querido, apoiador”, disse Heloísa, em um vídeo postado com a mensagem “100% Bolsonaro aqui hahaha”, em suas redes sociais. “Está sendo muito especial conhecer Araçatuba e todas as pessoas.”

Jair Bolsonaro não acompanhou o filho e a nora nessa viagem. Ele teve uma crise de obstrução intestinal naquela semana e precisou passar por um procedimento no hospital Vila Nova Star, na Zona Sul de São Paulo, onde permaneceu por cinco dias. Perdeu a programação de passeios e tiros. Eduardo gastou parte de seu tempo entre as propriedades da família Bernardes e disparos com armas de fogo dados no Clube de Tiro Boatto, localizado no município de Birigui, vizinho de Araçatuba. “Tiro é o esporte que trouxe a 1ª medalha olímpica para o Brasil e é sinônimo de lazer, família”, escreveu Eduardo, naquela ocasião. “Não permita que pessoas de má-fé ou idiotas úteis demonizem essa saudável prática. Procure um clube, adquira sua arma, treine, divirta-se e proteja-se”, publicou.

Bolsonaro retribuiu a gentileza quando a família esteve em Brasília. No Palácio do Planalto, o então presidente e a mulher Michelle receberam os apoiadores do interior paulista.

Junto de outras influencers e de sua irmã Mariah, Marina Xandó publicou fotos ao lado de Bolsonaro, comemorando o fato de se posicionarem politicamente. Marina e o marido Victor Xandó também estiveram na capital federal, entre apoiadores de Bolsonaro, para a celebração do fatídico Sete de Setembro, o Dia da Independência, em 2021, quando Bolsonaro fez uma série de ameaças ao Supremo Tribunal Federal e à democracia em discurso na Esplanada dos Ministérios.

As redes sociais – como instrumento de trabalho, e não apenas de diversão – aproximam ainda mais Bolsonaro e a família de Marici. Assim como Heloísa Bolsonaro, Mariah Bernardes Maia e Marina Bernardes Xandó atuam há anos como influenciadoras digitais. 

Entre os 585 mil seguidores de Mariah no Instagram estão a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o sanfoneiro bolsonarista Gilson Machado – e também Sophia Alckmin, filha do vice de Lula, Geraldo Alckmin. Os três estão igualmente presentes entre os 135 mil seguidores de Marina. O perfil de Marici é fechado e não chega a 700 seguidores.

Os conteúdos de Mariah e Marina têm a receita típica do glamour instagramável: viagens à Europa, voos em jatinho particular entre fazendas e moda. Há também dicas de “boas maneiras”, como o modo correto de mexer uma colher dentro da xícara de chá (balançar a colher para frente e para trás, e não em círculos), ou como usar um guardanapo de pano para limpar a boca durante a refeição (dar batidinhas nos lábios, em vez de esfregar). A política acabou entrando no cardápio dos posts e interações. Quando Lula foi eleito, Marina postou: “Venceu a corrupção, o apoio à ditadura, a exaltação de regimes criminosos, a bandidolatria (…).” Marici, por sua vez, integrou o coro de detratores da artista plástica Renata Egreja (antes querida pelo agro, setor de atuação de sua família, e que passou a ser hostilizada após fazer o L). Em um post da pintora, comentou: “Feminista e Socialista não Vive de Mesada da mamãezinha Vem plantar Cana BELE (sic).”

O entusiasmo dos Bernardes com o ex-capitão também passou por doações à sua campanha eleitoral.

Se em 2018, como mostram os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Bernardes limitou-se a doar 1 mil reais para a campanha de Bolsonaro, em 2022 houve até espaço para uma citação ao número da chapa de seu candidato, com a contribuição de 55.022 reais. Outros 25 mil reais foram repassados pelo fazendeiro à campanha do vereador bolsonarista Lucas Pavan Zanatta (PL), que tentou uma cadeira de deputado estadual.

Os recursos ajudaram Zanatta e Ricardo Salles a inaugurar, em agosto do ano passado, as “Casas Bolsonaro”, como foram batizados seus centros de campanha em Araçatuba e Birigui. Um churrasco com cerca de 150 apoiadores foi organizado para a inauguração, que contou com a presença, mais uma vez, de Eduardo Bolsonaro e integrantes do Movimento Direita da Alta Noroeste.

Bolsonaro, que perdeu as eleições para a Presidência, teve 69,25% dos votos válidos em Araçatuba no segundo turno, enquanto Lula ficou com 30,75%. Lucas Zanatta não se elegeu deputado. 

No protesto em que pretendiam “rezar pelo país”, as rezadeiras patrocinadas por Marici juram que não passaram pela Praça dos Três Poderes e que fincaram pé orando dentro da Catedral de Brasília, enquanto a confusão corria solta lá fora, aos olhos benevolentes de muitos policiais militares que tomavam sorvete em frente à igreja. A defesa de Marici afirma que todas as mulheres pegaram o caminho de volta para casa, sem nenhuma prisão no grupo. Seguiram juntas até Araçatuba. Rezando.

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